Caçula, babá, cafuné: como mulheres negras escravizadas ajudaram a criar o português brasileiro
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- Julia Braun – BBC Brasil em Londres
Caçula, babá, moleque, dengo, cafuné. Algumas palavras que usamos no nosso dia a dia escondem traços e fonemas de uma herança africana que está profundamente ligada às mulheres e ao trabalho doméstico exercido pelas negras escravizadas no Brasil dos séculos 16 a 19.
Estima-se que cerca de 4 a 5 milhões de africanos foram traficados para o país durante o período. Destes, cerca de 75% eram bantos, um grupo que se espalhou por uma vasta área ao sul da Linha do Equador na África.
A característica mais evidente que une esses povos é justamente o fato de eles falarem línguas da família linguística banto — de onde emprestamos algumas palavras que seguem até hoje em nosso vocabulário.
A maioria dos que foram enviados à força ao Brasil tinha origem em Angola e República Democrática do Congo, e posteriormente, Moçambique.
No ambiente da família colonial, esses escravizados aprenderam o português na convivência diária com seus senhores — e também imprimiram em seu falar hábitos e características de suas próprias línguas.
Ao mesmo tempo, os colonizadores portugueses foram se apropriando pouco a pouco de termos africanos, que passaram a ser usados principalmente para designar os objetos e atividades do dia a dia.
Nesse contexto, as mulheres africanas tiveram um papel especial, seja por meio do cuidado com as crianças, do seu trabalho na cozinha ou como amas de companhia e curandeiras.
‘Grande mãe ancestral dos brasileiros’
Autora de diversos livros e artigos sobre o tema, a etnolinguista baiana Yeda Pessoa de Castro vê no passado brasileiro um processo que invisibilizou a força de trabalho da mulher negra escravizada na historiografia.
Mas para a pesquisadora, que se dedica ao estudo das línguas africanas e sua influência no Brasil, essas mulheres tiverem um protagonismo na família e vida diária do colonizador que foi muito além do serviço doméstico prestado.
Em seu livro Camões com Dendé, Castro descreve como as mulheres africanas influenciaram as famílias brasileiras por meio da contação de histórias do seu universo fantástico afrorreligioso, do compartilhamento de seu conhecimento nato de folhas e ervas medicinais, como cozinheiras introduzindo elementos de sua dieta nativa na comida diária da casa e como amas de companhia das jovens solteiras e cuidadoras das crianças.
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Pepetela lamenta desvalorização das línguas nacionais angolanas
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Autor de “Mayombe” está preocupado com a forma como “estamos a perder as nossas línguas”, pois a maioria das crianças em Angola só brinca, lê e fala em português
Artur Pestana “Pepetela” lamentou, sexta-feira, em Lisboa, a desvalorização das línguas nacionais, que têm cada vez menos falantes. O escritor reflectiu, entre outros assuntos, sobre a questão da necessidade de políticas de promoção das línguas nacionais durante a sua intervenção na rubrica literária “Autor do Mês”, promovida pela Livraria Lello, sediada em Lisboa, Portugal.
“Estamos a perder as nossas línguas. A maioria das crianças angolanas só brinca, lê e fala em português”, lamentou.
Figura incontornável da literatura lusófona da actualidade, Pepetela foi o autor escolhido do mês de Novembro pela emblemática livraria portuguesa.
Moderada pelo jornalista português Sérgio Almeida, a sessão de conversa com o autor aconteceu na tarde de sexta-feira e contou com a presença de vários amantes da literatura deste autor que tem nas transformações da sociedade angolana a sua maior fonte de inspiração, que se expressa tanto em romances sarcásticos ou hilariantes. Em mais de uma hora de conversa, leitores e admiradores da obra do escritor angolano tiveram a oportunidade de ouvir e conhecer mais sobre a história e a contribuição de Pepetela para a literatura e cultura de língua portuguesa.
