Retrospectiva 2022: TSE promoveu ações para ampliar diversidade e tornar processo eleitoral mais democrático
Ações incentivaram inclusão de mulheres, negros, população LGBTQIA+, povos originários, jovens e idosos no processo eleitoral
Em 2022, ano em que a Justiça Eleitoral completou 90 anos, O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) intensificou ações para tornar o sistema eleitoral mais democrático, ampliando a participação de diversos grupos, incluindo cada vez mais pessoas no processo eleitoral e aumentando a diversidade do eleitorado e das candidaturas.
Em fevereiro, o Tribunal criou o Núcleo de Inclusão e Diversidade. A função do grupo é fortalecer a atuação da Corte em temas relacionados ao aumento da participação política de públicos variados, com foco nas mulheres, nos negros, na população LGBTQIA+ e nos povos originários. Durante o ano, a Corte Eleitoral promoveu eventos que abordam a inclusão e a diversidade no processo eleitoral. Em junho, aconteceu o encontro “Inclusão e Diversidade: um panorama da Justiça Eleitoral”, quando representantes dos Tribunais Regionais Eleitorais de todo o país compartilharam experiências de ações adotadas para tornar o processo eleitoral mais diverso e inclusivo.
A Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (EJE/TSE), que capacita magistrados, servidores da Justiça Eleitoral, membros do Ministério Público Eleitoral, advogados e cidadãos, acerca do Direito Eleitoral e da democracia, também realizou ações que promoveram a inclusão e diversidade, como o Laboratório para a Garantia de Direitos Políticos (LabGDP) e os eventos do projeto “Diálogos Democráticos”, que, na mais recente edição, abordou a importância das mulheres na política e o papel delas para o aprimoramento da democracia.
População LGBTQIA+
Em junho, os perfis do TSE nas redes sociais promoveram ações em apoio ao Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+. A iniciativa fez parte de uma campanha conjunta com Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostrando as decisões históricas do Poder Judiciário, nos últimos anos, em favor da garantia e proteção dos direitos dessa comunidade.
Desde 2018, o Tribunal garantiu direito ao uso do nome social por pessoas que se identificam com o gênero diferente do qual nasceram e também por travestis e transexuais. No pleito geral daquele ano, quase 7.945 mil pessoas optaram pelo nome social ao se registrarem ou atualizarem seus dados na Justiça Eleitoral. Nas eleições de 2020, 10.450 pessoas utilizaram o nome social no título. Este ano, foram 37.646, o que equivale a um aumento de 373,83%.
Em julho deste ano, a Presidência do Tribunal recebeu representantes da Associação Mais LGBT. Na ocasião, eles apresentaram uma série de sugestões para aprimorar a inserção de candidaturas LGBTQIA+ na política.
Povos indígenas
A Constituição Federal assegura aos povos indígenas a participação plena no processo eleitoral. Cabe à JE garantir a essa população que exerça a cidadania por meio do voto e participação ativa nas eleições. Por isso, a JE já previa regras em normativos anteriores que tratam de direitos desses povos, como na Resolução TSE nº 23.659/2021.
No dia 12 de abril, o TSE publicou a Portaria nº 367, que instituiu a Comissão de Promoção de Participação Indígena no Processo Eleitoral. O intuito é elaborar estudos e projetos para promover e ampliar a participação de pessoas indígenas no processo eleitoral. Coordenado pela assessora do Núcleo de Inclusão e Diversidade do TSE, Samara Pataxó, o colegiado visa também planejar ações que fortaleçam o exercício da capacidade eleitoral dos indígenas, respeitando os respectivos costumes, linguagens e organização social.
Igualdade Racial
A JE também realiza ações específicas em busca da igualdade racial no processo eleitoral. A Resolução 23.659/21 traz artigos que combatem a violência política contra pessoas negras e garante a dignidade e cidadania a candidatas e candidatos. Em março de 2022, por meio da Portaria nº 230/2022, o TSE criou a Comissão de Promoção de Igualdade Racial, sob coordenadoria do ministro Benedito Gonçalves. O grupo é responsável por elaborar estudos e projetos para ampliar a participação da população negra nas eleições.
