No mês de junho de 2014, enquanto o país se preparava para assistir aos jogos da Copa do Mundo que ocorreriam no Brasil, uma sequência de acontecimentos se passava na longínqua fronteira do Brasil com o Peru, produzindo uma atualização dos mais de quinhentos anos de colonização em território hoje brasileiro. Por iniciativa própria, um pequeno grupo de indígenas isolados “apareceu” em uma aldeia do povo indígena Ashaninka, localizada no alto rio Envira, no estado do Acre. A Funai (Fundação Nacional do Índio) foi comunicada do acontecimento via rádio e providenciou o deslocamento de uma equipe para o local. Em articulação com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) foi elaborado um Plano de Contingência para prestar assistência em saúde caso os indígenas isolados retornassem – como, de fato, aconteceu. Devido à constatação de que estes falavam uma língua da família linguística Pano, a Funai providenciou a ida de indígenas do povo Jaminawa para atuarem como intérpretes – os Ashaninka, por sua vez, falam uma língua da família Arawak. Os Jaminawa conseguiram se comunicar com os indígenas isolados e auxiliar na interlocução com os profissionais de saúde, que por sua vez conseguiram administrar medicamentos e vacinas.
Nos meses que se seguiram, o grupo que era composto inicialmente por sete pessoas passou a somar trinta e cinco, entre homens, mulheres e crianças. Os diferentes núcleos familiares foram gradativamente saindo da mata e estabelecendo moradia nas imediações da Base de Proteção Etnoambiental Xinane, estrutura mantida pela Funai no alto rio Envira, acima da aldeia Simpatia, onde vivem os Ashaninka. Na ausência de um etnônimo reivindicado pelo grupo, a Funai tem, desde então, se referido a eles como povo indígena de recente contato do Xinane, ou, de forma abreviada, povo do Xinane, em função da localização de suas moradias nas cabeceiras deste igarapé, afluente do rio Envira.
Essa narrativa simplificada, no entanto, não faz jus a um processo tão complexo, repleto de dilemas e desafios para os diferentes atores envolvidos. Em minha tese de doutorado, descrevi e analisei alguns aspectos e momentos do processo de contato que se deflagrou a partir de quando o povo do Xinane saiu da mata. De forma mais específica, a tese apresenta uma etnografia deste processo de contato centrado na participação dos Jaminawa como intérpretes a serviço da Funai, ao longo de três anos e meio após os primeiros encontros na aldeia Simpatia.
A QUAL PERGUNTA A PESQUISA RESPONDE?
A pesquisa analisa uma rede relacional que foi sendo tecida no decorrer dos primeiros anos após um povo indígena de recente contato, conhecido atualmente como povo do Xinane, estabelecer contato pacífico e permanente com outros povos indígenas e com não indígenas. Trata-se de um processo que vem se desenrolando desde junho de 2014, na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, no município de Feijó, no Acre, próximo à fronteira com o Peru. De modo mais específico, a análise centrou-se na participação de indígenas do povo Jaminawa, que foram convidados pela Funai para atuarem como intérpretes neste processo de contato. A inteligibilidade mútua entre as línguas faladas pelos Jaminawa e pelo povo do Xinane, associada às semelhanças socioculturais, contribuiu para que os intérpretes indígenas fossem assimilados como “parentes” pelos indígenas de recente contato. Por outro lado, por falarem português e se relacionarem com os brancos, eles puderam exercer também um papel importante na transmissão de conhecimentos e novos hábitos. Diante deste contexto etnográfico, a pesquisa buscou conhecer as pessoas que ocuparam essa posição e refletir sobre diferentes situações vivenciadas por elas ao longo deste processo.
POR QUE ISSO É RELEVANTE?
Existe uma produção historiográfica que remonta à expansão das civilizações europeias para outros continentes e examina a figura dos intérpretes no encontro entre povos nativos e colonizadores. No processo de colonização das Américas, por exemplo, ingleses, espanhóis e portugueses reconheceram a importância da comunicação com povos indígenas por meio de intérpretes nativos como uma estratégia importante para a Conquista (Todorov 1982). Cultural brokers ou go-betweens são alguns dos termos utilizados para caracterizar a atuação destes personagens históricos que ocupam o lugar da dobradiça que conecta dois universos distintos, exercendo papéis como de mediador cultural, tradutor linguístico, guia de viagem, negociador, dentre outros. Igualmente, os intérpretes estão presentes na formação do Brasil ao longo de seus mais de cinco séculos de colonização. No século 16, por exemplo, existiram os chamados “línguas”, pessoas bilíngues em português e “em tupi”, que atuaram como intérpretes para os jesuítas, viabilizando tanto as relações mercantis quanto a conversão religiosa dos nativos no país .
