Entrevistas

Vozes do Multilinguismo: Dra. Rosângela Morello (IPOL) | Parte 2

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Entrevista com Dra. Rosângela Morello (IPOL) | Parte 2

Por Leonardo Alves Caroline Schirmer Götz

 

O multilinguismo é um fenômeno complexo, atravessado por dinâmicas históricas, políticas e sociais que determinam o status, a circulação e a valorização das línguas em diferentes contextos. Nesta série de entrevistas, membros do GT Geopolíticas do Multilinguismo se revezam para dialogar com especialistas de diversas áreas, explorando as interseções do multilinguismo com tradução, direitos linguísticos, mediação intercultural, migrações, internacionalização, informação e comunicação, ensino de línguas, entre outros temas.

O objetivo é reunir diferentes perspectivas sobre as políticas linguísticas, os desafios da preservação e revitalização de línguas, as relações entre idiomas em espaços de fronteira e a influência de fatores geopolíticos na organização do multilinguismo. A partir dessas conversas, buscamos ampliar o debate e fomentar reflexões críticas sobre os modos como as línguas circulam e se transformam no mundo contemporâneo.

Nesta edição, entrevistamos Rosângela Morello, Doutora e Mestre em Linguística pela Unicamp, com doutorado-sanduíche na Universidade Paris VII. Licenciada em Língua e Literatura Portuguesa, é diretora do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Políticas Linguísticas (IPOL) e vice-líder do Grupo de Pesquisa CNPq: Observatório de Políticas Linguísticas. Representa o IPOL no Grupo de Trabalho Nacional para a Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) da UNESCO. Atua em políticas linguísticas e educacionais, mapeamento de línguas, diagnósticos sociolinguísticos e coordena projetos voltados à valorização de línguas indígenas, de imigração e de fronteira.

A questão das fronteiras é particularmente sensível na geopolítica brasileira, considerando que o país possui a terceira maior linha de fronteira terrestre do mundo, atrás apenas da Rússia e da China. São 16.886 quilômetros que separam o Brasil de dez países sul-americanos – apenas Equador e Chile não são limítrofes. Essa faixa de fronteira, com 150 km de extensão a partir da linha limítrofe, abrange 27% do território nacional e inclui 588 municípios distribuídos por 11 estados em três regiões (Sul, Centro-Oeste e Norte). Desses municípios, 122 são diretamente limítrofes e 32 constituem cidades-gêmeas, isto é, compartilham fronteira seca ou fluvial e, por isso, apresentam grande potencial de integração econômica, cultural e linguística.

Essas regiões são profundamente multilíngues e multiculturais. Nelas convivem as línguas oficiais dos países vizinhos (espanhol, guarani, quéchua, aimará, inglês e francês), além de diversas línguas indígenas, línguas alóctones e formas híbridas resultantes do contato linguístico, como o Galibi Marworno, o Karipuna do Norte, o Palikur (falado no Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa) e o chamado “portunhol” nas áreas fronteiriças com países hispano-falantes.

Nesse contexto, entendemos o multilinguismo transfronteiriço como um campo privilegiado para o desenvolvimento de políticas linguísticas conjuntas e multilaterais, que reconheçam e valorizem essas línguas – em especial, o português e o espanhol como línguas de comunicação internacional e de integração regional. Foi com esse espírito que surgiram iniciativas como o Programa das Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira (PEIBF) e o Observatório da Educação na Fronteira (OBEDF), ambos com participação ativa do IPOL. O PEIBF teve um papel pioneiro, sendo a primeira iniciativa educativa multilateral com gestão compartilhada pelos países do MERCOSUL.

Pelo Tratado de Assunção que criou o MERCOSUL em 1991, o português e o espanhol foram declarados línguas oficiais do bloco, prevendo “a necessidade de difundir a aprendizagem do português e do espanhol através dos seus sistemas educativos formais e informais” (Programa das Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira, Modelo de Ensino Comum, MEC/Brasil, p. 02), O Plano de Ação do Setor para 2001-2005, assinado em Assunção, Paraguai, aprofundou a compreensão da educação como “espaço cultural para o fortalecimento de uma consciência favorável à integração, que valorize a diversidade e reconheça a importância dos códigos linguísticos e culturais“ (Programa das Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira, Modelo de Ensino Comum, MEC/Brasil, p. 02). A Declaração Conjunta de Brasília, 2003, assinada por Brasil e Argentina, coroou esse processo, estabelecendo um conjunto de ações em ambos os países.

Em 2004, em Buenos Aires, uma nova Declaração Conjunta referendou os passos dados avançando no estabelecimento do Convênio de Cooperação Educativa entre esses dois países, no âmbito do qual foi formulada a proposta de construção de um Modelo de Ensino Comum em Escolas de Zona de Fronteira, a partir do desenvolvimento de um Programa para a Educação Intercultural com ênfase no ensino do Português e do Espanhol. Essa proposta foi apresentada e aprovada na XXVI Reunião de Ministros de Educação do MERCOSUL, Bolívia e Chile realizada em Buenos Aires, em 10 de junho de 2004, marcando o início do Programa das Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira (PEIBF) a partir de um acordo bilateral entre Brasil e Argentina[1]. Em 2008, Uruguai, Paraguai e Venezuela aderem ao PEIBF, que entra para o Setor Educacional do Mercosul (SEM-MERCOSUL).

O programa propôs a construção de um modelo comum de educação bilíngue português-espanhol, com base em diagnósticos sociolinguísticos realizados nas fronteiras. As escolas parceiras foram selecionadas para desenvolver projetos pedagógicos específicos, centrados em abordagens político-pedagógicas próprias. Entre suas inovações, destacam-se o intercâmbio de docentes entre escolas de países vizinhos, o planejamento didático conjunto, a utilização de projetos de pesquisa como eixo formativo e a atuação de assessores especializados que acompanhavam continuamente os docentes.

Os encontros mensais de assessores com os professores e diretores nas escolas para o planejamento conjunto dos projetos, os seminários regionais semestrais e os multilaterais garantiam uma formação continuada em locus e um diálogo constante entre as equipes, dirimindo dúvidas e dando encaminhamentos acordados. Os projetos de ensino via-pesquisa estruturavam abordagens procedimentais e conteudísticas conduzindo a um currículo pós-feito.A gestão institucional do programa era compartilhada pelos Ministérios e Secretarias dos países, comandada por equipes nomeadas para tal[2]. O IPOL foi parte da equipe brasileira de 2004 a 2010.