Em abril, uma audiência pública foi realizada para colher dados, informações e propostas para o aperfeiçoamento das legislações que tratam do tema “Desigualdade Racial e Sistema Eleitoral”, para subsidiar o relatório elaborado pelos Grupos de Trabalho temáticos da Comissão do TSE de Promoção da Igualdade Racial. Em novembro, foi realizado o Encontro Democracia e Consciência Antirracista na Justiça Eleitoral, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, onde foi repercutido o resultado do estudo. O evento discutiu o racismo estrutural, inclusão de pessoas pretas e pardas, mulheres e indígenas, e contou ainda com o lançamento da cartilha Expressões Racistas: por que evitá-las.
Acessibilidade
Para as Eleições 2022, 1.271.381 (0,81% do total) de eleitoras e eleitores declararam ter algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida, entre mais de 156 milhões aptos a votar. O número é 35,2% maior que o registrado em 2018, quando 939.915 se apresentaram à Justiça Eleitoral como eleitores com deficiência. Naquele ano, pouco mais de 631 mil pessoas com deficiência participaram das eleições nos dois turnos. Em 2022, esse comparecimento aumentou mais de 30%.
Este ano, a acessibilidade foi otimizada com o aprimoramento dos softwares já existentes e instalação de novos recursos nas urnas eletrônicas que foram utilizadas no pleito. Todos os aparelhos, por exemplo, contaram com tradução na Língua Brasileira de Sinais (Libras). Além disso, um vídeo feito por uma intérprete de Libras foi inserido na urna.
Para as pessoas com deficiência visual, as urnas eletrônicas contam com o sistema Braile. Também foram disponibilizados nas seções eleitorais fones de ouvido para que eleitores cegos ou com baixa visão recebessem sinais sonoros com a indicação do número escolhido e o retorno do nome da candidata ou do candidato em voz sintetizada. Foram realizadas ainda melhorias na qualidade geral do áudio, que falam também os nomes de suplentes e vices.
Participação feminina no processo eleitoral
Há tempos o TSE promove ações pela garantia dos direitos das mulheres, com diversas iniciativas no sentido de ampliar a presença delas nos espaços de poder e combater a violência política de gênero. Em fevereiro, a EJE/TSE realizou, em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o 1º Encontro Nacional de Magistradas Integrantes de Cortes Eleitorais, com destaque do tema violência política. Como resultado, foi entregue à Presidência da Corte estudo preliminar sobre o perfil das magistradas eleitorais no Brasil.
A Ouvidoria da Mulher do TSE foi lançada em 21 de março deste ano, em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). O órgão foi criado para prevenir e combater casos de assédio, discriminação e demais formas de abusos sofridos por pessoas do gênero feminino, especialmente a violência política.
A Corte Eleitoral promoveu o Seminário #ParticipaMulher – Por uma Cidadania Plena. No mês seguinte, participou de evento promovido pelo Senado “Mais Mulheres na Política”. Ainda em maio, os ministros aprovaram, por unanimidade, a inclusão do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 117/2022 na Resolução TSE nº 23.604/2019, garantindo, assim, que recursos destinados aos programas de promoção da participação das mulheres na política, não utilizados no pleito, sejam empregados para atender a essa finalidade nas eleições subsequentes.
Ocorreu, em junho, o encontro “Elas na Política”, realizado em parceria com o Instagram e a Girl Up Brasil (movimento global da Fundação da Organização das Nações Unidas – ONU), trazendo importantes reflexões sobre a participação das mulheres na política. No mês seguinte, por meio da Portaria nº 674/2022, criou um Grupo de Trabalho destinado a elaborar e a sugerir diretrizes para disciplinar ações voltadas ao tema durante as Eleições 2022.
