Idiomas do tupi-guarani avançaram pela América do Sul em escala épica
Site Acessa.com
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Os idiomas da família linguística tupi-guarani, que se expandiram pela América do Sul numa escala épica antes da chegada dos europeus, provavelmente surgiram há cerca de 2.500 anos, na região onde hoje fica Santarém, no Pará. A estimativa vem de um novo estudo sobre a “genealogia” dessas línguas, que mapeou seu avanço no tempo e no espaço e o parentesco entre elas.
Diferentemente do que muita gente pensa, o termo “tupi-guarani” não designa um único idioma, mas um grupo que engloba cerca de 40 línguas ainda faladas hoje e pelo menos mais uma dezena de idiomas extintos. Antes da invasão europeia, falantes dessas línguas tinham se expandido num raio de 4.000 km dentro da América do Sul.
Essas comunidades podiam ser encontradas da foz do rio da Prata, entre o Uruguai e a Argentina, até a atual Guiana Francesa. Segundo Gerardi, de modo geral, a semelhança entre os idiomas da família, apesar dessa distribuição geográfica tão ampla, era comparável à que existe entre os idiomas da família românica (o que inclui o português e seus “primos” –espanhol, italiano, francês, romeno e várias outras línguas com menos falantes).
“Você percebe que muitos aspectos da origem comum se mantiveram em diversas línguas que estão separadas há muito tempo. Há relatos sobre uma etnia do Maranhão que conseguia entender em parte o que falavam indígenas da fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, por exemplo”, diz ele.
Apesar desse relativo conservadorismo, é inevitável que, com o passar dos séculos, as línguas descendentes de um ancestral comum comecem a divergir. Em parte, isso acontece pelo contato com idiomas de outras famílias linguísticas.
“No processo de expansão, isso certamente aconteceu com frequência, porque cada vez mais a gente tem percebido que não existiam vazios de população no Brasil antes da chegada dos europeus. Ou seja, por onde passaram, os falantes da família tupi-guarani foram encontrando outros indígenas”, afirma o pesquisador. Assim, ocorrem empréstimos –como “futebol”, palavra de origem inglesa, no nosso idioma.
Há vários outros processos de mudança linguística, como as transformações do som das palavras ao longo do tempo. É por isso que hoje dizemos “eu” e os espanhóis, “yo” — e não “ego”, como os antigos romanos.
Esse último detalhe é a chave da metodologia utilizada pelos pesquisadores. Eles montaram uma grande lista com centenas de possíveis cognatos, isto é, palavras que, apesar dessas mutações de som, muito provavelmente descendem de uma mesma palavra ancestral comum na origem da família tupi-guarani. O processo de sobrevivência ou desaparecimento desses cognatos ao longo das diferentes línguas da família é usado para tentar inferir a árvore genealógica da família como um todo.
Por exemplo, a palavra para “morcego” em tupinambá (também conhecido como tupi antigo) é “anira”; em wayampi, “anila”. Mas em guarani o termo é “mopi”; em kaiowá, “mbopiri” –o que indica uma “mutação”, semelhante à do DNA, na divergência entre o ancestral dos dois pares de línguas.
Após testar várias possibilidades, os pesquisadores acabaram optando por montar a árvore genealógica dos idiomas do grupo usando o que se costuma chamar de “relógio relaxado” –uma espécie de “tique-taque” que mede a taxa de transformações das línguas ao longo do tempo.
Mais uma vez, trata-se de uma ideia emprestada da biologia evolutiva. O “relógio relaxado” considera que os diferentes ramos da árvore podem evoluir em ritmos muito diferentes, explica Tiago Tresoldi, coautor do estudo ligado à Universidade de Uppsala (Suécia). “É a expressão de uma família que teve uma rapidíssima expansão em alguns ramos, mas que ainda é relativamente muito jovem e menos diferenciada”, diz ele.
A análise produziu uma árvore com três grandes subdivisões e um processo de expansão que só decola mesmo séculos depois da origem da família, a partir de 1.700 anos atrás. O aparente berço do grupo, entre os cursos altos dos rios Tapajós e Xingu e perto de Santarém, é interessante porque a região acabaria sendo palco da formação de grandes aldeias e estilos requintados de arte em cerâmica séculos depois. As coisas estariam ligadas de alguma forma?
