Documento Final do I Encontro Virtual de Educação e Saúde Indígena do Amazonas e Roraima
CARTA ABERTA DO I ENCONTRO VIRTUAL DE EDUCAÇÃO E SAÚDE INDÍGENA DO AMAZONAS E RORAIMA
Nós, povos indígenas do Amazonas e Roraima, em conjunto com nossas organizações, preocupados com a situação atual e futura dos nossos povos, reunimo-nos no I Encontro Virtual de Educação e Saúde Indígena do Amazonas e Roraima, em 28 de julho, para demonstrar a nossa insatisfação e repudiar os rumos anti-indígenas das políticas adotadas pelo Governo Federal e pelos Governos dos Estados do Amazonas e de Roraima. Citamos alguns fatos:
No Amazonas, a falta de compromisso real com os povos indígenas pode ser bem ilustrada com o grave caso da anulação do direito constitucional – conquistado em 2018, após oito anos de duras lutas – aprovado na Constituição Estadual, que destinava 0,5% da receita corrente líquida, exclusivamente para o atendimento aos povos indígenas do Estado; a negação de diálogo mais amplo com o movimento indígena, ignorando as pertinentes propostas indígenas elaboradas e apresentadas em série de documentos encaminhados ao governo. Nada foi levado em conta.
Em Roraima, o governo estadual entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para excluir a garantia do direito na carreira dos professores indígenas do Plano de Cargos e Salários dos Servidores. O ato do governo contraria decisão da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima que aprovou o Plano de Carreira da Educação Básica e da Educação Indígena, vetado pelo governo.
Neste I Encontro Virtual, falamos ao Brasil e ao mundo em nome de 20 povos e 30 organizações indígenas, incluindo lideranças, educadores, profissionais da saúde indígena e estudantes indígenas, todos duramente atingidos pela política governamental do País para as populações indígenas.
Há cinco meses vivemos um ciclo de recrudescimento das ameaças contra nossos povos e nossos territórios, exatamente quando a pandemia da Covid-19 amplia as dificuldades, nos castiga e mata muitos de nós. Já são mais de 10,3 mil indígenas contaminados e 544 mortos pela doença (dados da APIB, de 21/07/2020). Dados recentes da COIAB, informam que a Covid-19 já alcançou 34 povos indígenas no estado do Amazonas, causando 180 óbitos. Em Roraima, foram 6 povos, com 50 óbitos. Nestes dois estados, a Covid-19 está presente em terras indígenas de pelo menos 20 povos isolados. Estimativas sérias apontam que a população indígena está afetada, proporcionalmente, em pelo menos 400% a mais do que a média nacional, confirmando o alto nível de risco que isto representa.
Indígenas e Crises Globais: Políticas de Atenção à Saúde Indígena na pandemia
Desde o início do atual governo Bolsonaro, o debate em torno dos povos indígenas, assim como várias outras questões socialmente delicadas (meio ambiente, reforma agrária, educação, gênero, etc.), volta a estar altamente tensionado. Infelizmente, este novo pico não reflete melhorias, mas sim a tentativa de implementação, nua e crua, do desmonte da Política Indigenista em vigor, promessa feita durante toda a campanha do atual governo e que ficou materializada, entre tantos outros pronunciamentos e medidas, na famigerada frase: “Nenhum centímetro de terra será demarcada no meu governo!”.
Pode-se observar que nestes dois contextos (2008 e na atualidade), a compreensão da “questão indígena”, difundida por certos políticos e intelectuais, não está sendo analisada em sua devida complexidade histórica, jurídica e social. Nesse sentido, vale questionar o quanto cabe de verdade nesses discursos que estarrecem pelo tom racista quando tratam, cada um a seu modo, da política indigenista.
Foi diante desse cenário que organizadores sentiram a urgência do presente Ciclo de Debates online, no sentido de refletir sobre os desafios atuais dos direitos indígenas e de fortalecer o diálogo entre variados atores e parceiros que serão convidados ao debate à cada sessão.