Em agosto, a campanha Mais Mulheres na Política 2022 do TSE foi lançada em rede nacional. No mesmo mês, o TSE e a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) celebraram acordo que estabelece diretrizes para atuação conjunta no enfrentamento da violência política de gênero. Ainda no mês, a Corte realizou a exposição Mulheres Eternas, abrangendo 38 obras que homenageiam o legado de mulheres brasileiras que se destacaram em diversas áreas e atuaram na defesa de políticas públicas por uma sociedade mais justa e igualitária.
Mulheres nas Eleições 2022
No dia 29 de setembro, dois dias antes do primeiro turno das Eleições 2022, durante o terceiro painel do ciclo de palestras do Programa de Convidados Internacionais, o debate tratou da participação das “Mulheres na política e nas eleições”.
A página TSE Mulheres já conta com dados estatísticos atualizados do pleito deste ano, bem como os anteriores, acerca da participação feminina. A página é gerida pela Comissão Gestora de Política de Gênero, a TSE Mulheres, criada em 2019. A Comissão atua no planejamento e no acompanhamento de ações para incentivar a participação feminina na política e, também, na vida institucional da Justiça Eleitoral.
Participação de jovens e idosos na política
Focando na participação dos jovens na política, no dia 16 de março, o perfil do TSE no Twitter promoveu o tuitaço #RolêDasEleições, ação integrante das atividades planejadas pela Justiça Eleitoral para a Semana do Jovem Eleitor, que aconteceu de 14 a 18 do mês. A iniciativa movimentou organizações e instituições parceiras e foram publicados cerca de 6,8 mil tuítes, que chegaram às telas de mais de 88 milhões de pessoas. Mais de 4,7 mil usuários do Twitter participaram da iniciativa.
Essas ações surtiram efeito. De acordo com a página de estatísticas eleitorais do Tribunal, o comparecimento médio de jovens de 16 e 17 anos – voto facultativo – aumentou 52,3% entre 2018 e 2022. Mais de 2,1 milhões de eleitoras e eleitores nessa faixa etária estavam aptos a votar neste ano e, em média, 1,7 milhão foram às urnas. Em 2018, essa parcela do eleitorado era de 1,4 milhão de jovens. Naquele mesmo ano, o comparecimento médio foi de 1,1 milhão.
Em junho, foi lançada a campanha “Todo voto importa”, com o apoio do TRE do Pará, que buscou despertar o compromisso cívico com o voto e a democracia entre o eleitorado maior de 70 anos, que não é mais obrigado por lei a votar. No mês seguinte, a EJE/TSE lançou o I Concurso Nacional de Redação da Justiça Eleitoral (2022-2023), com duas categorias de participantes, sendo a primeira para adolescentes entre 15 a 17 anos; e a segunda, para idosos, a partir de 60 anos. Ao todo, a seleção recebeu 1.035 inscrições de todas as unidades da Federação, com 566 artigos submetidos à avaliação da comissão organizadora.
FONTE: TSE
Docência plural: território e cultura na quebra do monolinguismo
Escolas precisam considerar as outras línguas, como as indígenas, e entendê-las como recurso, aponta Rosângela Morello, diretora do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL)
O papel da cultura e da vivência com outras línguas ajuda a quebrar ideologias e a crença de que o Brasil possui apenas uma língua, uma vez que a maioria da população não conhece a diversidade linguística do próprio país – são cerca de 250 línguas indígenas só em território brasileiro. Inclusive, nas fronteiras entre países, o processo de aprendizagem de novos idiomas tende a ser mais forte.
Justamente com o objetivo de destravar as barreiras, oferecendo aos gestores uma formação voltada para a atuação em contextos multilíngues e multiculturais com projetos ligados às fronteiras, foi lançado este ano pela Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI) o curso gratuito Docência Plural: Interculturalidade e Bi/Multilinguismo.
