Funai lança Gramática Pedagógica da Língua Wapichana e reforça importância da preservação das línguas indígenas
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Após uma década de luta e dedicação, o povo indígena Wapichana, de Roraima, celebrou um momento histórico nesta terça-feira (24) com o lançamento da Gramática Pedagógica da Língua Wapichana. A iniciativa, promovida pelo Museu do Índio, órgão científico-cultural da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em parceria com professores e lideranças indígenas, representa a consolidação de anos de esforços para o reconhecimento e a preservação da língua.
A Gramática Pedagógica Wapichana foi construída para ser uma das frentes de fortalecimento e revitalização da língua Wapichana para que possa ser repassada às futuras gerações. Além disso, a iniciativa contribui com a educação nas escolas indígenas. O lançamento ocorreu na Comunidade Indígena Tabalascada, no município de Cantá (RR).
A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, celebrou a conquista. Ela lembrou que a autarquia tem como atribuição orientar a política indigenista para promover a defesa dos direitos indígenas. Sendo assim, buscar a consolidação e garantir a perpetuação das línguas indígenas é uma forma de assegurar que suas culturas, saberes e tradições sejam repassados e eternizados. Joenia também reforçou que proteger os direitos dos povos indígenas é uma obrigação conjunta dos governos Federal, estaduais e municipais.
“Estamos retornando os trabalhos para que a Funai seja mais presente nas comunidades e caminhe ao lado dos povos indígenas para que projetos iguais a esse não sejam apenas uma novidade, mas sejam mais frequentes. A gente vai buscar parcerias com as organizações indígenas e outros órgãos. Esse lançamento é uma porta para que outros trabalhos nessa linha sejam lançados”, afirmou a presidenta.
O lançamento é um marco importante para a educação indígena em Roraima, beneficiando diretamente os professores, alunos e demais comunidades indígenas da região. A gramática busca atender à heterogeneidade dos falantes, contribuindo para o fortalecimento da identidade e preservação cultural do povo Wapichana. Para a diretora do Museu do Índio, Fernanda Kaingáng, a iniciativa representa um importante incentivo à educação — ponto de partida para garantir a presença indígena nos espaços de poder.
“Estamos aqui celebrando o resultado de dez anos de trabalho de muitos professores, porque cultura viva é o que nos garante direito a território. A cada duas semanas desaparece uma língua no mundo, são línguas indígenas, são as nossas línguas. Então a gente quer parabenizar a força do movimento indígena e dos professores indígenas aqui de Roraima. Os alunos que estão aqui serão a presidência de amanhã, serão os parlamentares de amanhã, serão os coordenadores regionais de amanhã”, destacou a diretora.
A criação da gramática pedagógica atende a uma demanda por continuidade da formação de professores e ampliação dos materiais de apoio ao ensino da língua Wapichana. A iniciativa se soma a outros esforços de valorização e preservação da língua e cultura indígena no Brasil, num momento em que a educação e o fortalecimento identitário se mostram mais necessários do que nunca. A professora Wanja Sebastião participou da construção da gramática e comemorou o lançamento. Ela lembrou a contribuição fundamental de Wendy Wapichana, que faleceu em decorrência da covid-19.
“Chegamos a este momento, que é de gratidão e orgulho para nós, do povo indígena Wapichana. Nossa luta vem de longe, desde nossos ancestrais. Aqui, lembramos de todos os colegas que contribuíram para este trabalho e que não estão mais entre nós. Wendy Wapichana foi fundamental para este trabalho, participando das entrevistas, pesquisas e levantamentos em todas as comunidades. Hoje, ela não está conosco, mas sempre estará em nossa história e memória”, pontuou a professora.
Também participaram do evento a coordenadora regional da Funai em Roraima, Marizete de Souza; o coordenador e Tuxaua da comunidade, Cesar da Silva; os professores indígenas Benedita André da Silva, Nilzimara da Souza Silva, Thomas Pinto Isaac e Wanja Sebastião; a coordenadora-geral de Educação Escolar Indígena, Rosilene Tuxá; a coordenadora-geral da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC), Pierangela Nascimento; o secretário de educação do município do Cantá, Igor Rodrigues; a coordenadora estadual da Organização dos Professores Indígenas de Roraima, Marileia Teixeira; e o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima, Edinho Batista.
Confira a íntegra da Gramática Pedagógica da língua Wapichana.
