Entrevistas Dia dos Povos Indígenas 2024
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Acesse as entrevistas com a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara; Eliane Potiguara, primeira indígena a publicar um livro no país; Joenia Wapichana, presidente da FUNAI: o escritor Daniel Munduruku e Rosa Colman, demógrafa.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/tags/entrevistas-dia-dos-povos-indigenas-2024
DIVERSIDADE DE EXPRESSÕES CULTURAIS NA ERA DIGITAL
Publicação de 2016 da USP e Universidade de Rouen trata o tema da diversidade das expressões culturais na era digital e visa organizar e articular as contribuições escritas e vídeos selecionados para serem explorados da melhor maneira possível para o progresso da reflexão sobre o tema.
Esta é uma das obras que dialoga com o Grupo de Reflexão da UNESCO sobre a Diversidade de Expressões Culturais no Ambiente Digital no qual o Prof. Gilvan M. de Oliveira, fundador do IPOL, ingressou agora em 2024.
Fruto da cooperação de Lilian Richieri Hanania (CEST / Universidade de São Paulo (USP), Brasil) e Anne-Thida Norodom (ver minibiografia) (CUREJ / Universidade de Rouen, França), a obra “DIVERSIDADE DE EXPRESSÕES CULTURAIS NA ERA DIGITAL” visa contribuir para a compreensão do tema da diversidade das expressões culturais na era digital e para a reflexão sobre as medidas e políticas mais apropriadas para responder aos desafios e oportunidades relativos a esse tema.
Ela reúne estudos teóricos, documentos de opinião, estudos de casos e testemunhos de projetos e iniciativas práticas que, fundados em disciplinas diversas (direito, economia, ciências políticas e sociais, jornalismo, tecnologias da informação, engenharia)5, demostram como as novas tecnologias podem ser usadas para proteger e promover a diversidade das expressões culturais. Obra multidisciplinar trilíngue (francês, inglês e português), ela tem também como objetivo o de contribuir para a diversidade linguística online.
Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia (CEST)
e aqui os anexos…
https://www.teseopress.com/diversidadedeexpressoesculturaisnaeradigital/part/docs/
Saiba mais puxando a rede IPOL
. O que significa “diversidade de expressões culturais dentro do reino digital” Segundo Lilian Richieri Hanania ( http://www.cest.poli.usp.br/pt/interviews-lilian-richieri-hanania/lilian-2/)
A expressão “diversidade de expressões culturais”, conforme foi empregada na Convenção da UNESCO de 2005 sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (CDEC), refere-se a um aspecto específico da diversidade cultural: a diversidade de oferta de conteúdo cultural em todos os níveis da cadeia de valores artística (criação, produção, difusão, distribuição e acesso). Ela implica em permitir trocas ricas e equilibradas de bens e serviços culturais vindos de várias origens – não importando quais tecnologias foram usadas para fornecê-las – nos níveis local, nacional, regional e internacional. Alcançar a diversidade de expressões culturais no reino digital significa, portanto, que o conteúdo cultural digital criado, produzido, disponibilizado e efetivamente acessado pelos consumidores é culturalmente diverso.
“Garantir a diversidade de expressões culturais, seja em um ambiente digital ou não, requer um engajamento ativo dos Estados e da sociedade civil.”
Doutora Lilian Richieri Hanania é advogada e doutora em Direito Internacional pela Universidade Paris 1 – Panthéon-Sorbonne e pesquisadora do CEST. Na entrevista, ela aborda o contexto e a importância de promoção da diversidade das expressões culturais online.
A entrevista (somente em inglês) foi originalmente publicada em «Kulturelle Vielfalt Online. Im Spannungsfeld zwischen UNESCO, TTIP und Netzgiganten – Interview mit Lilian Richeri Hanania » (Cultural Diversity Online. Between UNESCO, TTIP and net giants – an interview with Lilian Richeri Hanania), in Österreichische UNESCO-Kommission, Jahrbuch 2015/Annual Report 2015, Agnes & Ketterl GmbH, Mauerbach/Vienna, ISBN: 978-3-902379-03-0.