Em uma perspectiva mais recente, embora dispersas em etnografias que falam sobre histórias de contato, existem menções à participação de intérpretes indígenas em expedições de atração e pacificação de povos indígenas isolados. Este, no entanto, permanece sendo um tema pouco explorado na antropologia. Nesse sentido, uma das contribuições da pesquisa é dar visibilidade à atuação destes intermediários, com frequência silenciados ou ocultos nos registros históricos, mas que estiveram (e ainda estão) presentes em uma diversidade de “primeiros encontros” envolvendo os povos indígenas e os brancos ao longo da história, da Conquista da América até os dias de hoje.
RESUMO DA PESQUISA
O período abarcado pela pesquisa concentra-se nos primeiros quatro anos após o povo do Xinane ter saído da mata e estabelecido relações pacíficas e permanentes com outros povos indígenas e com os não indígenas. Desde que saíram da mata, a Funai presta atendimento permanente ao povo do Xinane por meio da execução da política de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato, que em seu nível local é operacionalizada pela FPEE (Frente de Proteção Etnoambiental Envira), cuja sede administrativa fica em Rio Branco, no Acre. Foi nesta cidade que ocorreu a maior parte da pesquisa de campo, embora os acontecimentos narrados falem de outros tempos e lugares. A partir de entrevistas, conversas e encontros com os Jaminawa que trabalhavam como intérpretes e com os servidores da Funai que trabalhavam na FPEE, foi possível reconstituir algumas situações e refletir sobre outras tantas que estavam em curso.
Constituída por quatro capítulos, a tese apresenta uma narrativa sobre os primeiros encontros do povo do Xinane com os Ashaninka, com os funcionários da Funai e com os Jaminawa. A análise das cenas descritas mostrou como os primeiros encontros entre desconhecidos geraram sentimentos de desconfiança e medo em todas as partes envolvidas. Alguns Jaminawa contaram terem usado um preparo de ervas perfumadas para amansar seus “parentes brabos”. Porém, segundo eles, logo que começaram a conversar, viram que conseguiam se entender e passaram a se chamar por termos de parentesco. Assim, a presença dos intérpretes contribuiu para o estabelecimento de vínculos de confiança e para apaziguar conflitos, especialmente nos primeiros meses após o povo do Xinane ter saído da mata.
Entretanto, para além de traduzir mensagens, a relação dos Jaminawa com o povo do Xinane envolveu trocas materiais, transmissão de conhecimento e de novos hábitos, contribuindo para que estes viessem a se acostumar com a vida fora da mata e entre os brancos. Neste sentido, a tese mostra que o conhecimento mobilizado entre os intérpretes e seus interlocutores não se restringiu ao domínio de códigos linguísticos, abrangendo também um entendimento do comportamento cultural e da dinâmica das relações sociais. Esta atuação não poderia, portanto, ser dissociada das suas histórias de vida, da sua curiosidade e dos seus interesses, bem como de suas perspectivas no que diz respeito às situações de isolamento e de contato. Neste contexto, alguns Jaminawa tiveram maior envolvimento e protagonismo na relação com os indígenas do povo do Xinane. No segundo semestre de 2017, por exemplo, indígenas do povo do Xinane fizeram suas primeiras viagens às cidades e, nestas, o encontro com os intérpretes Jaminawa apareceu como elemento mobilizador dos deslocamentos. Por sua vez, essas viagens estremeceram a relação já conturbada que a FPEE mantinha com os Jaminawa, levando ao término dessa colaboração, em dezembro de 2018.