Gramáticas Pedagógicas
A nova coleção de Gramáticas Pedagógicas em línguas indígenas foi produzida no contexto do Projeto de Documentação de Línguas Indígenas, desenvolvido desde 2008 por meio de uma parceria entre Funai/Museu do Índio e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e surge como uma ferramenta essencial para fortalecer o ensino e a aprendizagem das línguas originárias, ao mesmo tempo em que promove reflexões sobre as estruturas gramaticais e a importância política do uso contínuo de suas línguas maternas.
Assessoria de Comunicação/Funai
Leia a matéria na fpnte no link: https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2024/funai-lanca-gramatica-pedagogica-da-lingua-wapichana-e-reforca-importancia-da-preservacao-das-linguas-indigenas
Museu da Bahia receberá obras repatriadas de artistas negros
Por 21 de setembro de 2024
Desde os 7 anos, seu filho Celestino Gama passou ajudá-lo a dar acabamento nas obras. Ele também se tornou escultor e adotou o nome artístico de Louco Filho. Agora, obras suas e de seu pai estão entre as 750 peças de dezenas de artistas de Bahia, Pernambuco e Ceará que serão repatriadas a partir do ano que vem pelo Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador.
“São obras de diversos formatos, de diversas técnicas, então há uma diversidade muito grande”, diz a codiretora do Muncab, Jamile Coelho.
Trata-se da mais numerosa repatriação de obras brasileiras de que se tem notícia. Quase todas criadas por artistas negros em diálogo com a cultura afro-brasileira, as peças datam de um período que vai dos anos 1960 até o início do século 21. Elas incluem pinturas, esculturas, trajes, arte sacra e ritualização do sagrado.
Esse grande processo de repatriação começou graças a uma iniciativa de duas colecionadoras americanas: a historiadora de arte Marion Jackson e a artista plástica Barbara Cervenka, que desde 1992 adquiriram as obras em visitas periódicas à Bahia. A partir de 2019, as duas visitaram diversas instituições até escolherem o Muncab como destino para a devolução do acervo que montaram.
“Os artistas estão bem felizes. Seu José Adário, por exemplo, é um dos últimos artífices de paramentas e ferramentas para candomblé e orixás. Nesse acervo temos 17 obras dele, e em formatos que ele não produz mais”, explica Jamile Coelho. O artista de 77 anos fabrica portões, agogôs e ferramentas de santo há mais de seis décadas.
“Normalmente, os colecionadores só compram de artistas que já morreram. Eu achei fantástico que elas compraram muitas obras nossas, fizeram exposições e divulgaram a gente”, diz Raimundo Bida, autor de obras naïf que também serão repatriadas.
Ao longo das últimas três décadas, Marion e Barbara fizeram exposições nos Estados Unidos e no Canadá com o acervo que compraram dos artistas brasileiros.
“Elas frequentavam muito minha loja no Pelourinho. Várias vezes conversávamos, elas procuravam saber mais da gente”, conta a designer Goya Lopes, que terá duas peças repatriadas, sobre as constantes visitas das duas colecionadoras ao Centro Histórico de Salvador.
Movimento de repatriação de obras cresce no mundo
No último dia 12 de setembro, no Rio de Janeiro, uma cerimônia marcou a repatriação histórica do manto tupinambá ao Brasil após 335 anos. A peça, que estava em um museu na Dinamarca, retornou ao Brasil em julho, num momento em que diversos países do mundo exigem a devolução de peças levadas para Europa em um contexto imperialista.
“Repatriar, devolver esse material, tem a ver com o processo de reparação histórica que a colonização causou. Esse material foi roubado, foi pilhado, foi retirado dos seus locais como os próprios povos foram retirados e coisificados, transformados em mercadoria. Repatriar é um ganho político para quem devolve, e é uma reparação histórica dos povos que foram vilipendiados”, afirma o antropólogo Marlon Marcos, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
Em 2020, após o assassinato de George Floyd, um homem negro que foi cruelmente asfixiado por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos, as manifestações de protesto organizadas pelo movimento Black Lives Matter fizeram o debate sobre equidade racial impactar também em mercados econômicos.
No mercado das artes contemporâneas, o apelo dessas manifestações por reparação histórica sensibilizou museus e colecionadores pelo mundo a refletirem sobre a devolução de obras aos seus países de origem.