A principal inovação do PEIBF foi reconhecer e valorizar os conhecimentos linguísticos e culturais de alunos e professores, bem como os modos de vida nas regiões de fronteira, transformando-os em recursos pedagógicos e agentes do processo educativo. O sucesso da iniciativa levou à sua expansão: em 2010, já envolvia sete países e 28 escolas de educação fundamental em fronteiras com países hispano-falantes. No caso da fronteira com o Paraguai, o fato de a língua Guarani ser oficial do Estado paraguaio fez com que essa língua fosse também contemplada nas ações pedagógicas das escolas na fronteira do Brasil com esse país.

Em 2012, no Brasil, o Programa passou a ser regulamentado pela Portaria nº 789, de 19 de junho de 2012[3], que então remodelou o seu funcionamento, designando-o como Programa das Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF), com exclusão do foco nas línguas. A partir de 2016 o Programa foi extinto pelo Governo Brasileiro, conforme consta em um texto de minha autoria com o professor Gilvan Müller de Oliveira (2019).

Nesse texto, Gilvan e eu apresentamos detalhes sobre o PEIBF/PEIF, e convido a todos a acessá-lo aqui. Retomando um dos argumentos deste trabalho, o PEIBF inovou nas práticas educativas, mobilizando de forma significativa as equipes escolares, incluindo os gestores. No entanto, para garantir sua continuidade, seria necessário promover mudanças nas diretrizes de ensino no Brasil, de modo a incorporar e viabilizar o multilinguismo de forma efetiva.

Com esse objetivo, em 2010 foi encaminhada ao Conselho Nacional de Educação uma proposta para a criação de diretrizes que assegurassem o ensino multilíngue até o nível médio. Infelizmente, essa iniciativa não avançou. Em vez disso, houve um processo de retração, e o Programa foi rigidamente atrelado a uma estrutura educacional de base monolinguista e nacionalista.

As mudanças geopolíticas na América Latina, marcadas pelo retorno de governos de direita e pela adoção de políticas neoliberais, comprometeram ainda mais a base ideológica da integração regional, o que afetou diretamente projetos de cooperação fronteiriça e linguística, como era o caso do PEIBF/PEIF.

Se, por um lado, a trajetória de sucesso seguida pela desmobilização do PEIBF/PEIF revela a frágil institucionalização das políticas linguísticas para a educação no Brasil e na região, por outro, os dez anos de prática de um bilinguismo intercultural cooperativo nas fronteiras deixaram um legado técnico e político de enorme importância para o futuro do bilinguismo português-espanhol.

Prova disso é o crescente interesse de pesquisadores e universidades brasileiras em temas linguísticos e culturais relacionados às fronteiras, bem como o surgimento de projetos interculturais na fronteira entre Espanha e Portugal, desenvolvidos a partir da experiência latino-americana e impulsionados pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI).

Participar da Cátedra UNESCO em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo é um marco na trajetória do IPOL. A Cátedra reúne pesquisadores de 25 instituições de ensino e centros de pesquisa de diferentes partes do mundo – como Indonésia, Índia, Rússia, África do Sul, Brasil, entre outros – com o objetivo de compartilhar pesquisas em andamento, novos projetos, publicações e eventos. Também há a possibilidade de mobilidade acadêmica, permitindo que pesquisadores realizem viagens de curta duração para atividades nas instituições envolvidas.

Sobre essas mobilidades, destaco que, entre julho e agosto de 2022, tivemos a honra de receber, em parceria com a UFSC, a professora Dra. Umarani Pappuswamy, do Central Institute of Indian Languages, de Mysuru, Índia. Durante sua estada no Brasil, ela desenvolveu atividades em várias universidades e nos brindou com palestras no IPOL, sobre os Processos de produção de escrita para línguas indígenas no âmbito da Educação Bilíngue na Índia, e na UFSC, com a temática Translation Studies and Linguistics in Multilingual India. Mais recentemente, entre outubro e novembro de 2024, recebemos o professor Dr. José Antonio Flores Farfán, do Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), que realizou uma palestra e uma exposição de materiais em línguas indígenas mexicanas.

Esses intercâmbios têm sido extremamente enriquecedores, pois são momentos de intenso aprendizado, em que compartilhamos desafios, conhecemos experiências de outras partes do mundo e abrimos novas possibilidades de parcerias e projetos conjuntos. Ainda, aprofundamos as relações de trabalho, ampliamos nosso campo de conhecimento e fortalecemos sinergias fundamentais para impulsionar novas ações em políticas linguísticas, a exemplo da organização do II Encontro Nacional de Municípios Plurilíngues (II ENMP), realizada em parceria entre o Grupo de Trabalho de Geopolítica da Cátedra e o IPOL. Essa atuação conjunta tem sido essencial, especialmente em um momento em que o IPOL enfrenta restrições de tempo e recursos, tornando essa colaboração ainda mais valiosa para nós.

De modo geral, as políticas linguísticas desenvolvidas no Brasil, muitas vezes com a participação direta do IPOL, têm se destacado como iniciativas inovadoras. Por isso, é cada vez mais comum sermos convidados a compartilhar essas experiências em eventos científicos e fóruns multilaterais ao redor do mundo. Pode parecer pouco, mas são as ideias que fazem as revoluções, não é? Acreditamos que, mesmo aos poucos, vamos realizando microrrevoluções. A Cátedra UNESCO é, em essência, um grande caldeirão de ideias – assim como o IPOL também é. Gosto de pensar que nos inspiramos mutuamente.

O Brasil é um país que ainda carece de informações sistematizadas sobre as línguas faladas por seus cidadãos e cidadãs. Diferentemente de muitos outros países, os censos nacionais brasileiros não incluem pesquisas abrangentes sobre as línguas. Em 2010 e 2022, a investigação realizada pelo IBGE limitou-se àqueles que se declararam indígenas, o que representa menos de 2% da população. Dessa forma, todas as demais comunidades linguísticas foram apagadas dessa importante radiografia social, tão necessária para o planejamento de políticas públicas.

Historicamente, as únicas contagens de falantes de línguas diferentes do português ocorreram nos censos de 1940 e 1950, com foco específico na identificação de falantes de alemão e italiano no sul do país, vistos à época como ameaça à segurança nacional. Esse contexto de repressão, somado à violência histórica contra falantes de línguas indígenas e africanas, moldou a memória social brasileira, deixando marcas profundas de insegurança linguística – tanto entre os falantes, que tendem a desqualificar suas próprias línguas e seu domínio do português, quanto entre gestores públicos, que muitas vezes não sabem como lidar com a gestão de políticas multilíngues.