Um dos maiores escritores da língua portuguesa, Pepetela disse que escreve porque a escrita o ajuda a pensar melhor aquilo que vê, tendo argumentando que nunca quis ser professor mas que acabou por ser na maior parte da sua vida, tendo leccionado no ensino universitário. O autor explicou que há mais de dez anos que já não dá aulas, uma profissão que escolheu por acreditar que lhe permitiria continuar a escrever.
Artur Pestana “Pepetela” – Prémio Camões 1997
“Ser escritor profissional tem as suas vantagens e desvantagens, como a falta do convívio com a classe de jovens com os quais cruzava quando dava aulas na faculdade. Comecei a escrever histórias com os 8 ou 9 anos de idade, ainda nas redacções escolares. Os professores entenderam me apoiar, ao invés de me castigarem”, recordou.
Pepetela revelou que ao longo de décadas de carreira continua a escrever por prazer, sem permitir que isso seja um esforço, razão pela qual disse não “se sentir pressionado” em atender aos pedidos de admiradores e editoras sobre novas sequelas das obras já publicadas.
Questionado sobre o espaço dominante que a música assume no panorama cultural em relação à literatura, Pepetela reconheceu que este cenário é antigo. O escritor fez saber que a música sempre foi a expressão principal de manifestação, sublinhado que mesmo quando a escrita se desenvolve, a música já era um meio de grande relevância no país nos séculos passados.
Novo livro a caminho
Figura obrigatória da literatura angolana actual, Pepetela completou, no dia 29 de Outubro, 83 anos de vida, dos quais mais de metade dedicada a narrar em livros a história recente da vida do país. Na semana de celebração de aniversário comunicou a notícia do lançamento do seu novo romance, intitulado “Tudo-Está-Ligado”, sob chancela da editora Dom Quixote, uma das mais prestigiadas da lusofonia.
Segundo a sinopse, no novo romance Pepetela leva os leitores numa viagem que vai desde a formação dos reinos no Planalto Central à actualidade, explorando episódios pouco conhecidos da história do país. Ainda sem data de lançamento a história do novo livro inicia em Benguela, sua terra natal. O muito aguardado novo romance de Pepetela já está à venda nas livrarias portuguesas e marca o regresso do conceituado autor, seis anos após o seu último livro, “Sua Excelência, de Corpo Presente”.
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos “Pepetela” nasceu em Benguela, em 1941. Licenciou-se em Sociologia, em Argel (Argélia), durante o exílio, e foi guerrilheiro do MPLA, político e governante. Fez o ensino primário na sua cidade natal, partindo depois para o Lubango (Huíla), onde prosseguiu os estudos.
Em 1958 foi para Lisboa, ingressando no Instituto Superior Técnico, onde frequentou o curso de Engenharia até 1960. Pepetela tornou-se militante do MPLA em 1963 e quando abandonou a vida política, optou pela carreira de docente, na Faculdade de Arquitectura de Luanda, onde deu aulas de sociologia. Traduzidos em diversas línguas, em 1997 foi reconhecido com o Prémio Camões, a maior distinção literária da língua portuguesa.
Tem publicados entre outros, os livros “As Aventuras de Ngunga” (1973), “Muana Puô” (1978), “Mayombe” (1980), “O Cão e os Caluandas” (1985), “Yaka” (1985), “Lueji” (1989), “Geração da Utopia” (1992), “O Desejo de Kianda” (1995), “Parábola do Cágado Velho” (1997), “A Gloriosa Família” (1997), “A Montanha da Água Lilás” (2000) e “Jaime Bunda, Agente Secreto” (2001) e “Sua Excelência de Corpo Presente” (2018).
Na sua galeria constam ainda os prémios Correntes de Escrita, em 2020, Rosalia de Castro, do Centro PEN Galiza, em 2014, Nacional de Literatura (1981), Nacional de Cultura e Artes (2002), Especial dos Críticos Literários de São Paulo (1993), Internacional da Associação de Escritores Galegos (2007), Prince Claus da Holanda (1993) e Grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Algarve, conferido em 28 de Abril de 2010.