Presença natural
“[No projeto Cruzando Fronteiras*] foi interessante a experiência em Ponta Porã [município no Mato Grosso do Sul] em que motivada pelos assessores do projeto, uma professora pergunta a crianças em sala de aula: ‘quem aqui sabe falar guarani?’ Das crianças ali, a poucos metros da fronteira com o Paraguai, ninguém sabia falar. Quando o projeto avançou, trouxeram uma professora paraguaia que entrou na sala e começou a falar guarani. Várias crianças logo depois começaram a responder em guarani, começaram a interagir na língua e usar o idioma perfeitamente porque se sentiram autorizadas e perderam o medo de falar [em outro idioma que não fosse o português]”, recordou Gilvan Muller de Oliveira, coordenador da cátedra Unesco em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo, da UFSC.
Gilvan é um dos professores do curso Docência Plural, que é um dos leques do *Cruzando Fronteiras, projeto voltado ao desenvolvimento de ações para promover a língua portuguesa e outras línguas da região, desenvolvido pela OEI junto ao Ministério da Educação.
“O direito cultural, que fixa os direitos humanos ligados às línguas e às culturas, dá origem ao chamado direito linguístico, que ainda está em formulação em alguns países e é um elemento essencial para compreendermos como a interculturalidade e o multilinguismo são fatores de acolhimento, de sucesso de aprendizado e de valorização das heranças culturais que estão expostas nessas múltiplas comunidades que existem”, concluiu Gilvan.
É preciso sair do monolinguismo
Rosângela Morello, diretora do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL) e também professora no curso recém-lançado diz que o enraizamento do idioma português no Brasil é uma das grandes dificuldades para a quebra de apenas uma língua falada.
“O monolinguismo é uma ideologia e prática que está enraizado não só na prática pedagógica, mas em todo o funcionamento do estado brasileiro. Então quando lidamos com situações multilíngues como essa que a fronteira propõe…precisamos sair da crença de que o monolinguismo é a única solução para as nossas questões, porque é o contrário, ele impede acessos e exclui”, alertou Rosângela Morello.
A diretora defende o deslocamento sobre o modo de conhecer outros idiomas, trabalhar em rede e ter uma abertura para programas de integração regional, porque socializar com outras línguas possibilitam uma aprendizagem mais funcional.
“Em São Gabriel da Cachoeira [município do Amazonas] é comum a criança ter como língua materna sua língua indígena – aquela usada na comunidade [como socialização] –, e na cidade ter o português e até o espanhol. São contextos de multilinguismo muito ativos. Sendo assim, quando em nossas escolas propomos que haja apenas dois lugares para as línguas, tal como está no nosso currículo, em que você tem a língua portuguesa entendida como a de todo mundo e mais uma língua que seria a estrangeira, e todas essas outras línguas? Temos que pensar nesse deslocamento”, ressaltou Rosângela.
Segundo Rosângela, é fundamental que as escolas, em suas estruturas curriculares, tragam esse multilinguismo e que entendam que essas diversas línguas podem ser entendidas como recursos “para haver deslocamento em relação a essas posições de línguas. Que caibam mais línguas. É importante que desloquemos esse binarismo para também um lugar multiplamente habitado por línguas”, concluiu.
*Gilvan Muller de Oliveira e Rosângela Morello participaram ontem, 15, da 2ª edição do Diálogos sobre Educação, que acontece entre 14 e 16 de dezembro, em Brasília, com organização da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Para mais informações sobre o evento clique aqui.
Assista em nosso canal Os desafios de uma educação bilíngue intercultural e insurgente
Revista Boletim do Observatório da Diversidade Cultural – 98ª Edição
A 98ª Edição da Revista Boletim do Observatório da Diversidade Cultural tem como tema os “desafios da institucionalidade da cultura”.
A última edição de 2022 reúne pesquisadores, gestores e agentes culturais, além de integrantes de conselhos de políticas culturais, para uma reflexão acerca da institucionalidade da cultura e dos desafios para o futuro da gestão e das políticas públicas de cultura no Brasil. Além de abordagens críticas, alguns artigos buscaram pensar o futuro a partir da reconstrução do Ministério da Cultura e da centralidade da cultura no processo de retomada da democracia no país.