Segundo Gerardi, ainda é cedo para dizer o que exatamente estaria acontecendo ali para impulsionar a expansão tupi-guarani, mas já se sabe que a região abrigava uma confluência de diferentes povos com papel importante na pré-história amazônica. Uma hipótese é que os membros da família linguística tenham combinado a criação de um pacote agrícola ideal para o cultivo de plantas de floresta tropical com uma ideologia guerreira que facilitou seu confronto com outras etnias ao longo dos séculos.
Leia diretamente na fonte: https://www.acessa.com/noticias/2023/12/189653-idiomas-do-tupi-guarani-avancaram-pela-america-do-sul-em-escala-epica.html
Puxando a Rede com IPOL:
. Acesse o artigo do PLoS ONE journal: Lexical phylogenetics of the Tupí-Guaraní family: Language, archaeology, and the problem of chronology
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0272226
. Avanço épico dos idiomas Tupi-Guarani pela América do Sul
https://revistacenarium.com.br/avanco-epico-dos-idiomas-tupi-guarani-pela-america-do-sul/
. Siga o pesquisador Fabricio Ferraz Gerardi: https://twitter.com/fabricioicirbaf. O autor repostou uma mensagem da pesquisador Tábita Hünemeier (twitter: @hunemeier_t) : “Check out our review of the complex dynamics surrounding the Tupi expansion, one of the greatest demographic movements in the late Holocene of America and arguably one of the least studied / Confira nossa análise da complexa dinâmica em torno da expansão Tupi, um dos maiores movimentos demográficos do final do Holoceno da América e, sem dúvida, um dos menos estudados.”
Acesse o artigo em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajpa.24876
. Publicação em LA NACION – La milenaria trayectoria del idioma guaraní
Meu nome e eu mesmo
Artigo | O doutorando em Desenvolvimento Rural Ayawovi Djidjogbe Fanho explica como se dá a escolha de nomes na cultura Ewé, na África Ocidental, e o que isso representa em termos identitários e sociais
*Por: Ayawovi Djidjogbe Fanho
*Ilustração: Marina Brandão/IA-UFRGS
Nas próximas linhas, vou falar sobre um dos elementos fundamentais que, ao longo dos anos, moldaram, enriqueceram e tornaram única a cultura Ewé – situada na região adjacente ao Golfo da Guiné, na África Ocidental, na parte sul de Togo, Gana, Benim e regiões vizinhas. Ao compartilhar essas informações, pretendo promover um diálogo intercultural mais esclarecido, destacando as muitas facetas que caracterizam cada sociedade e incentivando a abertura de espírito em relação a diferentes modos de vida, tradições e crenças. Em suma, este texto faz parte de um esforço para salvaguardar uma cultura que corre o risco de desaparecer, ao mesmo tempo que contribui para uma consciência mais profunda de nosso patrimônio cultural.
Permitam-me que me apresente como Ayawovi Djidjogbe Fanho, cidadão da República do Togo, na África Ocidental. Pertenço ao grupo étnico Ewé, que é o idioma predominante no país. E também um dos idiomas mais falados na sub-região.
Na tradição Ewé, a escolha dos nomes é uma oportunidade de destacar a conexão entre a natureza, a história, a personalidade e as aspirações da família. Os nomes são cuidadosamente escolhidos para refletir os valores e as esperanças que a família tem para a criança. Eles também podem ser influenciados por eventos históricos importantes, lembrando as lições e os triunfos do passado. Traços de personalidade e qualidades espirituais também são levados em conta nessa escolha.
Deve-se observar que, na tradição cultural dos Ewé, o nome de uma pessoa é composto tanto pelo sobrenome quanto pelo nome. Como de costume, é comum ver uma pessoa com dois nomes. Essa dupla escolha reflete a importância atribuída à identidade e a riqueza dos nomes nessa comunidade. Essa é uma maneira de dar uma dimensão mais profunda e significativa à nomeação e transmitir valores importantes às gerações futuras.