. Assista também a entrevista gravada em junho de 2023: https://www.youtube.com/watch?v=oZag5NHtHL8
Entrevista com o Lilian Richieri Hanania, sobre cultura digital internacional, por Vera Queiroz
Outras publicações:
. Diversidade Cultural. Políticas, Visibilidades Midiáticas e Redes – Coleção Cult.
É objetivo deste livro: reunir e difundir abordagens diversas sobre a questão da diversidade cultural, como fruto do trabalho de vários pesquisadores e seus grupos de pesquisa. Esta coletânea reúne 12 artigos acadêmicos de pesquisadores, a maioria brasileira, mas também da Espanha e dos Estados Unidos. Por meio das reflexões destes autores, que perpassam aspectos de mídia, audiovisual, redes, tecnologias, patrimônio e políticas públicas, obtemos um escopo da diversidade cultural em diversos âmbitos.
. UNESCO Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, 2005
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000150224
O NOSSO TERRITÓRIO É O MUNDO TODO – entrevista com Francy Baniwa
Desde o início deste semestre, nós, do Grupo de Comunicações da Comunidade Selvagem, temos nos encontrado quinzenalmente para desenhar, juntos, caminhos de criação e partilha inspirados no que o Ciclo de Estudos movimenta em nossas vidas. Para além de ecoar os conteúdos articulados e transmitidos, percebemos que o desejo coletivo apontava para a criação de relações e vínculos, e vislumbramos o blog como um canal por onde transitar o que emerge das experiências de convivência com o Selvagem.
A frente de entrevistas com a constelação Selvagem foi uma das ativações que animou nossos trabalhos. Ela surgiu da ideia de troca direta entre a Comunidade e as pessoas que compartilham seus conhecimentos através de conversas, livros, ciclos, cadernos e outras criações do Selvagem; foi uma das sementes que cultivamos com mais dedicação e esta entrevista é o primeiro florescimento deste cultivo.
Francy Baniwa, conhecida por seu povo como Hipamaalhe, aceitou nosso convite, dando forma ao sonho de coroar o semestre com a publicação de nossa primeira entrevista. Antropóloga indígena rio-negrina, autora do livro Umbigo do Mundo, Mitologia, Ritual e Memória Baniwa Waliperedakeenai – escrito a partir das narrações de seu pai, Francisco Fontes Baniwa -, lançado pela Dantes Editora em 2023 – obra que vem conduzindo os estudos transversais do Selvagem ao longo dos últimos meses.
Nos debruçamos sobre a teia de produções que ecoam da presença de Francy: entrevistas, trabalhos acadêmicos, registros audiovisuais, e, é claro, seu livro. Estamos em diferentes cantos do Brasil e, desde nossas casas, realizamos uma série de encontros virtuais para conversar, interagir com o que Francy nos trazia e também para elaborar um roteiro, já que essa seria a primeira vez de muitos de nós no papel de entrevistadores e de todos nós em uma entrevista coletiva.
Em 20 de junho, dia da conversa, conforme combinado, cada um trouxe um chá para a roda virtual. Abriu-se um tempo e espaço de troca fluida, tempo de convívio. Sentados, sonhamos e navegamos na força das narrativas e presença da nossa entrevistada. Deixamos aqui o convite para que o leitor também pegue seu chazinho, tome tempo e seja embalado pelas palavras dessa grande contadora de histórias verdadeiras e vivas: Francy Baniwa.