Universidade do Estado do Amazonas lança site com acessibilidade para pessoas surdas
Portal da Coordenação de Políticas para a Pessoa Surda da Universidade do Estado do Amazonas disponibiliza materiais em Libras produzidos por equipe de tradutores
Com o objetivo de tornar a universidade um ambiente mais acessível linguisticamente, a Coordenação de Políticas para a Pessoa Surda da Universidade do Estado do Amazonas (Copps/UEA) lançou site com ferramentas acessíveis para atender à comunidade acadêmica, especialmente por meio de tradução de materiais para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). No portal, serão centralizadas informações como notícias, editais, artigos, livros, entre outras.
O site conta ainda com um repositório em que são disponibilizados materiais em Libras produzidos pela equipe de tradutores da Copps. Há também um espaço dedicado a conteúdos de legislações, resoluções e portarias voltadas às políticas linguísticas para surdos na instituição.
Segundo o coordenador titular da Copps, professor mestre Marcos Roberto dos Santos, o site possibilita o acesso de alunos e professores da UEA a materiais acadêmicos importantes, como o lançamento de editais com informações traduzidas. Ele destaca que a iniciativa reforça ainda mais as políticas linguísticas para surdos que contribuem com o acesso e permanência da comunidade surda na universidade.
“Por meio do site, a Copps busca trazer, de forma acessível, informações que são de interesse de toda a comunidade acadêmica. A ideia é ofertar um espaço que represente as pessoas surdas, que tenha a identidade, a cultura e a língua delas ali fortalecidas. Nosso objetivo é que todos os dados do site estejam disponíveis em Libras”, explicou.
Apoio à inclusão
Além de oferecer a tradução dos materiais, a Copps tem uma equipe de profissionais tradutores e intérpretes de Libras que atua em diferentes atividades acadêmicas, como aulas, eventos e transmissões ao vivo.
Atualmente, a UEA conta com 19 tradutores e intérpretes de Libras em Manaus, 14 em Parintins e dois em Tabatinga. No site da coordenação, professores e coordenadores de cursos também podem acessar o formulário de solicitação de intérprete para eventos.
A intérprete de Libras, Samara Rodrigues, que presta serviços para a UEA há um ano, explica que o novo portal da Copps otimiza o processo de envio de documentação para a coordenação, processo realizado mensalmente por todos os intérpretes. Ela destaca a importância dos serviços para a inclusão dos surdos na UEA.
“Ao entrar na universidade, o aluno surdo geralmente tem um texto em Língua Portuguesa que não é sua língua materna. A sua língua materna é Libras (L1). Quando ele tem acesso às traduções, o estudante tem um desenvolvimento melhor no seu cotidiano, um aprendizado aprimorado e no portal ele tem acesso a livros e artigos traduzidos”, assinalou.
Sobre a Copps
Criada em setembro de 2020, a Copps tem o objetivo de demarcar e estabelecer políticas linguísticas institucionais de acesso e permanência para alunos, professores, bem como a comunidade surda em geral, nas ações da UEA.
A coordenação foi estabelecida com a proposta de discutir todas as políticas dessa comunidade desde o ingresso na universidade, até a permanência, tradução, interpretação e elaboração de materiais acadêmicos e informativos, assim como apoio aos docentes e discentes.
O link para acesso ao site da Copps é: https://copps.uea.edu.br/.
FONTE: Agência Amazonas
Estudante de Direito defende pesquisa inédita sobre normas jurídicas do seu povo, os Sateré-Mawé
“Se isso um dia foi do povo Sateré-Mawé nós também temos direito”. Com uma frase do seu pai, João Ferreira de Souza, o João Sateré, Jafé Ferreira de Souza abre um estudo inédito e que representa um legado para o seu povo de origem e para a Universidade Federal de Santa Catarina. A monografia As normas consuetudinárias do Povo Sateré-Mawé (Amazonas) enquanto ordenamento jurídico: Princípios e fontes à luz do Pluralismo Jurídico de Santi Romano faz uma análise de instituições, fenômenos jurídicos e de princípios norteadores que regem a nação indígena Sateré-Mawé, presente na bacia do rio Amazonas.