Siga a leitura do artigo diretamente na fonte:
https://www.ufrgs.br/jornal/meu-nome-e-eu-mesmo/
Pacto pela Primeira Infância em prol da educação indígena em Roraima
TCE e UFRR celebram pacto pela Primeira Infância
Acordo de cooperação técnica entre as instituições pretende realizar um diagnóstico da educação indígena em Amajari, Uiramutã e Normandia
Acordo de cooperação técnica entre as instituições pretende realizar um diagnóstico da educação indígena em Amajari, Uiramutã e Normandia
Realizar um diagnóstico da educação escolar indígena nos municípios de Amajari, Uiramutã e Normandia para implementação da política da primeira infância é o que visa o acordo de cooperação técnica firmado entre a Universidade Federal de Roraima e o Tribunal de Contas de Roraima, nesta sexta-feira (01). As duas instituições já são parceiras nas ações pela Primeira Infância desenvolvidas pela Corte de Contas.
Uma comitiva da universidade formada pelas doutoras Iana Vasconcelos, Simone Batista, e pelo doutor Maxim Repetto, esteve reunida com a coordenadora do GT Pela Primeira Infância do TCERR, conselheira Cilene Salomão, para apresentação e aprovação da minuta do acordo e do plano de trabalho. A vigência do acordo vai até 2025.
A demanda por um diagnóstico específico surgiu da necessidade de aperfeiçoamento na implementação da política da primeira infância, em especial por meio do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI), documento-lei que expressa o compromisso dos municípios com a primeira infância. O recorte escolhido para o trabalho se deu por serem, estes três municípios, reconhecidos por suas especificidades devido à quantidade de povos e pessoas indígenas que lá vivem, conforme o censo do IBGE de 2022.
“uma das questões é o aspecto sociolinguístico. (…) dentro da educação básica (indígena), língua materna é uma disciplina, ou seja, eles têm aula de macuxi, wapichana, ingarikó, e se você começa na primeira infância a ter contato com professores que não trabalham língua materna, você deixa de reforçar esse conhecimento desde o início e isso vira um obstáculo”, reforça.
Segundo ela, por outro lado, as comunidades sentem a necessidade de ter a inclusão da política da primeira infância visto que ela cria a obrigatoriedade de acesso a alguns benefícios econômicos e sociais.
Desdobramentos
A ideia, conforme a conselheira, é produzir a partir desta experiência um trabalho consistente que possa, posteriormente, gerar subsídios para orientação dos agentes públicos e sociedade civil em todo o estado. Cilene informou ainda que o Unicef já se disponibilizou a contribuir especificamente nas áreas de saúde, assistência e proteção contra violência e abusos.
Para os representantes das duas instituições, com a implantação e implementação dos planos no estado de Roraima, cabe questionar como essa política vem sendo aplicada dentro do contexto indígena, e identificar os desafios para implementação de políticas educacionais da primeira infância específicas e diferenciadas.
Leia diretamente na fonte:
Puxando a rede:
MAIS DE 100 GESTORES PARTICIPAM DE OFICINA DE REALINHAMENTO
Nesta quarta-feira (30/08) foi a vez da segunda etapa da oficina de realinhamento dos planos municipais da primeira infância, realizada pelo Instituto da Infância (Ifan), que vai até amanhã. Estiveram presentes mais de 80 gestores, entre servidores e secretários das secretarias de educação, saúde, assistência social e conselhos, de sete municípios da região norte do estado: Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Cantá, Normandia, Pacaraima e Uiramutã.
Siga a leitura no link: https://www.tcerr.tc.br/portal/noticia/2164
Pacto pela Primeira Infância: iniciativas fortalecem defesa dos direitos das criança
Publicado em 4 de agosto de 2023 Fonte Notícias CNJ / Agência CNJ de Notícias
A articulação pela defesa dos direitos das crianças está ampliando as áreas engajadas em garantir que questões que afetam meninos e meninas na primeira infância (de zero a seis anos de idade) sejam prioridade absoluta. A partir da mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Pacto Nacional pela Primeira Infância, órgãos do Judiciário, do Executivo e do Legislativo estão trabalhando juntos para costurar uma política de cuidado efetivo e eficiente.