(texto extraído da página selvagemciclo)
O início da entrevista:
Roberto Straub: Você fala de mitologia viva, de viver uma mitologia viva. Este não é o caso da maioria dos seres humanos no planeta. Antes de você entrar na sala, a gente estava conversando justamente sobre esse lugar da fronteira entre as culturas, o limiar entre saberes e o lugar da tradução de mundos; um lugar onde você está. A gente queria que você falasse sobre esse lugar, enquanto mulher indígena que representa e transmite esses saberes, e lida com questões do masculino e do feminino. Você poderia contar mais sobre esse lugar de tradução entre mundos?
Francy Baniwa: É muito importante falar sobre essas mitologias vivas. Por que são vivas? Por que eu digo isso? Por que eu afirmo com tanta segurança que essas narrativas são vivas? Porque elas, de fato, estão todo dia com a gente. Se eu estou doente hoje – o que é o caso -, o meu pai vai pegar um cigarro, vai percorrer o caminho que o Ñapirikoli fez, que Amaro fez para curar aquelas pessoas de outro mundo, naquela época. Meu pai vai fazer o mesmo percurso que eles fizeram pra me curar dessa doença, que é uma doença do mundo. A gente vivencia isso todo dia, porque não tem como você viver uma vida, tentar querer ser branca; pra mim não vai colar isso, eu não vou sair nesse mundo dizendo: “Estou fora do meu território, isso não vai me afetar”.
Siga na leitura com o link:
https://selvagemciclo.com.br/comunicacoes/o-nosso-territorio-e-o-mundo-todo/
Uma trajetória de trabalho na educação escolar indígena, a experiência de Gilvan M. de Oliveira
Em 2013, o professor Gilvan M. de Oliveira, fundador do IPOL (Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Politicas Linguisticas), e então a frente do IILP (Instituto Internacional de Língua Portuguesa) como Diretor Executivo, participou de uma entrevista com o Prof Lino João de Oliveira Neves – Departamento de Antropologia UFAM, fazendo um recorte histórico a partir do primeiro processo de cooficialização de língua a nível municipal quando em 2002, São Gabriel da Cachoeira no Amazonas cooficializou três das línguas faladas no seu território a partir de uma lei ordinária da Câmara de Vereadores: o baniwa, o nheengatu e o tukano, criando assim uma via nova e uma tecnologia social para o reconhecimento do multilinguismo brasileiro.
Gilvan comenta que “a cooficialização de línguas em nível municipal, através de lei promulgada pela câmara de vereadores, é um verdadeiro movimento social no Brasil que conta já com 22 línguas oficializadas em 51 municípios, 13 línguas indígenas e 9 línguas alóctones ou de imigração, em onze estados brasileiros nas regiões norte, centro oeste, sudeste e sul (dados de 2022)”.
Assista a sequencia de 6 vídeos com Gilvan Mûller de Oliveira, Trajetórias na Educação Bilíngue Intercultural Indígena
- Parte 1: Reconhecimento da diversidade linguística do Rio Negro e no Brasil https://youtu.be/cJikLQ1IBzM
- Parte 1: Reconhecimento da diversidade linguística do Rio Negro e no Brasil (Continuação) https://youtu.be/x06Qtw3Qg04
- Parte 2: Vitalidade linguística e promoção do conhecimento https://youtu.be/z4_onKt6HDk
- Parte 2: Vitalidade linguística e promoção do conhecimento (Continuação) https://youtu.be/RMo9BcY7Ebo
- Parte 3: Línguas locais e os desafios da educação diferenciada https://youtu.be/jNRKRBiFPxU
- Parte 3: Línguas locais e os desafios da educação diferenciada (Continuação) https://youtu.be/GFP_bV5QUrA
Para conhecer a Universidade Federal da Amazônia e a Licenciatura, visite as páginas abaixo:
Universidade Federal do Amazonas – UFAM Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL
Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável
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Saiba mais sobre Gilvan M. de Oliveira nesta entrevista publicada na página da Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL (http://www.revel.inf.br/pt),
edição número 14 (http://www.revel.inf.br/pt/edicoes/?id=41)
