Direitos Linguísticos

Por Políticas Compensatórias à Repressão Linguística

De forma inédita no Brasil, pleiteiam-se políticas compensatórias à repressão linguística praticada pelo Estado desde o período colonial. Esta é uma iniciativa do IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, que protocolou uma Nota Técnica  junto à Defensoria Pública da União (DPU), contando com o apoio do Núcleo de Tradução da Defensoria Pública da União (NUTRAD) e do Grupo de Pesquisa MOBILANG da Universidade de Brasília (UnB).

O Brasil, país bilíngue desde 2005 (Português/Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS), é também excepcionalmente rico em diversidade linguística. Com cerca de 300 línguas, está entre os oito países com maior número de línguas no mundo. Contudo, ao longo de sua história, o Estado Brasileiro adotou políticas que  impuseram a Língua Portuguesa como única língua legítima dos cidadãos brasileiros ao mesmo tempo em que negligenciou a adoção de medidas contrárias ao extermínio e desvalorização de centenas de línguas brasileiras. Com essa postura, submeteu centenas de cidadãos falantes de outras línguas igualmente brasileiras a práticas permanentes de exclusão, racismo e preconceito.

Esse fato, desconhecido por muitos, justifica a nota técnica,  que tem por objetivo promover a conscientização e a promoção do direito humano à diversidade linguística. Rosangela Morello, Coordenadora do IPOL, afirma que “a Nota reivindica medidas contra o apagamento da história, da memória e dos saberes linguísticos de centenas de cidadãos e cidadãs brasileiro(a)s, e contra a exclusão histórica das línguas brasileiras e seus falantes de espaços institucionais”.

Com a finalidade de dar início à divulgação da Nota Técnica e ampliar a discussão sobre direitos linguísticos como parte dos direitos humanos no país,  a Escola Nacional da Defensoria Pública da União (ENADPU) realizará uma série de debates nos dias nos dias 7, 14, 28 de outubro e 4 de novembro de 2021, às 16h, por meio do Webinário “Direitos Linguísticos e Direito Humanos”.  O evento é produto da parceria entre o IPOL, o NUTRAD/DPU e MOBILANG-UNB, e será transmitido pelo canal do Youtube da ENADPU e do IPOL.

 

Peru: políticas linguísticas depois da comoção

Crianças quéchua, Peru (Imagem de Paulo Philippidis)

Depois da comoção causada pela iniciativa do primeiro-ministro peruano de começar seu discurso em quéchua durante o pedido do voto de confiança perante o Congresso da República, além da reação desastrada e racista de alguns membros da oposição, convém pararmos para pensar como se pode aproveitar o momento desafiador que nós, peruanos e peruanas, estamos vivendo para aplicar ações mais duradouras e efetivas em favor dos direitos linguísticos e do respeito à diversidade linguístico-cultural no país.

Talvez um primeiro ponto que deveria ter ficado claro após o incidente é que, num país que se diz multilíngue e pluricultural, é fundamental que instituições públicas como o Congresso estejam mais bem preparadas para implementar um sistema de tradução e interpretação quando o momento assim o requeira. Ações como estas não só nos aproximam a respeitar o direito que os falantes das línguas originárias têm de utilizar seus idiomas durante as atividades que exercem no espaço público, como também contribuem para construir aquela interculturalidade tão repetida no discurso e tão negligenciada nos arranjos institucionais concretos.

Considerando-se que há membros do gabinete que sabem usar a língua quéchua – e a utilizam, com todo direito, com diversos fins estratégicos –, tanto entidades públicas quanto instituições privadas, a exemplo dos meios de comunicação de massa, deveriam avaliar a necessidade de contratar tradutores-intérpretes; isso lhes permitiria garantir o cumprimento adequado do seu trabalho e ainda resguardaria a imagem pública dessas entidades e instituições diante de uma eventual impressão que indicasse ineficácia e rechaço à cultura. Quanto a esse episódio, a TV Perú foi uma exceção; ela conseguiu garantir a tradução adequada do fragmento mencionado para que o intérprete da língua de sinais peruana não interrompesse seu trabalho. Isso foi possível porque o canal de TV oficial conta com apresentadores que conseguem traduzir entre o quéchua e o espanhol.