Por fim, é possível dizer que, em certa medida, a tese apresenta uma etnografia da execução da política pública para povos indígenas de recente contato – e da participação indígena em sua implementação. Embora não me debruce na estrutura e implementação desta política em contexto nacional, alguns dilemas e reflexões característicos a essas situações emergem na análise do caso etnográfico. Cabe destacar que a existência de uma política pública específica permitiu que durante os primeiros anos após o contato não houvesse nenhuma morte por doença infectocontagiosa entre o povo do Xinane. Essa situação se distingue drasticamente das experiências históricas de contato, nas quais a perda populacional, decorrente de epidemias e falta de assistência sanitária, costumava ser de proporções alarmantes.
Representantes locais dos povos hunsriqueanos, pomeranos, talians, westfalianos e poloneses participaram do ato – Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini
O governador Eduardo Leite sancionou, na tarde desta segunda-feira (21/2), no Palácio Piratini, o projeto de lei (PL) que reconhece as línguas e culturas locais como de relevante interesse cultural do Estado e institui o Dia Estadual da Língua Materna e das Línguas e Culturas Locais, que passará a ser celebrado anualmente em 21 de fevereiro. O PL 36/2020 é de autoria do deputado estadual Elton Weber.
“É muito importante essa valorização da nossa diversidade étnica, cultural e racial, porque é a partir dessa valorização que construímos uma sociedade com o entendimento de que as nossas diferenças não nos diminuem, mas potencializam o nosso desenvolvimento. Somos diversos, e isso nos enriquece e contribui para a construção de um mundo mais tolerante e com mais respeito. Por isso é uma alegria poder sancionar esse projeto que contribui para a valorização da diversidade e das diferentes culturas que formam nosso Rio Grande”, disse o governador.
A secretária da Cultura, Beatriz Araujo, que também participou do ato, destacou a importância da pluralidade linguística e cultural. É uma alegria ver uma iniciativa dessa natureza vindo da Assembleia Legislativa para valorizar a cultura local. Estamos trabalhando incessantemente pelo fortalecimento do nosso sistema estadual de cultura e pelo reconhecimento da diversidade cultural”, disse.
A diversidade linguística é um dos 12 segmentos com representatividade em colegiados setoriais organizados pela Secretaria da Cultura. Dentre as ações da secretaria estão o direcionamento de recursos do Pró-Cultura para atender às demandas do segmento e projetos contemplados pela Lei Aldir Blanc. A secretária também citou o exemplo do Projeto Cucagna Scola De Talian, que apoiou, no âmbito do Pró-Cultura, a criação de uma escola virtual para ensino a distância desse idioma.
O deputado Elton Weber, proponente da lei, falou sobre a escolha da data para o Dia Estadual da Língua Materna e das Línguas e Culturas Locais. “Hoje, 21 de fevereiro, é o Dia Mundial das Línguas, criado pela Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura], e por isso achamos importante que fosse esse o dia que reconhece e valoriza a diversidade linguística e cultural do nosso Estado”, explicou.
Também participaram do ato de sanção os representantes locais dos povos hunsriqueanos, pomeranos, talians, westfalianos e poloneses.
Projeto de lei de cooficialização das línguas indígenas chegará ao plenário da Câmara dos Deputados com pedido de regime de urgência
m São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, no Amazonas, fala-se tukano, baniwa, nheengatu… e português. Duas décadas depois do primeiro município brasileiro ter línguas indígenas cooficializadas, o que abriu espaço para outras cidades com forte presença de populações indígenas replicarem a lei no país, apenas oito línguas indígenas já foram cooficializadas em sete municípios do Brasil – de um total calculado em 180 línguas indígenas faladas por etnias do país. A última a entrar na lista foi a língua mebêngôkre, falada em São Felix do Xingu, no Pará: cooficialização ocorreu em 2019.
Com o estatuto de língua cooficial em relação à Língua Portuguesa, os povos indígenas garantem o ensino da língua nos seus município, assim como documentos oficiais e todos os tipos de sinalizações e orientações em repartições públicas. A cooficialidade é um reconhecimento que o Brasil é país um plurilinguístico. Apenas 10 municípios têm línguas indígenas cooficializadas: além de São Gabriel (AM), onde o ianomani também foi oficializado, e São Félix (PA), Bonfim e Cantá, em Roraima, oficializaram macuxi e wachipana; Tocantínia (TO) reconhece xerente; em Tacuru, no Mato Grosso do Sul, o guarani é língua oficial; Barra do Corda, no Maranhão, reconheceu tenehara/guajajara; em Santo Antônio do Içá, no Amazona, o tikuna tornou-se língua cooficial; o terena é reconhecido em Miranda (MS); no município cearense de Monselhor Tabosa, o tupi-nheengatu é língua cooficial ao lado do português.