Pepetela foi, igualmente, distinguido com o título Doutor Honoris Causa, pelo Conselho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, em 2022.
Leia diretamente na fonte:
Pepetela lamenta desvalorização das línguas nacionais angolanas – Ecos do Henda
Conferência com Dra. Verônica Manole
Forum on Linguistic Data and Digital Humanities / Fórum em Dados Linguísticos e Humanidades Digitais
29 de novembro de 2024 [sexta-feira] – presencial
Acesse o QR code para o programa!
Professora Veronica Manole, Ph.D. – Universitatea Babeș-Bolyai, Universidade Babeș-Bolyai, Romênia
NJINGA e SEPÉ: Revista Internacional de Culturas, Línguas Africanas e Brasileiras
v. 4 n. Especial II (2024): A Linguística, a Literatura, a educação e outras áreas afins na mesa de debates em favor do avanço da ciência
O volume 4 , nº Especial II apresenta diversos estudos linguísticos, literários, metodologias de ensino e outros estudos científicos que apontam para o avanço da ciência na África e no Brasil no século XXI. As universidades africanas e brasileiras produzem conhecimentos diversos que revelam os avanços científicos buscando sempre oferecer propostas para os problemas sociais, econômicos, linguísticos, culturais e políticos da atualidade. Esta publicação organizada por um trio: Luzinha Brígida de Jesus (timorense), Higor Teixeira dos Santos (brasileiro) e Abias Alberto Catito (angolano), todos da Universidade Estadual Feira de Santana, reúne resultados de estudos produzidos em diversas universidades africanas e brasileiras buscando compartilhar saberes e aprofundamento de teorias e metodologias. Encontrará nesta publicação trinta e cinco (35) trabalhos dentre artigos originais, poesias, contos e entrevistas. O compartilhamento de evidências por meio de publicações científicas contribui muito, ao minimizar a importância das fronteiras, e ao contribuir para a utilização de evidências na introdução de mudanças na sociedade global. Escrever é o meio muito importante para a comunicação do trabalho científico (Mengistu Asnake, Presidente da Federação Mundial das Associações de Saúde Pública, 2015). Os organizadores desda publicação incentivam a todos os pesquisadores, estudantes e docentes a compartilhar seus saberes por meio de publicações. Á todos uma boa leitura!
Acesse o link:
https://revistas.unilab.edu.br/index.php/njingaesape/issue/view/56
PNAB 2024: Edital Expressões Culturais dos Povos Indígenas, Quilombolas e Tradicionais de Santa Catarina tem inscrições abertas
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A Fundação Catarinense de Cultura (FCC) abre neste sábado, 9 de novembro de 2024, o período de inscrições para a quarta iniciativa no âmbito da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB): o Edital Expressões Culturais
dos Povos Indígenas, Quilombolas e Tradicionais de Santa Catarina. Interessados têm até as 23h59 de 2 de fevereiro de 2025 para se inscrever no link expressoesculturais.fepese.org.br, onde também está a íntegra do Edital.
O Edital vai premiar iniciativas culturais indígenas, quilombolas e de povos tradicionais com suas condições de existência e livre manifestação como forma de reconhecimento e valorização do protagonismo dos diferentes Povos no Estado de Santa Catarina, em pelo menos uma das seguintes áreas:
– Religiões, rituais e festas tradicionais;
– Músicas, cantos e danças;
– Línguas desses povos;
– Narrativas simbólicas, histórias e outras narrativas orais;
– Educação e processos próprios de transmissão de conhecimentos;
– Meio ambiente, territorialidade e sustentabilidade das culturas;
– Medicina destes povos;
– Alimentação dos povos: manejo, plantio e coleta de recursos naturais; e culinária.