Link para a entrevista: http://www.revel.inf.br/files/e92f933a3b0ca404b70a1698852e4ebd.pdf
A última entrevista de Guimarães Rosa
POR CARLOS WILLIAN LEITE EM ENTREVISTAS
Publicada em Revista Bula
Eis o homem. O homem que em menos de 20 anos, com sua prosa, seu estilo, sua literatura — sem os favores profissionais da medicina, que pode dar saúde mas ainda não deu gênio (cf. alguns prêmios Nobel), conquistou o Brasil, Portugal, a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos, o mundo, não? Repara no corpo: mau grado as ligeiras ameaças de obesidade, parece atleta, cavaleiro que foi, ou de bandeirante, que da língua é. Vê como está sobriamente elegante, distinto, sorridente, calmo, aristocrata, como convém a um embaixador (ou não estivéssemos num salão do Itamarati). Mas nada da pose ou dos gestos artificiais com que outros tentam iludir a mediocridade. Quem esperou quase quarenta anos para publicar o primeiro livro, ou quem avançou sozinho pelos grandes sertões da língua, não precisa ter pressa nem pedir emprestado um corpo, uma casaca, máscaras.Lá está o lacinho (ou gravata-borboleta, meu chapa?) simetricamente impecável, fazendo pendant com os óculos claros, tão claros que ainda esclarecem mais os olhos sempre inquiridores, atentos. E é curioso como um mineiro de Cordisburgo, a dois passos (brasileiros) da Itabira de Drummond, gosta, ao contrário deste (à primeira vista), de falar, de contar, de ser ouvido. Até nisso parece grande o seu amor à língua. Mal me sentei, já ele me começou a falar de Portugal e de escritores portugueses…
Guimarães Rosa — Estive em Portugal três vezes. Na primeira, em 1938, passei lá apenas um dia; ia a caminho da Alemanha. Na segunda, em 1941, passei lá quinze dias, em cumprimento de uma missão diplomática que me fora confiada em Hamburgo. Na terceira, em 1942, passei um mês, pois estava já de regresso ao Brasil, por causa da guerra.
Durante essas estadas, travou relações ou conhecimentos com alguns escritores?
Guimarães Rosa — Não. Até porque eu ainda não era “escritor” (“Sagarana”, com efeito, só foi publicado em 1946) e o que me interessava mais era contatar com a gente do povo, entre a quais fiz algumas amizades. Gosto muito do português, sobretudo da sua integridade afetiva. O brasileiro também é gente muito boa, mas é mais superficial, é mais areia, enquanto o português é mais pedra. Eu tenho ainda uma costela portuguesa. Minha família do lado Guimarães é de Trás-os-Montes. Em Minas o que se vê mais é a casa minhota, mas na região em que eu nasci havia uma “ilha” transmontana.
Mas não chegou a conhecer Aquilino?
Guimarães Rosa — Conheci Aquilino (Aquilino Ribeiro), mas acidentalmente. Eu entrei numa livraria, não sei qual, do Chiado (presumo que a Bertrand) e, quando pedi alguns livros dele, o empregado perguntou-me se eu queria conhecê-lo, pois estava ali mesmo. Respondi que sim, e desse modo obtive dois ou três autógrafos de Aquilino, com quem conversei alguns instantes. Voltei a estar com ele, mais tarde, num jantar que lhe foi oferecido enquanto de sua vinda ao Brasil. Mas ele, naturalmente, não se recordava de mim (porque eu não me apresentara como escritor), e eu também não lhe falei do assunto.
Não sabe que, justamente numa crônica motivada pela sua ida ao Brasil, Aquilino colocou o seu nome, logo em 1952, ao lado dos de José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Jorge de Lima e Agripino Grieco, que, segundo ele, eram os “notáveis escritores e poetas” que estavam a “encostar a pena contra a lava” que ia no Brasil “sepultando prosódia e morfologia da língua-mater”? Eu creio mesmo que é essa uma das primeiras referências ao seu nome, em Portugal…
Guimarães Rosa — Não sabia dessa curiosa referência do Aquilino. Antes dessa, porém, há uma referência a mim numa publicação do Consulado do Porto, de 1947, feita por não sei quem. Sei de outra referência feita, anos depois, salvo erro, por um irmão de José Osório de Oliveira.