Há, ainda, um desconhecimento mais profundo: uma interdição da memória, na qual eventos e sentidos silenciados deixam de ser acessíveis, como se houvesse uma espécie de amnésia coletiva que, embora invisibilizada, continua produzindo preconceitos e justificando violências.

Assim, qualquer mapeamento linguístico no Brasil é, necessariamente, uma ação sobre essa memória histórica. Ainda que o resultado final de um mapeamento possa parecer apenas uma “contagem”, o processo exige uma abordagem sensível, que reconheça os silêncios, as lacunas e as dificuldades que muitas pessoas têm em falar sobre sua própria história linguística. Em uma entrevista não seria possível aprofundar o entrelaçamento histórico e subjetivo desse processo. Essa perspectiva define o modo como concebemos os mapeamentos no IPOL, sejam eles no formato de censos – como os realizados de forma pioneira em Santa Maria de Jetibá (ES) e em Antônio Carlos (SC) –, de diagnósticos sociolinguísticos, que aprofundam as investigações por meio de grupos focais, ou de inventários linguísticos, sobre os quais já falei anteriormente. Nossa metodologia valoriza a autodefinição, presta atenção às nuances na fala dos participantes e entende que cada instrumento de coleta é, ao mesmo tempo, uma ferramenta técnica e uma ação política.

Quando conduzimos os diagnósticos para a instalação do Programa das Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira (PEIBF) ou para o Observatório da Educação na Fronteira (OBEDF), percebemos mudanças de posicionamento nas pessoas ainda durante o processo da pesquisa. Essa transformação é, em si, profundamente política.

Em pesquisas de maior escala, reconhecemos que há condicionantes – de tempo, de recursos – que exigem uma certa objetividade nas perguntas. Porém, é fundamental formar os pesquisadores para compreenderem as condições históricas que atravessam a interação com os entrevistados e, sobretudo, incluir todos os cidadãos e cidadãs no processo, reconhecendo o plurilinguismo não como ameaça ou problema, mas como recurso: uma potência para novas formas de vida, de relação e de conhecimento.

Sobre quais aspectos dessas metodologias poderiam servir de modelo para outros países, acredito que isso depende muito dos objetivos específicos de cada contexto. No entanto, considero que a visão sensível à história social das línguas e de seus falantes possa ser uma inspiração positiva e necessária em qualquer lugar.

Quanto à contribuição dos mapeamentos para políticas públicas mais inclusivas e eficazes, é exatamente para isso que trabalhamos no IPOL. Reconheço, contudo, que esse caminho ainda é percorrido lentamente. Ainda se repetem políticas linguísticas que não alcançaram os objetivos pretendidos e que mereceriam ser reavaliadas a partir de diagnósticos atualizados. Investir em mapeamentos e diagnósticos linguísticos parece ser um passo imprescindível para qualificarmos de fato nossas políticas públicas.


[1] Para as tratativas, fundamentos e diretrizes desse Programa, ver o documento PROGRAMA ESCUELAS INTERCULTURALES BILÍNGÜES DE FRONTERA (PEBF) “Modelo de enseñanza común en escuelas de zona de frontera a partir del desarrollo de un programa para la educación intercultural, con énfasis en la enseñanza del portugués y el español”. MEC. Brasil. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Escolafronteiras/doc_final.pdf.

[2] Para detalhes, ver o documento “Princípios Teóricos e Pedagógicos e Orientações Metodológicas para Projetos de Ensino em Escolas de Fronteira e para a Formação de Professores”, OEI, 2019.

[3] Portaria nº 798, de 19 de junho de 2012. Institui o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, que visa a promover a integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jun. 2012. p. 30.

Confira a Parte 1 da entrevista aqui.

 

 

Acesse o link: https://geomultling.ufsc.br/vozes-do-multilinguismo-dra-rosangela-morello-ipol-parte-2/#_ftn1

 

 

Vozes do Multilinguismo: Dra. Rosângela Morello (IPOL) | Parte 1

Por Leonardo Alves e Caroline Schirmer Götz

O multilinguismo é um fenômeno complexo, atravessado por dinâmicas históricas, políticas e sociais que determinam o status, a circulação e a valorização das línguas em diferentes contextos. Nesta série de entrevistas, membros do GT Geopolíticas do Multilinguismo se revezam para dialogar com especialistas de diversas áreas, explorando as interseções do multilinguismo com tradução, direitos linguísticos, mediação intercultural, migrações, internacionalização, informação e comunicação, ensino de línguas, entre outros temas.

O objetivo é reunir diferentes perspectivas sobre as políticas linguísticas, os desafios da preservação e revitalização de línguas, as relações entre idiomas em espaços de fronteira e a influência de fatores geopolíticos na organização do multilinguismo. A partir dessas conversas, buscamos ampliar o debate e fomentar reflexões críticas sobre os modos como as línguas circulam e se transformam no mundo contemporâneo.

Nesta edição, entrevistamos Rosângela Morello, Doutora e Mestre em Linguística pela Unicamp, com doutorado-sanduíche na Universidade Paris VII. Licenciada em Língua e Literatura Portuguesa, é diretora do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Políticas Linguísticas (IPOL) e vice-líder do Grupo de Pesquisa CNPq: Observatório de Políticas Linguísticas. Representa o IPOL no Grupo de Trabalho Nacional para a Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) da UNESCO. Atua em políticas linguísticas e educacionais, mapeamento de línguas, diagnósticos sociolinguísticos e coordena projetos voltados à valorização de línguas indígenas, de imigração e de fronteira.

Fonte: GT Geopolíticas do Multilinguismo.

Para além de uma “influência”, considero mais apropriado pensar em confrontos de ideias e deslocamentos de conhecimento que se produzem de forma dialética, pois é dessa maneira que tenho experienciado o trabalho com políticas linguísticas. Ao longo do meu percurso acadêmico, conceber programas e projetos em prol das línguas e de seus falantes no Brasil passou a ser, simultaneamente, parte da minha formação e atuação. Contribuir na área de políticas linguísticas, especialmente no âmbito do IPOL, significa imaginar e formular políticas enquanto, ao mesmo tempo, se trabalha para sua implementação. Reduzir a política linguística à “aplicação” de algo – como uma lei, por exemplo – é limitar-se aos aspectos pragmáticos de execução, quando, na verdade, a criação de uma nova política exige articular conhecimentos de diferentes áreas para fundamentar demandas e viabilizar ações do Estado. Esse processo é profundamente formativo e, por vezes, disruptivo.