“Esses movimentos sempre existiram. Mas, agora, por conta do crescimento político e econômico das populações negras, essa denúncia e essa luta têm sido mais tête-à-tête. Foram construídas novas leituras de mundo que fazem com que os museus dos Estados Unidos e da Europa sintam uma certa vergonha”, explica Marcos.
Muncab planeja exposição com obras repatriadas
Apesar da documentação legal já ter sido assinada, a repatriação das 750 obras que virão para o Muncab não é imediata devido ao complexo processo de preservação do acervo. Uma equipe do museu irá a Detroit, nos Estados Unidos, estudar a melhor logística possível para o traslado até Salvador.
Mudanças bruscas de temperatura podem causar danos irreversíveis ao material, que deverá ser devidamente climatizado. Um estudo técnico vai definir se as peças virão em lotes. Para a repatriação, o Muncab tem a parceria do Instituto Ibirapitanga e do Con/Vida, organização dedicada à cultura, tradição e história das Américas fundada por Marion Jackson e Barbara Cervenka.
“A gente discute muito o processo de repatriação de obras que foram roubadas de seus países de origem. Mas essas obras vêm numa outra tratativa, com um olhar curatorial e sensível da Barbara e da Marian. Elas levaram as obras para os Estados Unidos e, também com um olhar sensível, perceberam a importância dessa devolução”, diz Jamile Coelho.
Quando as obras chegarem, o Muncab planeja abrir uma exposição com a presença dos artistas e das colecionadoras.
“Vai ser um momento mágico e fantástico, não só pra mim, mas pra todo mundo poder ver como era a efervescência cultural das décadas de 80 e 90 no Centro Histórico de Salvador”, comemora o artista plástico Raimundo Bida. “O que mais vai me emocionar é que os artistas que estarão expondo foram importantes para mim, e alguns já não estão mais aqui”, completa.
Aberto em 2011, capitaneado pelo poeta tropicalista Capinan, que teve ao seu lado nomes como o artista plástico Emanoel Araujo (1940-2022), o Muncab foi reaberto em novembro do ano passado, após três anos fechado, recebendo cerca de 150 mil visitantes nessa nova fase.
A intenção da direção do museu é também emprestar parte do material repatriado para instituições no Brasil e no mundo, para que as obras possam ser divulgadas e estudadas. “A arte negra brasileira não está nas escolas de arte. É fundamental que a gente levante esse debate sobre essa produção intelectual desses artistas que produziram obras magníficas e que ainda são qualificadas como arte popular”, diz Coelho.
Leia a matéria na fonte: https://www.dw.com/pt-br/museu-da-bahia-receber%C3%A1-obras-repatriadas-de-artistas-negros/a-70269427
Saiba mais puxando a rede IPOL:
. Visite o museu navegando em sua página: https://museuafrobrasileiro.com.br/
. Conheça o museu: https://pelourinhodiaenoite.salvador.ba.gov.br/museu-nacional-de-cultura-afro-brasileira-muncab/
. Acompanhe o Instagram do MUNCAB: https://www.instagram.com/muncab.oficial
Comissão aprova proposta que cria programa para preservar línguas dos povos indígenas
A Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3690/19, que obriga a administração pública a criar programa de preservação, recuperação e transmissão das línguas indígenas brasileiras. Já aprovado pelo Senado Federal, o texto altera a Lei Rouanet.
A proposta determina que documentos públicos solicitados pelos indígenas sejam fornecidos em português e no idioma nativo. O projeto também considera dialetos indígenas como bens de natureza imaterial do patrimônio cultural brasileiro.
Definições
Segundo o texto, a preservação se dará por meio da realização de inventários, registros, vigilância e tombamento, além de outras formas de manutenção de acervo. Já a recuperação ocorrerá pelo registro das línguas indígenas em vocabulários ortográficos e dicionários e sua codificação em gramáticas.
A transmissão, por sua vez, deverá ocorrer pela divulgação das línguas indígenas nas regiões em que são faladas nos canais públicos de comunicação, na sinalização urbana e rural, no serviço público comunitário e nos ensinos fundamental e médio, a título de disciplina curricular facultativa. Também deverá ser garantida a oferta de cursos para o ensino dessas línguas em escolas do ensino médio, sempre que houver o número necessário de alunos interessados
O parecer da relatora, deputada Juliana Cardoso (PT-SP), foi favorável ao projeto, apresentada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO).
“Ao incluir a preservação, recuperação e transmissão dessas línguas no âmbito das políticas públicas, o PL contribui para combater a extinção de idiomas que carregam conhecimentos ancestrais, tradições, e uma visão de mundo única”, avaliou a relatora.