Na Câmara dos Deputados, depois de aprovado nas comissões de Cultura e de Direitos Humanos e Minorias, o projeto de lei 3074/19, do deputado Federal Dagoberto Nogueira (PDT/ MS), segue para a Comissão de Constituição de Justiça, presidido pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL/DF); o projeto estabelece que, em todos os municípios com comunidades indígenas, a língua da etnia deve ser cooficial. “A cooficialização das línguas indígenas nos municípios que possuem comunidades indígenas significa dar visibilidade e, consequentemente, a garantia de direitos aos seus falantes”, defende o parlamentar.
Escola indígena no município de Tacuru, em Mato Grosso do Sul: guarani como língua cooficial (Foto: Prefeitura de Tacuru)
Por ter sido aprovado por unanimidade nas duas comissões, Nogueira acredita que não terá dificuldades de ver seu projeto de lei passar na Comissão de Constituição de Justiça. “Espero que também seja aprovado por unanimidade”, avalia o parlamentar, antecipando que, ao chegar no plenário, ele pretende encaminhar um pedido de urgência ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL). “Esse projeto de lei não é político e nem ideológico. Não acredito que venha sofrer resistência nem mesmo dos mais conservadores”, argumenta, lembrando que o primeiro deputado indígena eleito no país, Mario Juruna, chegou à Câmara dos Deputados pelo PDT.
Pesquisadores do Brasil e do exterior estão produzindo um dicionário para preservar a língua; estima-se que a cada 25 crianças que nascem na localidade, uma nasce com surdez
Várzea Queimada, distrito de Jaicós, no sertão do Piauí, distante cerca de 370 km de Teresina, possui 900 moradores e tem um dos piores índices de desenvolvimento humano do país, ficando na posição 5.430°. Mas a comunidade também chama a atenção por um outro motivo: a quantidade de pessoas surdas que nascem lá. Até agora, são 34. E, para se comunicar, eles desenvolveram uma língua própria: a Cena.
Agora, pesquisadores do Brasil e do exterior estão organizando um dicionário para preservar essa língua. É que tanto os surdos quanto os não surdos se comunicam através de gestos, que indicam ações do dia a dia, como ir à igreja ou avisar que está fazendo calor.
A localidade possui aproximadamente 34 pessoas surdas. (Foto: Reprodução/ TV Globo/Fantástico)
A diferença é que todos esses sinais foram criados por eles.Não por acaso, essa nova língua foi batizada de Cena.
Silvana Lusia Barbosa tem seis filhos. Três deles nasceram surdos. Como não tiveram acesso ao aprendizado de Libras, a Língua Brasileira de Sinais, o jeito foi improvisar.
“Foi difícil, mas consegui (educá-los), porque é uma regra que eles vão aprendendo, aprendendo até adaptar. Ainda hoje tem dificuldade, claro, porque os ouvintes também têm… mas deu para entender, eles já sabem comunicar todas as Cenas”, conta a dona de casa.
Silvana Barbosa ajudou a desenvolver a Cena em Jaicós. (Foto: Reprodução/ TV Globo/Fantástico)
Sem saber, a família ajudou a estruturar o que os pesquisadores chamam de língua emergente. O fenômeno despertou o interesse de um doutor em linguística pelo Massachusetts Institute of Technology.
“Acho até um nome bonito, que dá essa dimensão teatral. É uma língua nova, completamente inédita e completamente diferente de Libras”, explica Andrew Nevins.
Há cinco anos, especialistas da área de linguística da Universidade Federal do Delta do Parnaíba pesquisam as origens e o desenvolvimento da língua de sinais no povoado. De lá pra cá, os estudos avançaram bastante e até agora os pesquisadores já catalogaram quase 300 expressões utilizadas pela comunidade de surdos de Várzea Queimada.
O resultado está ganhando forma com o dicionário Cena/Libras. As palavras estão sendo registradas em fotos.