Voltando a Aquilino: acha que recebeu alguma influência dele? Já, pelo menos, um crítico, o mineiro Fábio Lucas, notou alguns “pontos de contato nada desprezáveis” entre a sua obra e a de Aquilino.
Guimarães Rosa — Eu gosto de Aquilino, sobretudo da “Aventura Maravilhosa”, mas não creio que dele tenha recebido alguma influência, a não ser na medida em que sou influenciado por tudo o que leio. A verdade é que antes de 1941 só conhecia de Aquilino um ou dois trechos, como infelizmente ainda hoje sucede em relação à quase totalidade dos escritores portugueses vivos. E, como sabe, “Sagarana”, foi escrito em 1937.
Um garçom do Itamarati entra com um copo de água, e pergunta se precisa mais alguma coisa. Guimarães Rosa agradece e diz: Vá com Deus, como se fosse um beirão ou um transmontano. Mais uma razão, portanto, para eu prosseguir: Como encara ou explica o enorme prestígio de que goza nos meios intelectuais e universitários portugueses?
Guimarães Rosa — Em relação a mim, houve por aqui (no Brasil) muitos equívocos, que ainda hoje não desapareceram de todo e que, curiosamente, ao que parece, não houve em Portugal. Pensaram alguns que eu inventava palavras a meu bel-prazer ou que pretendia fazer simples erudição. Ora o que sucede é que eu me limitei a explorar as virtualidades da língua, tal como era falada e entendida em Minas, região que teve durante muitos anos ligação direta com Portugal, o que explica as suas tendências arcaizantes para lá do vocabulário muito concreto e reduzido. Talvez por isso que ainda hoje eu tenha verdadeira paixão pelos autores portugueses antigos. Uma das coisas que eu queria fazer era editar uma antologia de alguns deles (as antologias que existem não são feitas, como regra, segundo o gosto moderno), como Fernão Mendes Pinto, em quem ainda há tempos fui descobrir, com grande surpresa, uma palavra que uso no “Grande Sertão”: amouco. E vou dizer-lhe uma coisa que nunca disse a ninguém: o que mais me influenciou, talvez, o que me deu coragem para escrever foi a” História Trágico-Marítima” (coleção de relatos e notícias de naufrágios, acontecidos aos navegadores portugueses, reunidos por Bernardo Gomes de Brito e publicados em 1735). Já vê, por aqui, que as minhas “raízes” estão em Portugal e que, ao contrário do que possa parecer, não é grande a distância “linguística” que me separa dos portugueses.
Eu penso até que na imediata e incondicional adesão portuguesa a Guimarães Rosa há muito de transferência sublimada de uma frustração linguística nossa, coletiva, que vem pelo menos desde Eça. Mas não nos desviemos. Admira-me muito que não tenha citado nenhum livro de cavalaria, nem nenhuma novela bucólica, pois pensava que deles e delas havia diversas ressonâncias na sua obra, sobretudo no “Grande Sertão: Veredas”…
Guimarães Rosa — Sim, li muitos livros de cavalaria quando era menino, e, por volta dos 14 anos, entusiasmei-me com Bernardim (Bernardim Ribeiro), e depois até com Camilo. Ainda continuo a gostar de Camilo, mas quem releio permanentemente é Eça de Queiroz (quando tenho uma gripe, faz mesmo parte da convalescença ler “Os Maias”; este ano já reli quase todo “O Crime do Padre Amaro” e parte da “Ilustre Casa de Ramires”). Camilo, leio-o como quem vai visitar o avô; Eça, leio-o como quem vai visitar a amante. Quando fui a Portugal pela primeira vez, eu só queria comidas ecianas (que gostosura, aquele jantar da Quinta de Tormes). Aliás deixe-me que lhe diga que me torno muito materialista quando penso em Portugal; penso logo nos bons vinhos, nas excelentes comidas que há por lá. E talvez seja também por isso que se há um país a que eu gostaria de voltar é Portugal…
… que, naturalmente, o receberá de braços abertos, em festa. Mas permita-me ainda uma pergunta: como “enveredou” — e penso que a palavra se ajusta bem ao seu caso — pelo campo da “invenção linguística?