Próximos passos
O projeto será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
Leia a matéria na fonte: https://ptnacamara.org.br/comissao-aprova-proposta-que-cria-programa-para-preservar-linguas-dos-povos-indigenas/
Linguicídio desconhece o “pretoguês”
Por EDELBERTO BEHS* em 08/09/2024
Diferente do idioma falado em Portugal, o português do Brasil, pela importante contribuição que recebeu de idiomas africanos trazidos pelos escravos, deveria se chamar “pretoguês”. A proposição é da antropóloga negra Lélia Gonzalez e vem corroborada pelo professor da Universidade Federal do Sul da Bahia, Gabriel Nascimento, em seu livro “Racismo Linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo” (Editora Letramento, 2019).
Uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, Lélia Gonzalez também descreveu a América Latina como “amefricana”, para dizer que, apesar do branqueamento, há muitas razões para descrever boa parte da América Latina como proveniente de uma intensa racialização.
O signo “negro” não é um conceito natural. Ele foi criado pela branquitude. “Ou seja, os negros africanos, antes de serem colonizados e sequestrados, não se chamavam como ‘negros’ ou reivindicavam para si a identidade ‘negra’ como ‘naturalmente’ deles”, escreve Nascimento.
Negros e indígenas foram e são vítimas de um “epistemicídio” traduzido num “linguicídio”. A filósofa e escritora Aparecida Sueli Carneiro define o “epistemicído” como o extermínio do conhecimento do outro. “É o formato pelo qual a colonialidade sequestra, subtrai tudo o que puder se apropriar a apaga os saberes e práticas dos povos originários e tradicionais”, explica a ativista diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra.
O epistemicídio também está relacionado ao linguicídio. Segundo Sueli, o combate às línguas já faladas pelos povos originários negros e indígenas figura como um dos primeiros atos do mito da brasilidade linguística. O professor alemão Wolf Dietrich, vinculado à Universidade Federal do Paraná, lembra que quase um século depois da chegada do europeu ao Brasil, índios e portugueses tinham como principal idioma de comunicação a Língua Geral, com base no tupi, língua falada pelos Tupinambás.
Foi o marquês de Pombal, com suas reformas, que implantou uma política que impediu o uso da Língua Geral como idioma de comunicação da população que vivia no Brasil. Nascimento pergunta por que, num país com mais de 180 línguas indígenas o português, além da Língua Brasileira de Sinais – Libras, é a única língua oficial do país?
“Assim, não se pode afirmar a língua como um lugar pacífico. A língua é um lugar de muitas dores para muitos de nós”, confessa Nascimento. O estudioso negro oriundo da Martinica, Frantz Fanon, entende a língua como uma marca de dominação e por onde também acontece a figura estruturante do racismo. Para Nascimento, “o racismo é produzido nas condições históricas, econômicas, culturais e políticas, e nelas se firmam, mas é a partir da língua que ele materializa suas formas de dominação”.
Para o filósofo, historiador e professor universitário camaronês Achille Mbembe, a negritude não é um conceito de autoidentificação dos negros, “mas uma imposição perversa” através de sinais, como a manutenção da visão da miséria relacionada a países da África, ou a piadas racistas e provérbios populares negativos.
O ocidente, frisa Nascimento, usou a linguagem para racializar sujeitos na América desde 1492 e como objeto para fortalecer os regimes colonialistas, nomeando e conceituando o mundo numa visão eurocêntrica. Assim, “o mundo ocidental produziu nos ‘outros’ os signos de dominação ao chamá-los de ‘raça’ ao passo que, ao criar essas definições, criou o branco, cristão, civilizado, heterossexual e burguês”, escreve o professor baiano.
Mas, continua, ao subjugar o negro, “o próprio branco se desumanizou, transformando-se, ele próprio, em animal, e assim invocando o esgotamento do próprio projeto do humanismo”, levando, inclusive, a sistemas perverso, como é o caso do fascismo.
Recorrendo ao poeta, dramaturgo e político da negritude, Aimé Fernand David Césaire, o professor Nascimento constata que o racismo cria suas marcas também na branquitude. “Um Hitler, um Trump ou um Bolsonaro não nascem à toa. Antes do fascismo, o racismo é a condição estruturante que permite que, nessas sociedades, tanto o colonizador quanto o colonizado enfrentem os fantasmas da raça criados pelo colonizador”.