– Jogos e brincadeiras;
– Arte, produção material e artesanato;
– Pinturas corporais, desenhos, grafismos e outras formas de expressão simbólica;
– Arquitetura destes povos;
– Memória e patrimônio: documentação; museus; e pesquisas aplicadas.
– Textos escritos destes povos;
– Dramatização e histórias encenadas;
– Produção audiovisual e fotografia;
– Outras formas de expressão próprias das culturas.
Poderão participar somente os Povos Indígenas, Quilombolas e Tradicionais do estado de Santa Catarina. Serão distribuídos R$ 3.150.000,00 divididos em 140 prêmios. Os recursos são oriundos do Governo Federal repassados por meio da Lei nº 14.399/2022 – Política Nacional Aldir Blanc, com operacionalização da FCC em Santa Catarina.
Dúvidas e informações referentes a este Edital poderão ser esclarecidas e/ou obtidas junto à FCC, por meio do endereço eletrônico expressoesculturais@fepese.org.br.
Live de leitura comentada
No dia 14 de novembro (quinta-feira), às 18h, será realizada live com a leitura comentada do texto do Edital. Proponentes e interessados poderão acompanhar pelo canal de vídeos da FCC no YouTube e enviar suas dúvidas pelo chat da transmissão.
Saiba mais buscando o site da FCC no link:
https://cultura.sc.gov.br/noticias/25165-pnab-2024-edital-expressoes-culturais
O Rio da minha aldeia está ficando verde – e fui investigar o motivo
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Na Terra Indígena Xipaya, o Rio Iriri sofre efeitos da mudança climática, com água esverdeada e morte de peixes; nós, Indígenas, vivemos um tempo de incertezas
Desde os tempos imemoráveis, meu povo – os Xipai – tem uma relação íntima com o Rio Iriri. É como parte da família. O Rio sempre foi Rio, e Xipai sempre foi Xipai. São corpos diferentes entrelaçados como um só.
Mas o Rio Iriri do tempo dos meus ancestrais, com águas cristalinas e tom marrom-escuro quando visto de cima, está mudando. No verão, mais seco, sua cor se converte em um verde intenso, inexplicável para a gente. Intrigado, decidi investigar o motivo.
Para contar essa história, eu precisava aguçar meus ouvidos e olhos. Precisava ouvir o Rio.
O Iriri é o maior Rio do município de Altamira, no sudoeste do Pará. Nasce na Serra do Cachimbo, no sul do estado, e de lá serpenteia, atravessando a Amazônia, até desaguar no Rio Xingu. Tem 900 quilômetros de extensão e em algumas partes chega a 2 quilômetros de largura. Na área chamada de Entre Rios, ele recebe as águas do Rio Curuá, lamacentas por conta do garimpo ilegal fora de nosso território, a Terra Indígena Xipaya. Nossa área é demarcada desde 2012 e nela vivem 197 pessoas. Há seis aldeias, três banhadas pelo Iriri e três pelo Curuá.
No leito do Iriri tem pedras de todos os formatos e tamanhos, e na estiagem do verão elas emergem das águas. Parece uma galeria de arte que, em vez de obras famosas, exibe pedras, mostrando a arte da própria Natureza.
Esta casa-Rio é lar de pessoas-floresta, pessoas-fungos, pessoas-plantas, pessoas-bactérias e pessoas-fitoplânctons. Eu precisei me silenciar para ouvir todas elas ao mesmo tempo, como uma enorme e poderosa orquestra. Só é possível falar do Rio Iriri se falar dos Iriris, povos-floresta e mais-que-humanos que vivem em sintonia com ele. Não apenas fazem parte do Rio Iriri, eles são Iriri.
Para contar a história desse Rio, fui ouvir o que todos eles me diziam. Pulei no Iriri na tentativa de me afogar. Meu corpo afundou como uma pedra em seu leito.
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