Essa disrupção e a interdisciplinaridade também fazem parte da minha trajetória profissional, no âmbito da política linguística que, enquanto campo de decisões sobre as línguas, é um tema relativamente recente no Brasil, ganhando visibilidade nos anos 1990, a partir dos debates sobre repressão linguística e o monolinguismo do Estado brasileiro – discussões impulsionadas especialmente pelo professor Gilvan Müller de Oliveira, que trouxe à tona essa problemática ao articulá-la com pesquisas desenvolvidas em outras partes do mundo, sobretudo com base nos estudos de Louis-Jean Calvet. A inserção da política linguística como disciplina nos currículos universitários, no entanto, só ocorreria mais tarde, a partir dos anos 2000, o que acarretou uma impossibilidade de formação acadêmica nessa área para minha geração.

Apesar disso, vivíamos um momento de intensa politização em torno da língua portuguesa, suas variedades e processos de normatização no Brasil. Esses debates atravessavam o ensino de língua nas escolas e geravam inúmeras inquietações. Foi nesse ambiente que comecei minha trajetória: enquanto cursava Letras em Colatina (ES), lecionava Língua Portuguesa e Matemática em uma escola rural, vivenciando de perto essas tensões.

Após concluir a graduação, passei a frequentar disciplinas como aluna especial no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL/Unicamp) e fui selecionada para o curso de especialização A Trama da Linguagem na Escola, ministrado por docentes dessa instituição. Em seguida, ingressei no programa de Pós-graduação em Linguística.

O ambiente acadêmico fervilhava com programas e projetos de pesquisa sobre português brasileiro versus europeu, norma escrita, história e contato de línguas, discursos e ideologias, filosofia da linguagem, literaturas, entre outros temas. Além disso, os Seminários de Pesquisa do Laboratório de Estudos Urbanos (LABEURB), coordenado na época pela professora Eni Orlandi, proporcionavam um espaço de intensos debates. Nesse contexto, desenvolvi pesquisas em Análise de Discurso e História das Ideias Linguísticas no Brasil, focando na língua usada em contextos rurais (mestrado) e na constituição do saber sobre a língua portuguesa no Brasil (doutorado). Paralelamente, participava de discussões sobre a formação social, econômica, política e linguística do país, contribuindo também com o Grupo de Pesquisa da Comissão de Vestibulares da Unicamp.

Em 2000, passei a integrar formalmente a equipe de pesquisadores do LABEURB, enquanto atuava como docente em universidades. Durante toda essa trajetória, buscava respostas para questões profundamente ligadas à minha história de vida: ser mulher, professora, pesquisadora, autora, nascida em uma região rural e movida pelo desejo de “mudar o mundo”. Foi nesse percurso que encontrei na política linguística um espaço de reflexão sobre a diversidade de línguas no Brasil e sobre as políticas de silenciamento promovidas pelo Estado. Descobrir que o lugar onde nasci – Novo Brasil (ES) – havia recebido esse nome na década de 1940, em substituição a “Nova Itália”, como parte da repressão aos descendentes de italianos, foi um momento marcante nessa jornada. Já em 2004, passei a integrar a equipe do IPOL, assessorando o Programa das Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira. Desde então, o IPOL me faria viajar através de fronteiras, entre países e línguas, para tudo ser, sempre, travessia.

Em um país de tradição monolíngue como o Brasil, os desafios se apresentam em diversas frentes. Um dos principais é a sensibilização contínua sobre o que é o multilinguismo e quais são suas potencialidades para a sociedade. Outro é a própria gestão do multilinguismo no âmbito do conhecimento e das políticas públicas – uma tarefa que demanda atenção constante.

Além disso, é fundamental avançarmos em políticas linguísticas que não se limitem a categorias específicas de línguas – como as indígenas, alóctones ou de sinais –, mas que levem em consideração as condições sócio-históricas que atravessam os falantes de todas essas línguas. O IPOL trabalha especificamente com o conjunto das línguas brasileiras, reconhecendo tanto sua diversidade tipológica (indígenas, alóctones, de sinais, afrobrasileiras, crioulas) quanto sua distribuição geográfica e demográfica.

Essa abordagem se reflete nas três principais frentes de atuação do instituto: a cooficialização de línguas por municípios, o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) e as políticas linguísticas por reparação aos processos históricos de repressão e extermínio de línguas pelo Estado brasileiro desde o período colonial. Cada uma dessas frentes traz desafios que não dizem respeito apenas a uma ou outra língua, mas ao conjunto do nosso patrimônio linguístico – e que, portanto, merecem ser pensados de forma articulada.

Tomemos como exemplo a cooficialização que hoje é matéria legislativa em 79 municípios brasileiros, os quais devem avançar para a regulamentação e implementação das leis. Se observamos o quadro de línguas cooficializadas, somando hoje 60 línguas, teremos cenários interessantíssimos para a regulamentação de políticas linguísticas: há municípios que cooficializaram várias línguas alóctones ou então indígenas; há uma mesma língua cooficializada em muitos municípios; há municípios com apenas uma língua cooficializada além da língua portuguesa. Existem, ainda, municípios com um número expressivo de falantes de línguas indígenas e alóctones, mas que oficializam apenas línguas de uma destas categorias.

É certo que cada município tem autonomia para desenhar suas ações, porém todos se beneficiariam se pautassem medidas conjuntas para avançar na promoção do multilinguismo – além de poder dar atenção a uma ou outra língua. Consideremos, por exemplo, as dificuldades em se avançar em uma educação multilíngue em um sistema de ensino público que só contempla duas posições para ensino de línguas: a posição de língua materna, ocupada sempre pela língua portuguesa, definida como língua de todos os cidadãos brasileiros, e a posição língua estrangeira, hoje novamente ocupada prioritariamente pelo inglês. No entanto, se a cooficialização quer garantir que outras línguas brasileiras sejam contempladas no sistema de ensino, que soluções precisam ser dadas? Tais soluções se coadunam com a manutenção dessa estrutura binária língua materna versus língua estrangeira ou seria necessário superá-la?