*Edelberto Behs é Jornalista, Coordenador do Curso de Jornalismo da Unisinos durante o período de 2003 a 2020. Foi editor assistente de Geral no Diário do Sul, de Porto Alegre, assessor de imprensa da IECLB, assessor de imprensa do Consulado Geral da República Federal da Alemanha, em Porto Alegre, e editor do serviço em português da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC).
Ilustração da capa: Paula P. Rezende.
Leia diretamente na fonte: https://red.org.br/noticia/linguicidio-desconhece-o-pretogues/
Curso na Unesc quer manter viva a língua guarani, um dos idiomas mais falados no Mercosul
Uma das marcas que constituem a identidade cultural de uma nação é o idioma falado por seus membros. O Brasil, colonizado por Portugal, é conhecido pelo senso comum como um país monolíngue, em que o único idioma falado é o português. Enquanto isso, no Paraguai e na Bolívia, o Tupi-guarani é uma das línguas oficiais, e está entre as mais importantes da América Latina. Para tentar manter vivo esse idioma, a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) lançou o curso de Introdução à Língua e à Cultura Guarani.
O Brasil é o país que possui a maior população guarani entre os países sul-americanos e, ainda assim, não reconheceu a língua indígena como parte do seu repertório oficial. Jacaré, paçoca, piranha, sabiá – essas são algumas das diversas palavras presentes no vocabulário dos brasileiros que derivam de uma língua que possui raízes antigas: o Tupi-guarani. Quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral desembarcou na costa brasileira, o país ainda se chamava Pindorama, nome que em tupi significa “terra/região/lugar das palmeiras”.
Indicadores do censo demográfico de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstram que o país possui cerca de 1,7 milhão de indígenas situados em mais de 4,8 mil municípios do território brasileiro, sendo que a maior parte reside na região Norte do país. No ranking dos estados com maior população indígena, Santa Catarina se encontra na 17ª posição, com mais de 21,5 mil nativos. Essa população é composta por três povos distintos: os Kaingang, os Laklãnõ/Xokleng e os Guarani. Deste último grupo, estima-se que existam cerca de 2 mil membros nas terras catarinenses.
Formado em arqueologia e história, o professor da Unesc Juliano Bitencourt Campos conta que desde a graduação teve contato com temáticas indígenas. Atualmente, o foco é a pesquisa sobre ocupação dos povos originários. Foi ele quem orientou o aluno Fabiano Alves (ou Kárai, nome em Guarani), primeiro indígena a se formar na Unesc pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA). O professor explica que Fabiano faz parte da etnia Guarani Mbyá, caracterizada principalmente pelo dialeto falado por seus membros.
“É importante entendermos que o Brasil tem 274 línguas com dialetos diferentes, e essas línguas são divididas por troncos linguísticos. O guarani, que dentro da língua há a divisão dos dialetos – Mbya, Nhandewa e o Kaiowa – é do tronco linguístico tupi. Os Laklãnõ/Xokleng e os Kaingang, também presentes aqui em SC, não são do tronco tupi, eles são do tronco Macro-jê, da língua Jê. Essas duas línguas (Guarani e Jê) são divididas por troncos linguísticos”, explica. Juliano utiliza um comparativo para entender melhor essa diferenciação: o caso do português e do espanhol, que são línguas parecidas e provém do mesmo tronco, enquanto o alemão e o holandês são de uma outra divisão, ainda que ambos pertençam ao mesmo tronco.
Essas definições não apenas diferem os grupos linguísticos, mas também outras características dos povos originários. “Os Tupi-guarani e os Tupinambás são do mesmo tronco linguístico. Lá pelo ano 1500, no Brasil, os franceses ficaram na região entre Salvador e Rio de Janeiro, mais ao norte do país, enquanto os portugueses ficaram mais na região onde fica o estado de São Paulo. Os portugueses encontraram os tupi-guarani e os franceses os tupinambás. Na história, os tupinambás são mais aguerridos, mais fortes, eles confrontavam e iam à guerra. E, então, os franceses não conseguiram fazer aqueles processos de invasão que os portugueses fizeram, porque os portugueses encontraram os tupi-guarani: mais dóceis, que são de articular, de negociar”, pontua Juliano.