Mesa-redonda: As ações das Políticas de Atenção à Saúde Indígena em relação a pandemia da COVID-19
Data e horário: 30/07/2020 – 16:00 as 18:00 pelo canal https://youtu.be/gcocaYbkht8
Palestrantes:
Dra. Ana Lúcia de Moura Pontes – FIOCRUZ
Dr. Edvaldo Pataxó – Médico da Aldeia Baheta em Itaju do Colônia. Indígena da etnia Pataxó Hã Hã Hãe
Inscrições para certificado: https://www.even3.com.br/povosindigenasecrisesglobais/
Organizadores:
Centro de Formação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Sul da Bahia (CFCHS/UFSB);
Grupo de Pesquisa em Temáticas Indígenas e Interculturalidade (GETII/IFBA);
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB);
Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental (PPGPlan-UDESC);
Indigenistas Associados (INA); Observatório Indigenista;
Fórum de Educação Indígena da Bahia (Forumeiba);
Programa de Educação Tutorial (PET) Conexão de Saberes (IFBA).
Contato: getii.ifba@gmail.com
Mortes de indígenas idosos por Covid-19 colocam em risco línguas e festas tradicionais que não podem ser resgatadas
São mais de 200 línguas indígenas faladas no Brasil, muitas em preservação pelos mais velhos. Guajajaras contam com festas para manter a tradição. Karipunas têm tatuagens históricas que podem se perder. No Rio Negro, um ilustrador da história local morre devido ao novo coronavírus.
Por Carolina Dantas, G1
Aripã e Katica em terra indígena Karipuna, em Rondônia, em 2019 — Foto: Fabio Tito/G1
A Covid-19 mata mais os idosos e são eles a fonte histórica dos indígenas brasileiros. Os antigos Guajajara, no Maranhão, cantam os rituais. Na aldeia dos karipuna, em Rondônia, Katica e Aripã têm as tatuagens tradicionais e mantêm a língua tupi-kawahib. Os anciãos, que ensinam os mais jovens, correm risco de morrer ou já foram perdidos para a doença.
Não há um balanço oficial de mortes indígenas por Covid-19 por idade. Sabe-se que são 187 mortes até esta quinta-feira (9), de acordo com a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde. Ou, como diz o levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 453 mortos. Não há consenso também sobre o número geral de vítimas da doença.
Cada caso é divulgado, então, por quem vive perto das aldeias. Aloisio Cabalzar, antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA) no Rio Negro, diz que a tradição das sociedades indígenas é basicamente oral. Em geral, são as pessoas mais velhas que passam o conhecimento para as mais jovens.
“Os idosos são o principal grupo de risco. É o que está acontecendo: estamos perdendo o conhecimento” – Aloisio Cabalzar, antropólogo
São mais de 300 povos no Brasil e 200 línguas.
Feliciano Lana, ilustrador da cultura indígena, morre de Covid-19 — Foto: Cortesia/Instituto Socioambiental
Na região do Rio Negro, o ilustrador Feliciano Lana, de 82 anos, desenhou por mais de 30 anos o que assistia na Amazônia. Era “calmo e generoso”, como descreveu Cabalzar.
“Produziu uma obra sensível, expressiva da cosmologia dos povos Tukano e quase onipresente nos trabalhos de antropólogos, historiadores e artistas que tratam do Rio Negro. Seus trabalhos estão em instituições diversas como o Museu de Arte de Belém, o Museu da Amazônia e o Museu Britânico, com o qual estava colaborando recentemente”.
Obra de Feliciano Lana — Foto: Cortesia/Instituto Socioambiental
Feliz, como era conhecido Lana, morreu em maio de Covid-19. Pouco mais de um mês depois, o Rio Negro também perdeu Poani Higino Pimentel Tenório. Ele pegou a doença em São Gabriel da Cachoeira, chegou a ser tratado, e foi transferido para Manaus. O governo do Amazonas informou que ele foi internado na UTI em uma ala indígena, mas que apresentou um quadro agravado por insuficiência respiratória aguda.