Há vários anos, o Peru conta com um importante conjunto de tradutores-intérpretes entre as línguas originárias e o espanhol, os quais foram capacitados e certificados pelo Ministério da Cultura. O investimento realizado pelo Estado e o empenho dessas pessoas em sua formação constituem um ativo que deveria ser aproveitado de maneira mais ampla e consistente. Esse grupo de mediadores linguísticos não só é capaz de interpretar e traduzir entre o espanhol e os quéchuas de Cusco e de Ayacucho (que são as variedades do quéchua mais difundidas e ouvidas publicamente nas últimas semanas), mas também nas outras modalidades, para mencionar apenas a família linguística quéchua. Mesmo com um projeto recentemente apresentado ao Congresso por Flor Pablo sobre o tema (e anteriormente impulsionado por Alberto de Belaunde) e com um pedido formal da congressista Isabel Cortez, fica evidente que o Parlamento nacional está desperdiçando essa reserva de profissionais há vários anos, como bem salientou a Defensoria do Povo.

Com relação a essa iniciativa de formação, que vem sendo desenvolvida há quase dez anos, o segundo ponto que merece ênfase diz respeito, de modo mais geral, ao conjunto de avanços realizados pela Direção de Línguas Indígenas do Ministério da Cultura do Peru em prol do respeito aos direitos linguísticos dos falantes de línguas originárias e da diversidade cultural no nosso país. Desenvolver esses cursos de formação em tradução e interpretação e dispor do registro oficial de tradutores-intérpretes não foi pouca coisa. Também não foi tarefa fácil iniciar um programa de certificação de servidores públicos estatais com funcionários e funcionárias capazes de oferecer um atendimento de qualidade nas línguas originárias predominantes em suas respectivas zonas. Mais complicado ainda foi ter acordado e afinado uma política linguística nacional que contemplasse distintas ações de revitalização, fomento e transmissão intergeracional das línguas originárias a curto, médio e longo prazo.

“Se as políticas linguísticas não forem conduzidas com seriedade e com um olhar amplo e centrado na construção de uma cidadania intercultural para todos os peruanos e peruanas, a aparição esporádica dos idiomas indígenas nos espaços públicos somente acompanhará – e talvez ajude a reforçar – discursos excludentes e ultrapassados”.

Saber quais desses avanços serão mantidos e aprofundados na gestão do atual Governo ainda constitui um enigma num país em que as políticas se encontram afetadas pelo mal da reformulação total que costuma influenciar as autoridades públicas. Cabe fazer a mesma pergunta sobre a experiência adquirida pelos funcionários do Ministério da Educação, tanto em torno da educação intercultural bilíngue quanto da formação de docentes capacitados de maneira adequada para realizar esta tarefa difícil e crucial.

Como terceiro ponto, um aspecto que, a meu ver, ainda não foi suficientemente planejado em nosso país é a institucionalização, por parte do Estado, da formação em línguas originárias como segundas (ou terceiras) línguas com um enfoque no perfil de quem está aprendendo. O crescimento, nos últimos anos, da relevância de aprender esses idiomas – sobretudo entre filhos e netos de famílias que, por razões já conhecidas de discriminação histórica, deixaram de transmitir essas línguas às novas gerações – deveria trazer mais ênfase e mais investimento de recursos nessa modalidade de formação, assim como na capacitação docente em metodologias apropriadas para o ensino de segundas línguas.

O que acontece atualmente é que aquele que deseja aprender uma língua originária, a exemplo de uma das variedades do quéchua, pode embarcar em uma experiência de estudos particulares, mas não contará com a certeza de poder se aprofundar nos níveis médios ou avançados de aprendizagem, pois a maior parte dos cursos oferecidos em nosso país alcança somente o nível básico. As iniciativas já existentes são muito valiosas – algumas delas gratuitas, como as oferecidas pela Prefeitura de Lima e por grupos de ativistas como o Coletivo Quéchua Central. Porém, falta uma coordenação estatal que centralize, potencialize e delineie melhor essas experiências em benefício dos futuros estudantes. Se bem implementados, os esforços nesse sentido servirão para contrapor a ideia equivocada de que as línguas indígenas são códigos restritos à vida rural e que só aparecem nas manifestações culturais consideradas tradicionais.

Se existe vontade política de construir um país multilíngue e pluricultural, é necessário, em meio a conjunturas desafiadoras, ir além do uso tático das línguas originárias. Se as políticas linguísticas não forem conduzidas com seriedade e com um olhar amplo e centrado na construção de uma cidadania intercultural para todos os peruanos e peruanas, a aparição esporádica dos idiomas indígenas nos espaços públicos somente acompanhará – e talvez ajude a reforçar – discursos excludentes e ultrapassados que postulam a existência de “tipos de peruanos” contrapostos de maneira essencialista. Nada mais distante do horizonte plural e democrático que a complexidade do nosso país requer.