A professora Normélia Ondina Lalau de Farias é coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da Unesc, que foi fundado há 18 anos. Para ela, a luta de resistência à dominação portuguesa contribuiu para a criação de novos dialetos no país. “Nós temos a chegada dos povos africanos, a formação dos quilombos e tivemos um reforço no sentido de união desses povos, que vieram da diáspora africana, mais os povos originários. Viviam nos quilombos harmonicamente os indígenas, os negros e alguns europeus que não concordavam com o sistema escravocrata. Por isso, eles tinham que encontrar uma forma de se comunicarem, então em alguns momentos, dialetos africanos se sobressaíram. A linguagem guarani, também aliada à questão do português de Portugal, traz a riqueza do nosso vocabulário, em que usamos muitas expressões que são do guarani, outras que são de origem africana mesclada ao português”, expõe Normélia.
Indígenas no ensino superior
O Programa de Equidade Racial da Unesc, lançado em 2022, busca ampliar o acesso às bolsas de estudos para cursos de graduação, contempla estudantes negros (pretos e pardos) e indígenas. Normélia comenta que esse programa foi a porta de entrada para os indígenas da região ao curso superior. “A Unesc conta hoje com 12 alunos indígenas, em diversos cursos da universidade, que não são aldeados (estão fora da aldeia). Em 2019, teve a chegada do estudante Fabiano Alves, que faz parte da aldeia de Imaruí (Tekoá Marangatu) e que foi contemplado com uma bolsa por meio do programa, possibilitando a ele fazer seu mestrado em Ciências Ambientais”. Fabiano foi o primeiro mestre indígena formado pela Unesc, e no início de julho desse ano, publicou seu primeiro artigo em revista especializada sobre o modo de vida Guarani na terra indígena Tekoá marangatu, em Imaruí.
Neste ano, o Neabi apresentou o “6º Abril Indígena – Aldear a Universidade para a Justiça Social”, uma jornada acadêmica organizada em parceria com o curso de História, que contou com uma extensa programação de atividades, como a exposição de autores indígenas, seminários com acadêmicos e rodas de conversa. Nesta edição, também ocorreu o lançamento do livro ‘Oboré: quando a terra fala’, uma coletânea de sete autores das etnias indígenas Xacriabá, Fulni-ô, Tapuia, Tukano, Laklãnõ/Xokleng, Kaingang e Guarani, que dá voz à arte e à cultura ancestral dos povos originários. Alguns exemplares podem ser encontrados na Biblioteca Central Professor Eurico Back, da Unesc.
A escritora Martha Batista de Lima foi a responsável por reunir os textos. Já na apresentação do livro, ela evidencia as injustiças enfrentadas pelos povos indígenas nos últimos séculos: “Foram necessários quinhentos anos para que os povos originários tivessem direito a uma relativa cidadania nesta nação hoje chamada Brasil. Foram muitas lutas para haver o reconhecimento do direito aos seus territórios na Constituição brasileira de 1988”. Oboré, nome que dá título à obra, é um instrumento de sopro que os tupinambás ancestrais utilizavam para chamar seu povo quando era necessário fazer uma comunicação, um pacto ou proposição a todos da aldeia. Quando o líder tocava, os membros se reuniam para ouvir o que ele tinha a dizer. Com os textos selecionados, Martha reúne diferentes vozes de lideranças indígenas dos quatro cantos do país. Uma contribuição para que essas e outras histórias, por muitas vezes apagadas e esquecidas, sejam preservadas.
Arte em grafite na parede da Escola Indígena de Ensino Fundamental Tekoá Marangatu evidencia a relação dos povos originários com o mundo moderno, ainda que busque preservar a sua cultura. (Crédito: EIEB Tekoá Marangatu/Arquivo)
Mantendo a cultura viva
Com o propósito de ampliar a compreensão sobre a riqueza cultural dos guaranis, e de estreitar os laços entre os indígenas e os não-indígenas, a Escola de Idiomas da Unesc lançou, esse ano, o curso de Introdução à Língua e à Cultura Guarani.
Segundo a assessora pedagógica da Escola de Idiomas da Unesc, Dayane Cortez, as aulas devem começar ainda este ano, assim que completar a primeira turma. Até agora, os alunos matriculados para o curso são, em sua maioria, não-indígenas. Os principais interessados são acadêmicos dos cursos de licenciatura, mestrandos das linhas de pesquisa de antropologia e história, além de professores da própria universidade.