Dicionário comparativo de Libras e Cena está sendo organizado por pesquisadores. (Foto: Reprodução/ TV Globo/Fantástico)
Mas o que explica tantos surdos nascerem num só lugar? A resposta está na genética. A doutora Karina Mandelbaun estudou profundamente a localidade, onde o casamento entre primos era bem comum.
“A perda de audição é muito heterogênea, mas a forma mais comum é a herança recessiva. É o seguinte: nosso material genético está sempre aos pares. Por quê? Porque vem uma cópia do nosso pai e uma cópia da nossa mãe. E esse material genético contém ‘instruções’ para fazer todo o nosso corpo, desde a cor do nosso cabelo, da nossa altura, e também ele tem esses ‘defeitinhos’ que podem levar a alguma doença”, explica.
O município do Piauí é um dos únicos locais do mundo a participarem do estudo sobre evolução paralela da língua. (Foto: Reprodução/ TV Globo/Fantástico)
Os pesquisadores também querem traçar uma comparação entre o caso brasileiro, e outras duas comunidades que ficam na Turquia e outra em Israel, para analisar se há uma evolução paralela de linguagem.
A cultura indígena vem sendo, gradualmente, perdida no Brasil e um dos fatores de maior relevância nesse processo é a extinção de línguas indígenas. Um idioma vai muito além de um conjunto de palavras usadas para nomear sentimentos e objetos. Através da língua, um povo se expressa e mantém vivo o que existe à sua volta.
Ao longo desse artigo iremos explicar como essa extinção vem acontecendo. Vamos começar?
Extinção das línguas indígenas: por que está acontecendo?
Através do idioma, as sociedades transmitem seus conhecimentos de diferentes áreas e perspectivas em relação ao mundo. Um idioma é muito mais amplo do que apenas um conjunto de palavras.
As línguas trazem à tona tudo aquilo que um povo tem a oferecer. Dessa forma, podemos comparar o desaparecimento de uma língua com a destruição de um museu repleto de relíquias históricas.
Um indivíduo com o mínimo de conhecimento sobre a importância das relíquias históricas do museu ficaria bastante abalado com essa destruição. O Brasil tem assistido há anos uma destruição equivalente a essa do exemplo.
Cada vez mais línguas indígenas desparecem, deixando um vazio irreparável do ponto de vista cultural. Esse fenômeno de apagamento da cultura indígena não é recente. Diversos fatores contribuíram para esse processo no decorrer da história do nosso país.
Como teve início o processo de extinção das línguas indígenas no Brasil?
A extinção das línguas indígenas foi uma importante ferramenta utilizada pela Coroa Portuguesa para subjugar os povos que já viviam no território “recém-descoberto”, o Brasil. Os idiomas falados pelos indígenas foram sendo substituídos pela língua portuguesa.
Em meados do século XVIII, o português passou a ter status de língua oficial do país. Havia a proibição de que se falasse qualquer outro idioma que não ele. No entanto, mesmo assim, o tupi ainda era bastante falado nas ruas, inclusive pelos jesuítas.
Falta de preservação
Se na Era Colonial, houve um intenso trabalho de acabar com as línguas indígenas. Em tempos mais atuais não houve muito esforço no sentido de preservação desses idiomas. Para se ter uma ideia, foi apenas em 1988, ano da promulgação da nova Constituição Brasileira, que se observou algum esforço para valorizar e proteger as línguas nativas.
Porém, entre a Era Colonial e o começo desse esforço de proteção, houve um longo período de desatenção que gerou danos irreparáveis. Estima-se que eram faladas no Brasil entre 1.100 e 1.500 línguas. Desse amplo universo, conseguiram sobreviver apenas 190. Em 2016, identificou-se que 12 dessas línguas estavam extintas.
Em alguns casos, a língua é falada por menos de cem pessoas ou está apenas na memória de um grupo restrito entre dois e cinco indivíduos. Normalmente, esse grupo é formado por anciãos ou ouvintes não dotados de didática para transmitir a outras pessoas seu conhecimento.