Jafé defendeu a pesquisa junto ao curso de Direito na quinta-feira, 8 de dezembro, sob orientação do professor Arno Dal Ri Jr. Fruto de uma linhagem de liderança entre os Sateré-Mawé, Ywania Sateré (U’T), ele escolheu a UFSC para fazer sua faculdade, tornando-se o primeiro bacharel em Direito do seu povo. Participaram da banca os professores Antonio Carlos Wolkmer, Diego Nunes e Mariana Malacrida.
O objeto de estudo de Jafé Sateré, recentemente aprovado para dar seguimento à pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Direito, são as normas consuetudinárias, que dizem respeito aos costumes de um povo. “Dentre os 305 povos indígenas existentes, com as mais de 270 línguas indígenas, o povo Sateré-Mawé, é constituído, por assim dizer, de um ordenamento jurídico próprio de caráter não estatal segundo os seus costumes e tradições”, sinaliza o estudo.
De acordo com o pesquisador, no caso dos Sateré-Mawé, as normas são executadas milenarmente por intermédio dos rituais. “O direito originário está demarcado na memória dos ancestrais. E como direito originário, como o primeiro direito, temos o direito à terra”, exemplifica.
No caderno de campo que construiu sua pesquisa, baseada em intensa entrevista e observação in loco na Andirá-Marau, o acadêmico registrou que os Sateré-Mawé estão em locais ricos em biodiversidade, o que faz com que sejam mais do que defensores do meio ambiente e guardiões da floresta: eles detêm o conhecimento pleno sobre a fauna e flora por permanecerem na Terra.
“A vida, a cosmologia, a terra, e todos os saberes e ciências próprios não são assuntos desconhecidos, pelo contrário há domínio sobre o meio em que vivem. Por esta razão, por serem conhecedores do ambiente territorial onde se localizam, acreditam que o direito originário é o primeiro direito”, indica, no estudo.
De acordo com a pesquisa defendida por ele, a Constituição Federal é um dispositivo que positivou um direito originário, consagrando questões sobre organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Este processo desencadeou na demarcação das terras indígenas. No caso dos Sateré-Mawé, relata Jafé, as terras foram invadidas por uma empresa e houve intensa mobilização nacional e internacional, com a demarcação datada de 1986.
“Existe uma operação política quando você positiva uma norma, pois cria-se um direito à não inclusão. Então, você está positivando e tutelando”, critica Jafé Sateré. Ele se refere ao fato de a Constituição Federal criar uma norma de reconhecimento dos direitos indígenas, mas ao mesmo tempo colocá-los como indivíduos que devem ser tutelados pelo Estado, mesmo que já tenham seus próprios costumes, tradições, rituais, ordenamento jurídico próprio e modos de vida.
Guaraná (Waranã)
Os Sateré-Mawé são os originadores da cultura do Guaraná, são os filhos do Guaraná, que está presente no mito de origem do povo, descrito na monografia de Jafé Sateré. O protagonismo da fruta também está presente em rituais milenares que os Sateré-Mawé realizam como práticas dos costumes e das tradições. Tais rituais e protocolos são vistos como fonte de normas jurídicas consuetudinárias igualmente abordadas na pesquisa do acadêmico.
Um deles é o denominado Wará, que demanda lideranças para constituição de um conselho ou reunião, como descreve o trabalho. Durante este ritual, pronunciamentos a respeito do trabalho são executados e procedimentos e atividades assentados e deferidos. “O ritual do Wará faz jus ao ofício de chancela na tomada de decisão de quaisquer que fossem os planejamentos acertados entre o conselho ou reunião”, descreve.