Nosso papel no IPOL tem sido o de evidenciar essas demandas, comuns a todas as comunidades linguísticas, buscando pautar os entraves e pensar em soluções com a maior abrangência possível, o que envolve as lideranças das comunidades, os gestores de políticas públicas e pesquisadores no processo. Por isso, realizamos o I Encontro Nacional de Municípios Plurilíngues (ENMP) em 2015 e, agora, o II ENMP, que acontecerá nos dias 1º e 2 de setembro de 2025.

Embora eu tenha destacado a cooficialização, desafios semelhantes se colocam nas demais frentes. No caso das políticas de reparação, é urgente avançar na articulação entre políticas linguísticas e memória social – uma dimensão essencial da proposta da Nota Técnica sobre justiça linguística. A história de proibição e extermínio de línguas está estreitamente ligada ao racismo, aos preconceitos linguísticos e à desvalorização do outro  aquele subjugado, escravizado, e que pode ser exterminado, pelo processo da colonização. A reparação desse dano exige ações coletivas e integradas, inspiradas na justiça transicional e nos mecanismos adotados em contextos de genocídio. Há, portanto, um conjunto de conhecimentos e políticas a serem mobilizados para avançarmos no propósito da Nota Técnica, que beneficiarão o conjunto das línguas brasileiras.

Por tudo isso, é possível afirmar que um dos maiores desafios do IPOL tem sido justamente pautar políticas linguísticas sob perspectivas que exigem o deslocamento de crenças e práticas enraizadas ao longo da história. Paralelamente, seguimos executando projetos, consolidando políticas, produzindo conhecimento e, a partir disso, abrindo novas possibilidades de atuação.

Como mencionei anteriormente, o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) é uma das principais frentes de atuação em políticas linguísticas do IPOL, ao lado da cooficialização de línguas em municípios e da elaboração da Nota técnica Conscientização do direito humano à diversidade linguística e formas de compensação pela história de repressão linguística no Brasil desde o início do processo de colonização. Essa nota orienta políticas públicas voltadas à reparação por parte do Estado brasileiro frente à repressão e ao extermínio de línguas.

A criação do INDL representou um avanço importante nas políticas linguísticas brasileiras. Destaco três pontos principais:

Primeiro, o INDL foi a primeira política pública de alcance nacional voltada ao reconhecimento de todas as línguas brasileiras, não apenas das indígenas, como previsto na Constituição Federal de 1988. Ele ampliou a atuação do Estado e passou a ser gerido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), reconhecendo a diversidade linguística como patrimônio cultural imaterial.

Em segundo lugar, vale lembrar que sua origem remonta a 2004, quando o IPOL peticionou à Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados para que o Ministério da Cultura, então liderado por Gilberto Gil, abrisse o Livro de Registro das Línguas Brasileiras. A solicitação desencadeou debates públicos e audiências como o Seminário para a Criação do Livro de Registro das Línguas, em 2006, que resultou na criação do Grupo de Trabalho para a Diversidade Linguística (GTDL). Esse grupo – formado por representantes da sociedade civil e do governo federal – elaborou, em 2007, o Relatório de Atividades com a proposta metodológica do INDL.

O terceiro ponto é justamente essa metodologia inovadora, voltada ao uso e circulação das línguas, à sua vitalidade e à sua valorização pelos falantes. O GTDL propôs uma classificação das línguas brasileiras em cinco categorias: indígenas, de imigração (alóctones), de comunidades afro-brasileiras, de sinais e crioulas, além da língua portuguesa com suas variedades. A metodologia, aplicada em projetos-piloto, buscou respeitar as diferenças entre línguas em risco de extinção (com pouquíssimos falantes), línguas com falantes concentrados em uma localidade ou região e línguas com grande população e extensão territorial. Essa abordagem, descrita nos Guias de Pesquisa e Documentação do INDL, tornou-se referência para o Brasil e também para outros países, inclusive para a UNESCO. O guia está disponível neste link.

Participei representando o IPOL no GTDL e coordenei o Inventário da Língua Guarani-Mbya, um dos projetos-piloto na categoria de línguas indígenas com ampla distribuição territorial e populacional. Os desafios foram grandes: desde a definição dos instrumentos de pesquisa e das terras indígenas a serem visitadas até a organização logística e a consolidação de relatórios. Essa experiência permitiu um olhar profundo sobre cada etapa do processo e nos qualificou para coordenar outros inventários, como os do Hunsrückisch, da LIBRAS, do pomerano e, mais recentemente, do polonês.

A atuação do IPOL, como proponente e executor dos inventários, segue uma perspectiva colaborativa em todas as fases do processo, incluindo a publicação dos resultados. Isso gera impactos significativos, especialmente na formação de pesquisadores por meio de parcerias com universidades e prefeituras. Por exemplo, o inventário da LIBRAS contou com a parceria da professora Ronice Quadros (UFSC); o do Hunsrückisch, com o professor Cléo Altenhofen (UFRGS); o pomerano teve apoio da UFF, da UFRGS, da prefeitura de Santa Maria de Jetibá (ES) e de Pomerode (SC).

Outro impacto importante é o envolvimento direto das comunidades. Os falantes atuam como depoentes e pesquisadores, e produtos específicos são desenvolvidos conforme suas demandas. É o caso do Vocabulário da Língua Pomerana (VOLBPomer), um aplicativo que permite ouvir e localizar palavras registradas durante a pesquisa, evidenciando suas variações regionais. Também houve o concurso de contos e poemas em Hunsrückisch, que resultou em um sarau e na publicação de um livro. Em Marechal Floriano (ES), por exemplo, a principal escola da cidade passou a desenvolver ações de valorização do multilinguismo, com repercussões em todo o estado.

Um aprendizado central que gostaria de destacar é o desejo genuíno dos falantes em transmitir suas línguas maternas às novas gerações. Contudo, esse desejo nem sempre encontra eco entre os jovens, cada vez mais atraídos por outras atividades e realidades. Enfrentar esse conflito é um desafio fundamental para o futuro das línguas brasileiras. Os inventários, ao mapear usos, circulação, vitalidade e atitudes linguísticas, oferecem uma base sólida para políticas públicas que visem a soluções coletivas e negociadas.

Leonardo Alves

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina na linha de pesquisa de Linguagem, Política e Sociedade. Graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Santa Cruz do Sul.