Lançado há quatro anos pelo CNJ, o Pacto Nacional pela Primeira Infância reforçou a necessidade de que as instituições públicas e privadas cumpram o que está previsto no Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Constituição Federal. Nesse sentido, os signatários do Pacto – que já soma mais de 300 instituições envolvidas – vêm debatendo maneiras de atender as necessidades da infância brasileira em várias áreas de atuação e em todos os níveis de governo.
“O Pacto veio mostrar que precisamos de união para favorecer o cuidado integral e reconhecer as crianças como sujeito de direito, de fato”, destacou o presidente do Fórum Nacional da Infância e Juventude (Foninj/CNJ) e conselheiro do CNJ Richard Pae Kim, um dos idealizadores da iniciativa.
A estratégia de articulação promovida pelo Pacto começou em âmbito federal, com a organização de cursos de capacitação, levantamento de dados e produção de um panorama da situação da infância e juventude do país. Agora, os signatários estão se reunindo na esfera estadual e na municipal, para tratar as demandas específicas de suas localidades.
Realidades locais
No Amapá, por exemplo, a Justiça estadual assinou um acordo de cooperação técnica e operacional para a defesa dos direitos, no aperfeiçoamento das políticas públicas e na busca por mais dignidade para as crianças na primeira infância. Além do TJAP, também assumiram o compromisso o governo estadual, a Assembleia Legislativa, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Tribunal de Contas do Estado e a Associação dos Municípios do Estado do Amapá. O Pacto Estadual de forma articulada surgiu para assegurar direitos como saúde, educação, alimentação adequada e outros.
A iniciativa atende às orientações da Resolução CNJ n. 470/2022, que instituiu a Política Judiciária Nacional para a Primeira Infância. De acordo com o presidente do TJAP, desembargador Adão Carvalho, a cooperação interinstitucional precisa gerar resultados positivos, por meio de ações eficazes, “porque as crianças estão crescendo e não esperam”.
Texto: Lenir Camimura / Agência CNJ de Notícias
Siga a leitura em: https://www.cnj.jus.br/pacto-pela-primeira-infancia-iniciativas-fortalecem-defesa-dos-direitos-das-criancas/
O que é o Pacto Nacional pela Primeira Infância
Iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2019, o Pacto Nacional pela Primeira Infância integra mais de 270 signatários, que formam uma rede de proteção à criança no Brasil.
O CNJ desenvolve um projeto denominado “Justiça Começa na Infância”, com o objetivo de fortalecer a atuação do Sistema de Justiça na promoção de direitos para o desenvolvimento humano integral, em articulação com os signatários do Pacto Nacional pela Primeira Infância. Saiba mais seguindo o link:
https://portal.tce.go.gov.br/o-que-e-o-pacto-nacional-da-primeira-infancia
Berço da 1ª língua indígena de sinais, MS quer tradutor em locais públicos
Após oficialização da língua de sinais Terena, MS aguarda registro como língua de instrução para garantir direito a tradução em escolas
atualizado
Símbolo dos povos da etnia Terena, a primeira língua indígena de sinais oficial do país, registrada pelo governo do Mato Grosso do Sul (MS), aguarda o reconhecimento como língua de instrução pelo Conselho Estadual de Educação. Caso aprovada, a medida garantirá aos indígenas surdos o direito a um tradutor no próprio idioma em locais públicos, como escolas e postos e saúde.
O Brasil tem mais de 270 línguas indígenas identificadas no país, das quais 17 estão oficializadas. Em termos de linguagem de sinais, as mais famosas são a Ka’apor, de aldeias tradicionais do Maranhão; e a Terena, de Miranda (MS), a primeira a ser registrada em território brasileiro.
Ou seja, os descendentes de povos originários com alguma deficiência auditiva ou na fala, que entendem apenas o próprio idioma, têm dificuldades de acesso a escolas, instituições públicas e hospitais, por não haver tradutor capacitado para atendê-los.