Guimarães Rosa — Quando escrevo, não penso na literatura: penso em capturar coisas vivas. Foi a necessidade de capturar coisas vivas, junta à minha repulsa física pelo lugar-comum (e o lugar-comum nunca se confunde com a simplicidade), que me levou à outra necessidade íntima de enriquecer e embelezar a língua, tornando-a mais plástica, mais flexível, mais viva. Daí que eu não tenha nenhum processo em relação à criação linguística: eu quero aproveitar tudo o que há de bom na língua portuguesa, seja do Brasil, seja de Portugal, de Angola ou Moçambique, e até de outras línguas: pela mesma razão, recorro tanto às esferas populares como às eruditas, tanto à cidade como ao campo. Se certas palavras belíssimas como “gramado”, “aloprar”, pertencem à gíria brasileira, ou como “malga”, “azinhaga”, “azenha” só correm em Portugal — será essa razão suficiente para que eu as não empregue, no devido contexto? Porque eu nunca substituo as palavras a esmo. Há muitas palavras que rejeito por inexpressivas, e isso é o que me leva a buscar ou a criar outras. E faço-o sempre com o maior respeito, e com alma. Respeito muito a língua. Escrever, para mim, é como um ato religioso. Tenho montes de cadernos com relações de palavras, de expressões. Acompanhei muitas boiadas, a cavalo, e levei sempre um caderninho e um lápis preso ao bolso da camisa, para anotar tudo o que de bom fosse ouvido — até o cantar de pássaros. Talvez o meu trabalho seja um pouco arbitrário, mas se pegar, pegou. A verdade é que a tarefa que me impus não pode ser só realizada por mim.
Guimarães Rosa vai buscar uma fotografia para me mostrar onde levava o caderninho de notas, nas boiadas: vai buscar uma pasta com a correspondência com um seu tradutor norte-americano, para me mostrar as dúvidas e dificuldades deste, e o trabalho, a seriedade e a minúcia com que as vai resolvendo uma por uma (escrevendo, ele próprio, preciosas autoanálises estilísticas ou considerações filológicas). E, entretanto, vai-me fazendo outras confissões interessantes. Por exemplo: “gosto das traduções que filtram. Da tradução italiana do Corpo de Baile gosto mais do que do original.” Ou: “Estou cheio de coisas para escrever, mas o tempo é pouco, o trabalho é lento, lambido, e a saúde também não é muita.” Ou: “Não faço vida literária: como regra, saio daqui e vou para casa, onde trabalho até tarde.” Ou: “No próximo ano, vou publicar um livro ainda sem título, com 40 estórias” (que têm aparecido quinzenalmente, no jornal dos médicos “O Pulso”, onde frequentemente aparecem também cartas ou a atacá-lo ou a defendê-lo ferozmente). Ou ainda: “eu não gosto de dar, nem dou entrevistas. Tenho sempre a sensação de que não disse o que queria dizer, ou que disse mal o que disse, ou que criei maior confusão; e não estou assim tão seguro do que procuro e do que quero. Com você abri uma exceção…”.
Nota: Entrevista realizada pelo escritor e jornalista Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Publicada no livro “Conversas com Escritores Brasileiros”, editora ECL em parceria com o Congresso Portugal-Brasil.