Cabalzar diz: “Tenório foi o principal líder do povo Tuyuka e por 20 anos foi educador da língua original aos mais novos”. Ele tinha muitas profissões: construtor de canoa, artesão, químico, professor, tradutor trilíngue e intercultural, gestor de organização indígena, pesquisador, especializado em petróglifos, escritor, produtor cultural.
Higino, em fotografia de Aloisio Cabalzar, em sua comunidade Tuyuka em 2008 — Foto: Cortesia/Instituto Socioambiental
“Ele buscou os filhos indígenas em outras escolas, ensinou a língua tuyuka. Garantiu muito material escrito, vários trabalhos publicados. Ele foi a principal liderança do processo de retomada da língua tuyuka”, disse o antropólogo.
No Maranhão, Sônia Guajajara, líder indígena e coordenadora da Apib, vê um processo parecido. Os idosos morrem e levam o que sabem, diz ela. A doença já chegou em territórios próximos a povos isolados: Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá; terra indígena Momoadate, no Acre; Vale do Javari, no Amazonas.
Mortes de indígenas por Covid-19 no Brasil — Foto: Arte/G1
Indígenas recebem orientações sobre Covid-19 em seus idiomas
Projeto da UFPR
As orientações foram feitas por representantes das etnias Macuxi, Taurepang, Taurepang Pemom, Wapichana, Wai wai, Yanomami e Ye’kwana.
Uma série de vídeos foi produzida pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) com o objetivo de informar aos povos indígenas do estado, por meio das línguas da etnia Macuxi, Taurepang, Taurepang Penom, Wapichana, Wai wai, Yanomami e Ye’kwana, sobre os sintomas e as formas de evitar o contágio da Covid-19.
Comunicado – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Comunicado Geral
Diante da disseminação do Coronavírus, e seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde e decretos do governo do Distrito Federal para evitar aglomerações na tentativa de mitigar a propagação do vírus, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem informar sobre a necessidade de adiar a realização do Acampamento Terra Livre, que estava previsto para o período de 27 a 30 de abril de 2020, para uma nova data que será divulgada conforme as recomendações das instituições de saúde e governamentais.
Com a ocorrência dessa pandemia, vemos como mais urgente ainda a necessidade de se ampliar o serviço de saúde pública e a garantia dos subsistemas de saúde indígena, por meio da SESAI e Distritos Sanitários Especiais Indígenas, com condições adequadas de assistência de saúde aos povos indígenas.
Ressaltamos também, que pandemia como estas, alertam para o quanto gravoso pode significar uma política de contato com os povos isolados e de recente contato, em razão dos riscos não só de etnocídio, mas também a um doloso genocídio.
É importante ressaltar que com o aumento das alterações climáticas, cientistas já atestam que epidemias serão mais recorrentes. Aproveitamos para elencar aqui algumas recomendações de medidas preventivas colocadas pelas instituições de saúde:
1. lavar as mãos com água e sabão, evitando levar aos olhos, nariz e boca;
2. Não compartilhar objetos pessoais como talheres, toalhas, pratos e copos;
3. Evitar aglomerações e frequência a espaços fechados e muito cheios;
4. Manter os ambientes bem ventilados;
5. Quando possível, evitar viagens para locais que tenham casos de contaminação e reuniões e eventos com a presença de pessoas que venham de países ou estados que tenham confirmação do vírus.
6. E por último, não entrar em pânico. É uma doença que médicos e cientistas já têm conhecimento e estão na tentativa de seu controle. Essas orientações são preventivas, para evitar que a doença se propague.
Os sintomas do Coronavírus são ocorrência de febre, tosse, dificuldade para respirar e dores do corpo. Em caso de ocorrência dos sintomas, procurar atendimento o mais rápido possível e seguir orientações médicas.
E tão logo o vírus esteja controlado, definiremos uma nova data para nossa maior mobilização nacional, que neste momento de ataques, invasões, conflitos e retiradas de direitos se faz tão urgente necessária.
Sangue indígena, nenhuma gota a mais!
Lei mais em: COMUNICADO GERAL 01