Saiba mais puxando a Rede:
Artigo: A DESCOBERTA DOS SINAIS TERENA NO MATO GROSSO DO SUL: VALORIZANDO A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO BRASIL
Artigo na Revista Njinga & Sepé: https://revistas.unilab.edu.br/index.php/njingaesape/article/view/690/361
Na vanguarda da inclusão, nasce em MS a primeira língua indígena de sinais oficial
Portal do Governo de Mato Grosso do Sul – 27/julho/2023
Elcio, Everton, Maria Eliza. Dos sete filhos de dona Ondina, mulher indígena da etnia terena, nascida e criada na Aldeia Cachoeirinha, em Miranda, estes três são surdos.
A descoberta veio pelas mãos das crianças ainda bebês. Quando, em vez de falarem, apontavam para o que queriam, nascia ali uma língua de sinais caseira, que viria a ser a língua terena de sinais oficializada.
É no galpão anexo à Igreja Católica, construída em 1931, na Aldeia Cachoeirinha, que as mãos falam e os olhos ouvem no III Encontro de Terena Surdos, resultado da luta de Ondina pelo respeito à cidadania dos filhos, e que hoje se estende a toda comunidade surda da região.
“Já passei por muitos obstáculos junto com os meus filhos. Já passei frio, passei fome, já chorei, já chorei muito. Fui discriminada junto com eles e sei o quanto a sociedade tem um olhar preconceituoso contra eles por serem surdos e indígenas. Por esse motivo que estou nesta luta e, enquanto eu estiver viva, nunca vou me calar diante dos preconceitos e discriminação contra qualquer indígena surdo”, se compromete Ondina Antônio Miguel, de 57 anos.
O tema do III Encontro é sobre educação e linguística dos indígenas terena surdos e acontece a 100 metros de onde a família de Ondina sofreu a primeira discriminação, 20 anos atrás. Por não ter intérprete de língua de sinais, a escola da comunidade avisou que não teria condição de dar aula para Elcio, o filho mais velho de Ondina.
A mãe não se cansa de contar a história. Durante quatro anos a educação do filho ficou suspensa. Ele não ia à escola, até que a família foi levada à cidade para procurar acolhimento e estudo.
Na terceira porta que Ondina bateu, a direção da escola não só aceitou as crianças como abraçou a família trazendo-os inclusive para fazer exames em Campo Grande. Ainda assim, era preciso percorrer diariamente 30 quilômetros contando ida e volta da aldeia para a cidade.
“Meu filho Elcio concluiu o Ensino Médio, se mudou para Campo Grande em busca de mais oportunidades. O Everton também concluiu o Ensino Médio e atualmente está morando comigo. A Maria Eliza seguiu o seu caminho, estudou, casou-se com um surdo e tem dois filhos fluentes em Libras, eles moram em Campo Grande. Eu, como mãe, sigo batalhando por eles para continuarem estudando e realizarem os seus sonhos. Eu não perco a esperança porque sei que eles são capazes”, ressalta a mãe.
Ondina hoje é falante de quatro línguas, a terena e a língua portuguesa, a língua terena de sinais e Libras (Língua Brasileira de Sinais). Mas, para que ela aprendesse a Libras, e os filhos não deixassem de usar a língua terena de sinais, foi preciso unir muitas mãos num trabalho pela inclusão.
Da reivindicação ao direito linguístico
Em 2007, os caminhos de Ondina e Denise Silva se cruzaram, durante o doutorado da professora, hoje pós-doutora em Linguística, técnica da SED (Secretaria de Estado de Educação), representante da Unesco no Estado e atuante em três frentes para a preservação das línguas indígenas.
“Um dia cheguei na aldeia e ela me falou da dificuldade que estava tendo em se comunicar com os filhos, porque ela falava, eles não entendiam e estavam se isolando. Fui tentar entender, e o que estava acontecendo é que quando o surdo aprende Libras ele automaticamente deixa estes sinais caseiros de lado”, explica Denise.
Como a convivência dos três filhos de Ondina se dava mais tempo na escola do que em casa, eles passaram a sinalizar Libras e escrever o português com a gramática da língua de sinais. “Temos línguas coexistindo ali, e eles não conseguiam estabelecer uma comunicação. Não era um problema emocional, nem rejeição, e sim uma dificuldade de comunicação”, pontua a técnica da SED.