Por Luis Andrade Ciudad/Idehpucp

Doutor em Linguística com especialização em Estudos Andinos pela Pontifícia Universidade Católica do Peru

O texto original pode ser lido aqui


Traduzido do espanhol por Nathália Cardoso / Revisado por Graça Pinheiro

Políticas Linguísticas e educação: migrações, fronteiras e deslocamentos

IV Congresso Ibero-Americano de Humanidades, Ciências e Educação

 

Políticas Linguísticas e educação: migrações, fronteiras e deslocamentos é um dos grupos temáticos contemplados na programação do IV Congresso Ibero-Americano de Humanidades, Ciências e Educação, que acontecerá na semana de 23 a 27 de agosto de 2021

O GT dá prioridade às pesquisas que buscam refletir sobre os desafios implicados nas garantias dos direitos linguísticos no Brasil no campo da educação, considerando demandas intrínsecas à diversidade linguística existente no Brasil em confluência com o fluxo migratório recente.
Confira nossa programação e participe!

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Série LÍNGUAS & POLÍTICAS: Episódio 1

Assista no Canal IPOL Vídeos ( Youtube):

https://www.youtube.com/user/IPOLVideos 

O IPOL convida você para a Série LÍNGUAS & POLÍTICAS

Garantir o futuro das línguas e dos que as falam significa garantir variados conhecimentos sobre a vida e o mundo, múltiplas vivências e modos de habitar a terra. A Série Línguas & Políticas destina-se a promover o debate sobre esse cenário.

No mês de outubro, apresentaremos quatro episódios em que conversaremos sobre políticas linguísticas de três países.

O primeiro episódio da Série, Direitos linguísticos no Peru: Política de formação de tradutores de línguas indígenas e certificação de servidores públicos bilingues, contará com a participação de Gerardo Manuel Garcia Chinchay, Direción de Lenguas, Ministerio de Cultura, Peru, e acontecerá no dia 08 de outubro, às 17h.

Confira a programação! E participe! 

https://youtu.be/IVmxNjccPTY

IPOL invites you to LANGUAGES & POLICIES Series

Ensuring the future of languages and those who speak them means ensuring varied knowledge about life and the world, multiple experiences and ways of inhabiting the earth. The Languages & Policies Series is intended to promote debate about this scenario.

In October, we will present four episodes in which we will talk about language policies of three countries.

The first episode of the Series, Linguistic Rights in Peru: Policy for training indigenous language translators and certification of bilingual public servants, will have the participation of Gerardo Manuel Garcia Chinchay, Direción de Lenguas, Ministerio de Cultura, Peru, and will take place on the October 8, at 5 p.m.

Check the schedule! And participate!

https://youtu.be/IVmxNjccPTY

Programa UEMS ACOLHE – Acolhimento Linguístico, Humanitário e Educacional a Migrantes Internacionais

O Programa UEMS ACOLHE – Acolhimento Linguístico, Humanitário e Educacional a Migrantes Internacionais – é o resultado de uma série de ações de extensão desenvolvidas no âmbito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul com a finalidade de atendimento diferenciado em diversas áreas do conhecimento a comunidade migrante internacional no nosso estado.  A concepção deste Programa está em conformidade com a Política de Extensão Universitária da UEMS e reforça o compromisso contínuo da UEMS em retornar à sociedade os conhecimentos produzidos internamente, sendo o mesmo concebido por professores doutores da instituição, com larga experiência acadêmica e profissional na área de migrações e ensino e aprendizagem de línguas.

Em relação ao desenvolvimento das suas atividades, O Programa UEMS ACOLHE visa promover ações de extensão que possibilitem a inserção linguística, humanitária e educacional de migrantes internacionais no estado de Mato Grosso do Sul, a partir, inicialmente, do oferecimento de cursos de extensão gratuitos de Português como Língua de Acolhimento. Além disso, o Programa também contribui para a formação teórica e prática de agentes para atuarem no ensino de Português para falantes de outras línguas a partir do planejamento de cursos, da definição de níveis de ensino, da elaboração de formas de avaliação e da produção de material didático específico.

O Programa UEMS ACOLHE favorece as discussões no âmbito instituicional de políticas institucionais e públicas no estado de Mato Grosso do Sul para a implantação de ações efetivas de acolhimento linguístico, humanitário e educacional a comunidade migrante internacional, enfatizando a relevância do tema migração e deslocamentos no contexto nacional e internacional, favorecendo a reflexão sobre o que vem a ser uma sociedade que acolhe; uma sociedade que responde a expectativas e a necessidades daqueles que chegam e precisam ser acolhidos, ainda que no campo linguístico mais emergencial.

Conheça mais sobre o Programa: http://www.uems.br/midiaciencia/acolhimentopelalingua/

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