Dayane cita que a Unesc prevê, dentro das políticas de educação, o contato dos alunos com a história e a cultura afro-brasileira e indígena. “Nosso quadro da Escola de Idiomas conta com o professor Luís Alberto González Rolón, que tem formação em Letras e nasceu no Paraguai. As primeiras línguas dele são o guarani e o espanhol. Dentro da programação do curso, está previsto a participação de indígenas da região que já nos acompanham ou têm algum contato com a universidade”, comenta a assessora.
Professor nos cursos de história, geografia e biologia, Juliano Bitencourt leciona disciplinas que dialogam com os povos originários. Para ele, a presença do curso sobre o tupi-guarani na cartela de idiomas da Unesc promove inclusão e diversidade. “Colabora na compreensão de outras culturas como é o caso desse tronco linguístico, representado pelo tupi. A universidade, fazendo isso, dá sinais para a comunidade interna e externa que ela se preocupa com a diversidade”, comenta. “Isso é o ponto chave: a diversidade do outro. Isso pode colaborar na compreensão, pode estar criando grupos de pessoas que têm uma sensibilidade, uma percepção para criar também políticas voltadas para essas populações que ficam à margem da sociedade”, conclui.
Por que o Brasil não tem o guarani como língua oficial?
Para compreender melhor o porquê de o guarani ser reconhecido como idioma oficial no Paraguai e na Bolívia, mas não no Brasil, o professor recorre à história da colonização. “Há uma complexidade na questão. Em 1820, o governo brasileiro fez uma política para trazer as pessoas da Europa, para ‘branquear’ o território e ocupar os espaços ‘vazios’. Aqui para eles era vazio, apesar de existir açorianos e muitos Laklãnõ/Xokleng. Eles queriam ocupar espaços para não acontecer o que acabou acontecendo no Paraguai, que tem línguas-mães indígenas. A população do Paraguai é quase 90% indígena”, explica. “O Brasil foi dominado por Portugal, e os outros países foram pela Espanha, que fez uma política de não colonizar, mas sim de tirar tudo que tinha de proveito. No Brasil, os indígenas foram perdendo seus espaços, foram colonizados, assassinados”, completa.
“Aqui na região, por volta de 1900, os gestores contratavam pessoas para exterminar os indígenas, chamados de bugreiros. A mesma coisa que aconteceu com os bandeirantes, pessoas que entravam no interior para matar os indígenas ou pegar para escravos. No Brasil tivemos essa política de higienização étnica. Por isso o Brasil é diferente”, ressalta Juliano. O professor ainda defende que esse é um dos motivos pelos quais quem ocupa espaços nas universidades e no poder, não são os indígenas. “No primeiro governo de Getúlio Vargas (1930), ele fez isso também: um processo de proibir línguas. Ele exigiu que a única língua fosse o português, tanto que os colonos italianos e alemães também sofreram, porque não podiam falar na sua língua materna, e os indígenas sofreram mais ainda”, enfatiza.
A palavra “guarani”, na língua dos povos originários, significa guerreiro indomável ou povo livre como tempestade. Atualmente, o guarani é a língua oficial do Paraguai (ao lado do castelhano), é uma das três línguas oficiais para o trabalho no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), e língua co-oficial do município de Tacuru, no Mato Grosso do Sul.
Inscrições abertas
A Escola de Idiomas da Unesc está com as inscrições abertas para o curso de Guarani. As aulas têm foco na fala, compreensão, leitura e escrita da língua, além de trabalhar o contato com a cultura indígena. Para mais informações, os interessados podem mandar uma mensagem pelo WhatsApp da escola no número (48) 3431-4533. Para atendimento presencial, a Secretaria da Escola de Idiomas localiza-se na Unesc, no Bloco L, Sala 2, e o horário de atendimento é das 13h às 17h e das 18h às 22h.
Fonte: AgeCom Unesc.
Leia diretamente na fonte: https://www.diplomaciabusiness.com/curso-na-unesc-quer-manter-viva-a-lingua-guarani-um-dos-idiomas-mais-falados-no-mercosul/
Inventário da Língua Polonesa/Polaca do Brasil
O IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, em parceria com falantes e instituições e lideranças que representam comunidades polonesas, e com o apoio do IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional realizará o Inventário da Língua Polonesa/Polaca do Brasil. A pesquisadora e coordenadora de pesquisa de campo do Inventário, Myrna Mendes Iachinski estará participando de uma conversa via meet para falar da pesquisa. No dia 21/08/2024 às 20h.
Tendo interesse em participar solicite o link via e-mail myrnaestell@gmail.com