Do encontro à oficialização da Língua Terena de Sinais
O contexto foi levado ao doutorado e uma união de esforços e movimentos se concentrou em fazer com que não só a família de Ondina, mas todos os demais indígenas surdos tivessem o direito linguístico garantido. Das discussões sobre o acesso à educação e o espaço na sociedade surgiram os encontros de surdos terena, que contaram com a participação de Shirley Vilhalva, professora indígena surda, doutoranda em Linguística Aplicada e professora titular da UFMS.
Shirley é pesquisadora e atua desde os anos 1990 com Libras, indígenas surdos e língua de sinais indígenas. “No passado eu fui muito contra os alunos saírem da aldeia e vir para a cidade porque parecia que ocorria um desligamento cultural. O trabalho tem que ser dentro da aldeia, por isso hoje estou muito emocionada, porque o grupo conseguiu a oficialização da língua terena de sinais. Estou extremamente feliz com o nosso trabalho”, sinaliza em Libras.
Com a proclamação da Década Internacional das Línguas Indígenas (International Decade of Indigenous Languages – IDIL 2022-2032), constituída pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o Governo do Estado desenvolve o Plano Estadual para a Década das Línguas Indígenas como forma de preservar a cultura das comunidades que vivem em Mato Grosso do Sul.
Dentro da ação da Unesco, os olhos do mundo se voltam ao trabalho iniciado em Miranda, primeira cidade do Brasil a co-oficializar uma língua indígena de sinais, a LTS (Língua Terena de Sinais) em decreto publicado no mês de abril deste ano. Na prática, o município tem como línguas oficiais o português, Libras, terena falada, terena de sinais e kinikinau.
A língua terena de sinais já está reconhecida como língua tanto dentro da academia quanto como política local. O próximo passo é reconhecê-la como língua de instrução, processo que está em tramitação no Conselho Estadual de Educação.
Movido pela força de Ondina, a mãe que segue na luta pela inclusão dos surdos terena, o trabalho de toda uma rede composta pela Secretaria de Estado de Educação, Coordenadoria de Modalidades Específicas, CAS (Centro de Apoio ao Surdo), UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), UFPR (Universidade Federal do Paraná) e Ipedi (Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural), não para.
Subsecretária de Políticas Públicas para a Pessoa com Deficiência, Telma Nantes de Matos, ressalta que a palavra do evento é a cidadania.
“Uma mãe que mostrou sua luta, determinação e a importância da inclusão. Hoje nós vivemos um momento de um governo que fala em cidadania, que fala em direitos humanos, garantia de direitos, um governo inclusivo que não deixa ninguém pra trás, que é próspero que se propõe a contribuir com a inclusão das pessoas com deficiência, em especial dos indígenas surdos”, enfatiza Telma.
Pioneirismo sul-mato-grossense
No III Encontro de Surdos Terena foi lançado o primeiro curso do País de formação de tradutores e intérpretes de língua terena de sinais, que será feito através do programa de educação a distância usando a plataforma “Universidade Aberta” da UFPR.
A proposta é ofertar o curso de tradução e intérprete de língua terena de sinais, e posteriormente o de práticas de língua terena de sinais. A formação faz parte do Plano Estadual para a Década das Línguas Indígenas, desenvolvido pela Coordenadoria de Modalidades Específicas da SED voltado para a comunidade terena de Miranda, estudantes e professores.
“Não que os indígenas surdos não vão aprender a Libras, mas ela é uma língua de comunicação para fora da aldeia. Aqui na comunidade eles precisam ter essa comunicação especial como no caso com a mãe, com os irmãos, visto que o indígena vai pra escola, vai pra cidade e aprende libras, a comunidade não”, resume Denise Silva.
Pioneira no Brasil, a proposta da formação de Mato Grosso do Sul servirá de exemplo para todos os estados. “Esta metodologia que estamos fazendo aqui vai servir de precedente inclusive para os povos do Amazonas, do Acre, Pará, Xingu, que estão isolados, para que consigam ter acesso ao direito linguístico, que antes de tudo é um direito humano”, especifica a professora e técnica da SED, Denise Silva.