Território e extinção das línguas indígenas
É importante assinalar que um dos fatores de maior peso no desaparecimento das línguas indígenas é a falta de rigor na preservação das terras destinadas a esses povos. Quando um povo não tem um território próprio e nem sua segurança garantida, não tem o mínimo necessário para manter viva a sua cultura.
A responsabilidade de garantir os direitos dos povos indígenas, sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles, é da União de acordo com a Constituição de 1988.
A Constituição Brasileira reconhece a organização social, costumes, tradições, idiomas e crenças indígenas. No entanto, alguns projetos de lei visam reduzir significativamente os territórios dos indígenas ou ainda permitir que os mesmos sejam explorados. Esses projetos se mostram totalmente contrários à necessidade de preservação da cultura e dos idiomas indígenas.
Qual é o papel da educação nesse processo?
Há diversas populações indígenas diferentes entre si e entre elas há algumas monolíngues, multilíngues ou plurilíngues. É relativamente comum que a alfabetização em escolas indígenas seja bilíngue. Dessa forma, os estudantes precisariam, em teoria, falar português e a língua da sua comunidade.
Contudo, há falta de professores capacitados para esse padrão educacional bilíngue. Dessa forma, não é incomum que o ensino bilíngue se encerre nos primeiros anos da educação fundamental.
Para os estudantes indígenas que anseiam por boas oportunidades acadêmicas, acaba se tornando mais interessante dominar o português, o idioma falado por boa parte do país. Nesse tópico não podemos deixar de mencionar ainda o afastamento, cada vez maior, dos indígenas da sua cultura nativa. Esse é o outro fator que corrobora para o desaparecimento de diversas línguas indígenas.
Como preservar as línguas indígenas?
Para que uma língua “escape” da extinção, precisa ter um número considerável de falantes. Os povos indígenas, no Brasil, constituem minorias que estão sob algum tipo de ameaça. Há projetos com foco na documentação e ensino de línguas indígenas. Porém, a responsabilidade dessa preservação é do Estado.
É papel do Estado garantir a proteção e a valorização das comunidades indígenas, assim como a preservação das suas línguas maternas. O Estado precisa investir na valorização e criação de instrumentos eficientes para valorizar as línguas indígenas.
Esse é um tema de grande relevância para o futuro do Brasil, afinal se trata do apagamento de parte da cultura do país!
Considerada um Tesouro Vivo da Humanidade pela UNESCO, ela leva consigo as vozes dos canoístas indígenas da Terra do Fogo
Wikipédia
Antes de morrer, Cristina ainda trabalhou com na criação de um dicionário que traduz a língua para espanhol, havendo assim ainda uma esperança de preservação da cultura.
Com a morte da última guardiã desta relíquia cultural, a língua indígena Yamana, na América do Sul, perdeu agora todos os seus falantes. Cristina Calderón, que dominava a língua Yamana da comunidade Yagan, morreu na quarta-feira, aos 93 anos.
Depois da morte da sua irmã em 2003, Cristina era a última pessoa no mundo que sabia falar a língua. Mas nem tudo está perdido com a sua morte, já que a idosa chilena trabalhou na criação de um dicionário da língua com traduções para o Espanhol antes da sua morte, revela o The Guardian.
“Com ela, uma parte importante da memória cultural do nosso povo desaparece”, escreveu Lidia González, filha de Cristina, no Twitter, que acredita que, no entanto, o dicionário traz alguma esperança de que a língua não morra com a sua última falante.
Lidia é também uma das representantes que está atualmente a trabalhar na redação de uma nova Constituição no Chile.
“Apesar de com a sua morte, uma riqueza de, especialmente, conhecimento empírico seja perdido em termos linguísticos, a possibilidade de se resgatar e sistematizar a língua continua aberta”, acrescenta.
Apesar de ainda haver alguns membros da comunidade Yagan vivos, ao longo das gerações, as pessoas progressivamente deixaram de falar e aprender a língua, que é considerada “isolada” devido à dificuldade de se determinar a origem das suas palavras.
Calderón vivia numa casa simples e ganhava a vida a vender meias tricotadas na vila chilena de Villa Ukika, criada pelos Yagan nos arredores de Puerto Williams.
O grupo indígena ancestral costumava viver nos arquipélagos no extremo sul da América Latina, que pertencem agora ao Chile e à Argentina, numa zona próxima da Antártida.