Caroline Schirmer Götz

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na linha de pesquisa de Linguagem, Política e Sociedade. Professora licenciada em Língua Portuguesa e Literaturas pela mesma instituição, leciona aulas de PLE para falantes de árabe e anglófonos.

 

Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura

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LÉO RODRIGUES – REPÓRTER DA AGÊNCIA BRASIL

Publicado em 28/01/2025
Rio de Janeiro (RJ) 28/01/2025 - Cena do filme - Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura.Foto: Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

© LEO FONTES/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

Há uma semana, o cinema brasileiro vem comemorando a indicação do filmeAinda Estou Aqui a três categorias do Oscar. O longa-metragem alcançou o feito inédito ao levar para as telas a história da família de Rubens Paiva, deputado federal que teve seu mandato cassado pela ditadura militar e que foi posteriormente torturado e morto.

Inaugurando o calendário do audiovisual brasileiro, a Mostra de Cinema de Tiradentes que ocorre ao longo desta semana na cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, se tornou mais um espaço para se debater e se celebrar a conquista. Mas a programação também levou para as telas um filme que, de alguma forma, resgata uma história que realça uma marca pouco conhecida do mesmo regime militar: a violação aos povos indígenas.

“São memórias que o cinema nos dá uma chance de revisitar e que podem assim ser jogadas na cara do povo brasileiro de uma certa forma”, avalia o etnólogo e cineasta Roberto Romero, um dos diretores do documentário Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá.

Exibido no domingo (26), ele aborda o assunto de uma forma lateral. O documentário narra o reencontro de Sueli Maxakali com seu pai Luiz Kaiowá. “Eu não o conheci. Eu tinha seis meses de idade e minha irmã tinha cinco anos quando ele partiu”, conta Sueli, em debate sobre o filme realizado nessa terça-feira (27). Ela também é uma das diretoras do documentário.

Luiz Kaiowá é um indígena Guarani-Kaiowá que chegou, através da Fundação Nacional do Índio (Funai), para trabalhar na terra Maxacali, em Minas Gerais. Ele operava um trator e lá se casou com a mãe de Sueli. No entanto, ele acabou voltando para a terra dos Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul.

Tudo aconteceu “no tempo dos soldados” como dizem os indígenas mais velhos que dão seus depoimentos no filme. Eles relatam os maus-tratos a que foram submetidos e o desmatamento, relegando a aldeia a uma porção de terra reduzida que sequer tinha água.

“Boa parte desse território foi dividido durante a ditadura militar. O capitão Manoel dos Santos Pinheiro, que era o sobrinho do governador de Minas Gerais, foi enviado para lá para ser o dono daquela região e fazer o que quisesse. Ele dividiu a terra entre os próprios funcionários do SPI [Serviço de Proteção aos Índios] e depois da Funai”, conta Roberto Romero, lembrando que o militar também atuou para impedir a demarcação.

O filme Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá foi dirigido a oito mãos: além de Sueli Maxacali e Roberto Romero, o quarteto foi composto ainda por Isael Maxakali e Luísa Lanna. Um ônibus levou os Maxacalis até a aldeia Guarani-Kaiowá. Dessa forma, o reencontro entre Sueli e seu pai foi também o momento de uma comunhão entre os dois povos.

Luísa defende que o cinema olhe com mais atenção para a memória que os povos indígenas guardam do período militar. “As atrocidades que aconteceram foram muitas e elas são muito pouco conhecidas pela população de uma forma geral. Mas é importante pontuar que é um buraco que não é só na cinematografia. É na história também,” enfatiza.

Rio de Janeiro (RJ) 28/01/2025 - Luísa Lanna - Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura.Foto: Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

A diretora Luísa Lanna defende o que cinema olhe para violações a indígenas na ditadura.  Foto: Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

Ela vê a possibilidade de uma evolução paralela. “As coisas vão andando juntas. Na medida que a historiografia for reconhecendo, a cinematografia vai reconhecendo. Uma coisa puxa a outra. E assim vai tornando possível que essas histórias sejam contadas e passem a integrar o repertório histórico da população brasileira. Mas, com certeza, acho que ter mais editais dedicados principalmente a autorias indígenas e realizadores indígenas [isso] pode contribuir para resgatar essas memórias.”

Violações

As violações de direitos no regime militar já foram exploradas por diferentes filmes. O Que é Isso Companheiro?, Zuzu Angel, Marighella, O ano em que meus pais saíram de férias e Batismo de Sangue são alguns títulos de referência, ao qual agora se soma Ainda Estou Aqui. No entanto, nenhum deles aborda o que ocorreu com os indígenas.

Alguns livros vêm buscando tirar essas histórias do anonimato. Um dos mais recentes é Tom Vermelho do Verde, lançado em 2022 pelo jornalista e escritor Frei Betto. A obra narra um drama que tem como pano de fundo o massacre dos indígenas Waimiri Atroari durante a abertura de rodovias na Amazônia entre as décadas de 1960 e 1980. Frei Betto, que participou de ações da resistência contra a ditadura, disse em recente entrevista à Agência Brasil que atualmente compreende que os indígenas foram as maiores vítimas da violência empreendida pelos militares.

No cinema, Luísa destaca como um dos trabalhos de referência o filme GRIN – Guarda Rural Indígena, lançado em 2016 sob direção de Roney Freitas e Isael Maxakali. Já no filme Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, ela observa que essa memória da ditadura aparece de um jeito diferente dos registros produzidos pela cultura ocidental do homem branco. De acordo com a diretora, não é uma memória estanque.

“Ela se constrói a partir das várias histórias que são repassadas pelas falas das pessoas que testemunharam esse momento, que viveram esse momento. Elas vão contando cada uma sua memória, mas também as suas várias percepções dessa história, do que aconteceu. Produzem uma memória que é viva e visível. E ela é acima de tudo criativa e inventiva, nesse sentido de que mais de uma história é sempre melhor do que uma história só”, salienta.

A diretora considera que há uma desconstrução da ideia de uma história voltada para a uma busca por uma verdade única e universal. Através dos depoimentos do filme, segundo ela, são apresentadas vivências e percepções individuais.

Resistência

Os Maxakalis formam um povo com cerca de três mil pessoas vivendo na região do Vale do Mucuri em Minas Gerais, dividida em aldeias que ocupam pequenos territórios. Na maioria delas, não tem rio e a paisagem de Mata Atlântica foi substituída por pasto. O filme documenta também a luta liderada por Sueli e Isael para retomada de um novo território para cerca de 100 famílias. Em uma das cenas, uma placa é pintada para demarcar o local.