Sem uma legislação na qual se espelhar, a ação inovadora vem sendo construída a partir de escutas e pesquisas envolvendo as universidades, Secretaria de Estado de Educação e a população que será beneficiada: a comunidade terena da Aldeia Cachoeirinha, em Miranda.
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa, professora do curso de licenciatura em Letras Libras da UFPR, Kelly Priscilla Lóddo Cezar é a coordenadora da parte pedagógica do curso de formação, e quem conheceu ainda no doutorado a história de luta de Ondina.
“Como linguistas, nós sabemos que a linguagem é uma forma de emancipação, é natural do ser humano e todas as línguas são importantes. Nós precisamos pensar que a cada língua que entra em risco de extinção como estava a terena de sinais, a gente pode perder uma língua, sua cultura e pode perder histórias como a da dona Ondina”, descreve.
A formação vem para capacitar a comunidade terena, surda ou não, e principalmente para que a língua terena de sinais não seja extinta. Ao contrário de cursos que são adaptados posteriormente, o de língua terena de sinais é construído a partir das necessidades dos professores, pais e próprios alunos terena surdos.
A maneira de perpetuar o ensino da língua vem através da tecnologia. Coordenadora do Centro de Educação a Distância da UFPR, a professora Geovana Gentili Santos trabalha para a expansão da aprendizagem onde a pessoa estiver.
“Por meio dessa plataforma as pessoas vão poder fazer a formação de onde estiverem, para que a universidade rompa com as suas barreiras geográficas e, nós possamos levar a formação onde efetivamente é necessária”.
Sem deixar ninguém pra trás
Se dona Ondina não tivesse lutado pela inclusão e encontrado pelo caminho quem abraçasse não só sua família como a causa dos indígenas surdos, a mãe acredita que os filhos estariam até hoje isolados.
Ao olhar para trás, a matriarca dos Antônio Miguel fica feliz pela oficialização da língua terena de sinais e a formação de intérpretes para que a sinalização que ela entende e fala com os filhos em casa ganhe cada vez mais força.
“Tudo isso significa para mim que a luta nunca terá fim, mas que em breve vai dar bons frutos. Meu sonho para eles, os meus filhos, é que eles sejam alguém na vida”, acredita.
Sem deixar ninguém pra trás, uma das premissas do Governo do Estado, é fazer de Miranda um projeto piloto para que depois a língua de sinais seja oficializada e alcance estudantes surdos indígenas guarani.
Sinalizando, Edmara e Everton, filhos de dona Ondina, junto da mãe, reproduzem o lema que inspira o trabalho de cidadania do Estado de Mato Grosso do Sul: “Ninguém fica pra trás”.
“Quero agradecer a todo mundo que veio aqui, que veio de longe, e falar que nós queremos um futuro melhor”, finaliza em língua terena de sinais, Everton Miguel, de 26 anos.
Paula Maciulevicius, da Setescc
Fotos: Álvaro Rezende
Leia a matéria na fonte: https://agenciadenoticias.ms.gov.br/na-vanguarda-da-inclusao-nasce-em-ms-a-primeira-lingua-indigena-de-sinais-oficial/
Edital do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI) 2023
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anuncia a realização da 12ª edição do edital de chamamento público para o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI) que conta com uma linha de *apoio a projetos de pesquisa sociolinguística que utilizem como referência o Guia do Inventário Nacional da Diversidade Linguística.. Com investimento de R$ 7,5 milhões, o edital visa ao desenvolvimento de projetos para salvaguarda do patrimônio cultural imaterial. Podem submeter propostas órgãos dos governos federal, estaduais, universidades e outras instituições de ensino superior, organizações da sociedade civil, agências de desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura e à pesquisa. As inscrições vão de 26 de julho a 8 de setembro de 2023.
Siga para a página do edital: https://www.gov.br/iphan/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/edital-do-programa-nacional-de-patrimonio-imaterial-pnpi-em-2023