Qualquer que seja as tomadas de decisões, a cuia de sapó – bebida tradicional que consiste na guaraná ralado num recipiente – é simultaneamente repassada para os participantes do conselho de pajés. “Disso temos que o ritual do Wara obtém êxito de validade e de eficiência como fonte originária regulamentadora de protocolos que antecedem as tomadas de decisões”.
O trabalho também descreve o Puretig, que segundo os Sateré-Mawé é frequentemente tratado como sendo uma Constituição. Jafé escreve que “esta peça é de grande relevância no sistema político, social e cultural, assim como no ordenamento jurídico não estatal deste povo originário”. O Puretig é materializado numa espécie de remo sagrado – peça de madeira com aproximadamente 1,50m de altura, com desenhos geométricos gravados em baixo relevo, recobertos com tinta branca, a tabatinga. “Neles estão gravados o que deve ser seguido de forma abstrata e de cunho moral para a sociedade Sateré-Mawé”, explica na pesquisa.
No estudo, o pesquisador também faz uma distinção entre os princípios jurídicos – que são conjunto de fatores ou de elementos essenciais que satisfazem as ordem dos rituais Sateré-Mawé -, e os ritos, que são considerados nulos e sem fundamentos e objetivos não fossem esses princípios. “O ordenamento que a monografia traz tem caráter moral, de vivência, das condutas que são praticadas diariamente”, explica.
O trabalho de Jafé também foi de cunho antropológico, sociológico e histórico quanto ao seu povo. Ele precisou entrevistar lideranças tradicionais para recuperar e traduzir em linguagem científica, técnico-jurídica, registros normativos consuetudinário que passavam de geração para geração oralmente ou pela experiência.
Liderança
Jafé Ferreira de Souza, ou Jafé Sateré como é conhecido, é uma liderança tradicional da nação Sateré-Mawé e também um embaixador do seu povo, por conta do caminho de cerca de 3 mil quilômetros que separam Florianópolis da região de Parintins e da aldeia onde nasceu, Ponta Alegre, no estado do Amazonas. Ele, que chegou a estudar Engenharia da Computação na Universidade Estadual do Amazonas, mas desistiu por conta da inclinação às Ciências Jurídicas, escolheu a UFSC após uma pesquisa sobre as instituições brasileiras que eram referência no ensino de Direito.
A importância da família e também da comunidade na sua formação foram fundamentais para a construção da monografia. Jafé fala com muito orgulho sobre a construção da liderança do seu pai, João Sateré, que estudou até a quarta série do Ensino Fundamental, mas percorreu o mundo representando seu povo e o movimento indígena. “Meu pai é um sábio do nosso povo, esteve à frente de muitas lutas, inclusive em nível nacional e internacional. Ele foi um dos fundadores do movimento indígena do Amazonas. Isso me possibilitou um salto maior nos estudos”, conta.
O acadêmico sente orgulho de ser formado por meio das políticas de ações afirmativas e, durante o percurso na universidade, teve participação em diversas ações e políticas internas: participou de palestras, grupos de estudo, atividades estudantis, congresso de direito. Também integrou o movimento indígena na universidade. Além de ter estagiado em órgãos do Judiciário, ele também participou de atividades de monitoria para indígenas e quilombolas da UFSC.
Já aprovado no mestrado, em que pretende dar continuidade na pesquisa e estudar as normas consuetudinárias do povo Sateré-Mawé com ênfase questões criminais, ele tem o objetivo de, brevemente, prestar o concurso da Ordem dos Advogados do Brasil. Ser juiz federal também está entre os seus planos.
Em 2019, ele participou de um dos episódios do Vida UFSC. “A gente acredita que a grande arma que temos hoje seria a interpretação das leis, porque geralmente algo vem de cima para baixo e não de baixo para cima”, indicou. Hoje, prestes a se tornar o primeiro jurista Sateré-Mawé, está pronto também para apresentar o resultado dos anos de atividade acadêmica e de imersão ao seu povo.
FONTE: Agecom/UFSC