Rio de Janeiro (RJ) 28/01/2025 - Debate com diretores- Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura.Foto: Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

Debate sobre o papel do cinema reuniu diretores e indígenas – Foto:  Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

“Antes de eu viajar para conhecer meu pai, eu queria deixar meu povo mais à vontade. Pintamos a placa para saber que ali está o meu povo”, conta Sueli. Para Roberto Romero, ao colocar o filme como parte do processo de retomada, os Maxakalis o transformam em um instrumento de resistência. Ele destaca ainda a decisão de gravar o documentário todo em idioma indígena. São faladas as línguas dos dois povos retratados: Maxakalis e Guarani-Kaiowás.

“Os Maxacalis perderam tudo de concreto, digamos assim. Mas preservaram a memória das palavras. Eles lembram os nomes de todos os animais da Mata Atlântica mesmo não convivendo com eles há décadas. E essas palavras são faladas como histórias, como narrativas. E também são cantadas. E a gente tenta mostrar isso no filme: que os cantos são parte vida social, da vida cotidiana. Para quase tudo se canta”, diz o diretor.

Para Isael Maxakali, preservar o idioma é uma das principais motivações para fazer filme. “É para não apagar o nosso histórico. Eu gosto de fazer filme também para que o Brasil possa conhecer nossa linguagem”, afirma.


Saiba mais puxando a rede IPOL:
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. Visite a página do filme… https://meupaikaiowa.com.br

. Aqui uma resenha do filme …Eis o mote inicial: Sueli Maxakali quer retomar o contato com o pai. Ele, a quem chamam Luiz, não é parte dos Maxakali; antes, é um Kaiowá andarilho, oriundo das bandas do Mato Grosso. De algum modo, ele foi levado para Teófilo Otoni, onde conheceu os Maxakali e a mãe de Sueli, antes de retornar para casa, anos depois.

Por que ele foi levado para tão longe? Porque estávamos na ditadura militar, e porque Luiz não tinha documentos, e porque os milicos aprisionavam os indígenas que, assim como ele, estavam soltos no mundo, forçando-os a trabalhar.

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. Matéria sobre o filme quando exibido no Festival de Brasilia: https://vertentesdocinema.com/yog-atak-meu-pai-kaiowa/
. Aqui 
. O livro citado acima, de Frei Betto, sobre o drama dos índios waimiri-atroari nos anos 1970 está aqui https://www.freibetto.org/livro/tom-vermelho-do-verde/?srsltid=AfmBOoprqk_HEVZBmyPNj9iOfXYuAo2TudP2-F2Zqg0t6PmQKktOjasQ
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. aqui matéria publicada em O Rascunho, um jornalde literatura no Brasil , editado em Curitiba e distribuído para todo o Brasil e exterior, é nacionalmente reconhecido
pela qualidade de seu conteúdo. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.
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.  matéria publicada em Continente! ,  revista contemporânea de jornalismo cultural com periodicidade mensal, produzida em Pernambuco desde 2000
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. Entrevista com Bruno Altmann gravada em 2022 sobre a publicação e a questão dos Waimiri-atroari

Entrevistas Dia dos Povos Indígenas 2024

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Acesse as entrevistas com a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara; Eliane Potiguara, primeira indígena a publicar um livro no país;  Joenia Wapichana, presidente da FUNAI: o escritor Daniel Munduruku e Rosa Colman, demógrafa.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/tags/entrevistas-dia-dos-povos-indigenas-2024

DIVERSIDADE DE EXPRESSÕES CULTURAIS NA ERA DIGITAL

 

Publicação de 2016 da USP e Universidade de Rouen trata o tema da diversidade das expressões culturais na era digital e visa organizar e articular as contribuições escritas e vídeos selecionados para serem explorados da melhor maneira possível para o progresso da reflexão sobre o tema.

Esta é uma das obras que dialoga com o Grupo de Reflexão da UNESCO sobre a Diversidade de Expressões Culturais no Ambiente Digital no qual o Prof. Gilvan M. de Oliveira, fundador do IPOL, ingressou agora em 2024.

 

 

Fruto da cooperação de Lilian Richieri Hanania  (CEST / Universidade de São Paulo (USP), Brasil) e Anne-Thida Norodom (ver minibiografia) (CUREJ / Universidade de Rouen, França), a obra “DIVERSIDADE DE EXPRESSÕES CULTURAIS NA ERA DIGITAL” visa contribuir para a compreensão do tema da diversidade das expressões culturais na era digital e para a reflexão sobre as medidas e políticas mais apropriadas para responder aos desafios e oportunidades relativos a esse tema.

Ela reúne estudos teóricos, documentos de opinião, estudos de casos e testemunhos de projetos e iniciativas práticas que, fundados em disciplinas diversas (direito, economia, ciências políticas e sociais, jornalismo, tecnologias da informação, engenharia)5, demostram como as novas tecnologias podem ser usadas para proteger e promover a diversidade das expressões culturais. Obra multidisciplinar trilíngue (francês, inglês e português), ela tem também como objetivo o de contribuir para a diversidade linguística online.

Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia (CEST)

https://www.teseopress.com/diversidadedeexpressoesculturaisnaeradigital/front-matter/lista-de-parceiros/

e aqui os anexos…

https://www.teseopress.com/diversidadedeexpressoesculturaisnaeradigital/part/docs/


Saiba mais puxando a rede IPOL

. O que significa “diversidade de expressões culturais dentro do reino digital” Segundo Lilian Richieri Hanania ( http://www.cest.poli.usp.br/pt/interviews-lilian-richieri-hanania/lilian-2/)

 

A expressão “diversidade de expressões culturais”, conforme foi empregada na Convenção da UNESCO de 2005 sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (CDEC), refere-se a um aspecto específico da diversidade cultural: a diversidade de oferta de conteúdo cultural em todos os níveis da cadeia de valores artística (criação, produção, difusão, distribuição e acesso). Ela implica em permitir trocas ricas e equilibradas de bens e serviços culturais vindos de várias origens – não importando quais tecnologias foram usadas para fornecê-las – nos níveis local, nacional, regional e internacional. Alcançar a diversidade de expressões culturais no reino digital significa, portanto, que o conteúdo cultural digital criado, produzido, disponibilizado e efetivamente acessado pelos consumidores é culturalmente diverso.

 “Garantir a diversidade de expressões culturais, seja em um ambiente digital ou não, requer um engajamento ativo dos Estados e da sociedade civil.”

http://www.cest.poli.usp.br/wp-content/uploads/2016/02/CEST-Entrevista-com-Lilian-Richieri-Hanania-rev2-clean.pdf

Doutora Lilian Richieri Hanania é advogada e doutora em Direito Internacional pela Universidade Paris 1 – Panthéon-Sorbonne e pesquisadora do CEST. Na entrevista, ela aborda o contexto e a importância de promoção da diversidade das expressões culturais online.

A entrevista (somente em inglês) foi originalmente publicada em «Kulturelle Vielfalt Online. Im Spannungsfeld zwischen UNESCO, TTIP und Netzgiganten – Interview mit Lilian Richeri Hanania » (Cultural Diversity Online. Between UNESCO, TTIP and net giants – an interview with Lilian Richeri Hanania), in Österreichische UNESCO-Kommission, Jahrbuch 2015/Annual Report 2015, Agnes & Ketterl GmbH, Mauerbach/Vienna, ISBN: 978-3-902379-03-0.

 

. Assista também a entrevista gravada em junho de 2023: https://www.youtube.com/watch?v=oZag5NHtHL8

Entrevista com o Lilian Richieri Hanania, sobre cultura digital internacional, por Vera Queiroz


Outras publicações:

Diversidade Cultural. Políticas, Visibilidades Midiáticas e Redes – Coleção Cult.

 

É objetivo deste livro: reunir e difundir abordagens diversas sobre a questão da diversidade cultural, como fruto do trabalho de vários pesquisadores e seus grupos de pesquisa. Esta coletânea reúne 12 artigos acadêmicos de pesquisadores, a maioria brasileira, mas também da Espanha e dos Estados Unidos. Por meio das reflexões destes autores, que perpassam aspectos de mídia, audiovisual, redes, tecnologias, patrimônio e políticas públicas, obtemos um escopo da diversidade cultural em diversos âmbitos.

 

 

 

https://repositoriodev.ufba.br/bitstream/ri/18127/3/DiversidadeCulturalPol%C3%ADticasVisibilidadesMidiáticasRedes-Cult22-EDUFBA.pdf

 

UNESCO Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, 2005

https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000150224

 

O NOSSO TERRITÓRIO É O MUNDO TODO – entrevista com Francy Baniwa

Por 30 de junho de 2023

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desde o início deste semestre, nós, do Grupo de Comunicações da Comunidade Selvagem, temos nos encontrado quinzenalmente para desenhar, juntos, caminhos de criação e partilha inspirados no que o Ciclo de Estudos movimenta em nossas vidas. Para além de ecoar os conteúdos articulados e transmitidos, percebemos que o desejo coletivo apontava para a criação de relações e vínculos, e vislumbramos o blog como um canal por onde transitar o que emerge das experiências de convivência com o Selvagem.

A frente de entrevistas com a constelação Selvagem foi uma das ativações que animou nossos trabalhos. Ela surgiu da ideia de troca direta entre a Comunidade e as pessoas que compartilham seus conhecimentos através de conversas, livros, ciclos, cadernos e outras criações do Selvagem; foi uma das sementes que cultivamos com mais dedicação e esta entrevista é o primeiro florescimento deste cultivo.

Francy Baniwa, conhecida por seu povo como Hipamaalhe, aceitou nosso convite, dando forma ao sonho de coroar o semestre com a publicação de nossa primeira entrevista. Antropóloga indígena rio-negrina, autora do livro Umbigo do Mundo, Mitologia, Ritual e Memória Baniwa Waliperedakeenai escrito a partir das narrações de seu pai, Francisco Fontes Baniwa -, lançado pela Dantes Editora em 2023 – obra que vem conduzindo os estudos transversais do Selvagem ao longo dos últimos meses.

Nos debruçamos sobre a teia de produções que ecoam da presença de Francy: entrevistas, trabalhos acadêmicos, registros audiovisuais, e, é claro, seu livro. Estamos em diferentes cantos do Brasil e, desde nossas casas, realizamos uma série de encontros virtuais para conversar, interagir com o que Francy nos trazia e também para elaborar um roteiro, já que essa seria a primeira vez de muitos de nós no papel de entrevistadores e de todos nós em uma entrevista coletiva.

Em 20 de junho, dia da conversa, conforme combinado, cada um trouxe um chá para a roda virtual. Abriu-se um tempo e espaço de troca fluida, tempo de convívio. Sentados, sonhamos e navegamos na força das narrativas e presença da nossa entrevistada. Deixamos aqui o convite para que o leitor também pegue seu chazinho, tome tempo e seja embalado pelas palavras dessa grande contadora de histórias verdadeiras e vivas: Francy Baniwa.

(texto extraído da página selvagemciclo)

O início da entrevista:

Roberto Straub: Você fala de mitologia viva, de viver uma mitologia viva. Este não é o caso da maioria dos seres humanos no planeta. Antes de você entrar na sala, a gente estava conversando justamente sobre esse lugar da fronteira entre as culturas, o limiar entre saberes e o lugar da tradução de mundos; um lugar onde você está. A gente queria que você falasse sobre esse lugar, enquanto mulher indígena que representa e transmite esses saberes, e lida com questões do masculino e do feminino. Você poderia contar mais sobre esse lugar de tradução entre mundos?

Francy Baniwa: É muito importante falar sobre essas mitologias vivas. Por que são vivas? Por que eu digo isso? Por que eu afirmo com tanta segurança que essas narrativas são vivas? Porque elas, de fato, estão todo dia com a gente. Se eu estou doente hoje – o que é o caso -, o meu pai vai pegar um cigarro, vai percorrer o caminho que o Ñapirikoli fez, que Amaro fez para curar aquelas pessoas de outro mundo, naquela época. Meu pai vai fazer o mesmo percurso que eles fizeram pra me curar dessa doença, que é uma doença do mundo. A gente vivencia isso todo dia, porque não tem como você viver uma vida, tentar querer ser branca; pra mim não vai colar isso, eu não vou sair nesse mundo dizendo: “Estou fora do meu território, isso não vai me afetar”.

 

Siga na leitura com o link:

https://selvagemciclo.com.br/comunicacoes/o-nosso-territorio-e-o-mundo-todo/

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