Wikipédia já integra conteúdos na língua emakhuwa
Jovens escritores em Moçambique exploram a internet para difundir conhecimento através das línguas nativas. A integração de conteúdos em emakhua na plataforma Wikipédia é o primeiro passo.
Para os especialistas, a iniciativa de explorar o potencial da enciclopédia colaborativa digital de conhecimento livre Wikipédia para integrar conteúdos em emakhua, que já conta com mais de 100 artigos, é promissora. Mas pode enfrentar desafios de literacia e padronização da escrita.
O emakhua, a língua materna mais falada em Moçambique – com cerca de seis milhões de cultores – já é um instrumento de produção e difusão de informação e conhecimento na plataforma Wikipédia.
A iniciativa, a primeira envolvendo as línguas locais de África lusófona, começou com a capacitação de mais de 70 redatores de conteúdos voluntários que dominam o emakhua, resultando na produção de perto de 100 artigos nesta língua.
O mentor do projeto em Moçambique, Jessemusse Cacinda, co-fundador e diretor da editora Ethale Publishing, explica, em emakhua, que este é um ponto de partida para a transformação das línguas moçambicanas em mecanismo de aproximação de culturas e identidades em África e no mundo.
O linguista Francisco Pedro, da Universidade Rovuma, destaca o carácter inovador da iniciativa e recorda que a promoção da literacia é fundamental para a garantia do acesso ao conhecimento disponível.
Conselho Universitário aprova reconhecimento de línguas indígenas brasileiras para acesso à pós-graduação
O Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) aprovou a possibilidade de que línguas indígenas brasileiras possam ter equivalência com idiomas estrangeiros nos processos seletivos de ingresso aos programas de pós-graduação da Universidade. O texto estabelece que “para alunos indígenas brasileiros, falantes de português e uma língua indígena, a mesma poderá ser considerada como equivalente a idioma estrangeiro para fins de proficiência, mediante aprovação do Colegiado”.
O dispositivo será incorporado à nova Resolução Normativa dos cursos de pós-graduação stricto sensu na Universidade, cuja minuta está em debate pelo CUn. A proposta de inclusão foi aprovada na sessão realizada nesta terça-feira, 14 de setembro, com voto de 50 conselheiros (89%). A aprovação completa da Resolução ainda depende de pelo menos mais uma sessão do Conselho.
A medida foi sugerida por integrantes do próprio Conselho, inspirada em uma política já adotada pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFSC, que promove o reconhecimento das línguas faladas pelos estudantes indígenas no âmbito da validação das autodeclarações étnicas da Política de Ações Afirmativas (PAA).
A conselheira Iclícia Viana, que apresentou a proposta, afirmou que é importante reconhecer a pluralidade de situações envolvendo indígenas. “Não estamos falando de fazer uma prova de proficiência em kaingang, mas no sentido do reconhecimento de que aquela pessoa fala outra língua além do português”. O reconhecimento, acrescentou, segue a mesma perspectiva política e ética da Política de Ações Afirmativas na pós-graduação da UFSC, recentemente aprovada pelo Conselho Universitário.
Universidade inclusiva
A doutoranda de Antropologia Joziléia Daniza Kaingang participou da sessão como convidada e fez a defesa da inclusão. “Ter no âmbito da Universidade línguas indígenas reconhecidas também como línguas faladas, línguas possíveis de pensamento para construção de novas epistemes, é de extrema relevância, considerando que os nossos conhecimentos e saberes muitas vezes não conseguem ser traduzidos para a língua portuguesa”. Ela mencionou que a comprovação de proficiência em idiomas estrangeiros em muitos casos funciona como uma barreira para que os estudantes indígenas consigam acessar os cursos de pós-graduação.
A reunião teve falas veementes em defesa da proposta e também colocações sobre as questões operacionais e conceituais relacionadas à medida. Alguns conselheiros propuseram que a regulamentação dessa questão fosse deixada a cargo da Câmara de Pós-Graduação, por resolução específica, mas essa posição acabou vencida.
A secretária de Ações Afirmativas e Diversidades da UFSC, Francis Tourinho, destacou a importância da decisão. “O Brasil é um país plurilíngue, com mais de 50 línguas ativas só no Amazonas. E essa diversidade linguística representa uma grande importância para a sociedade inclusiva e que preserva a cultura de seu povo. A Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019 criou o ano Internacional das Línguas Indígenas, pois a diversidade deve ser melhor conhecida, documentada e preservada. A aprovação da língua indígena ser considerada como equivalente a idiomas estrangeiros para proficiência, bem como a Política de Ações Afirmativas na pós-graduação, mostra o avanço e o pioneirismo da UFSC como uma universidade plural, inclusiva e que respeita cada um em sua diversidade”.
Peru: políticas linguísticas depois da comoção

Crianças quéchua, Peru (Imagem de Paulo Philippidis)
Depois da comoção causada pela iniciativa do primeiro-ministro peruano de começar seu discurso em quéchua durante o pedido do voto de confiança perante o Congresso da República, além da reação desastrada e racista de alguns membros da oposição, convém pararmos para pensar como se pode aproveitar o momento desafiador que nós, peruanos e peruanas, estamos vivendo para aplicar ações mais duradouras e efetivas em favor dos direitos linguísticos e do respeito à diversidade linguístico-cultural no país.
Talvez um primeiro ponto que deveria ter ficado claro após o incidente é que, num país que se diz multilíngue e pluricultural, é fundamental que instituições públicas como o Congresso estejam mais bem preparadas para implementar um sistema de tradução e interpretação quando o momento assim o requeira. Ações como estas não só nos aproximam a respeitar o direito que os falantes das línguas originárias têm de utilizar seus idiomas durante as atividades que exercem no espaço público, como também contribuem para construir aquela interculturalidade tão repetida no discurso e tão negligenciada nos arranjos institucionais concretos.
Considerando-se que há membros do gabinete que sabem usar a língua quéchua – e a utilizam, com todo direito, com diversos fins estratégicos –, tanto entidades públicas quanto instituições privadas, a exemplo dos meios de comunicação de massa, deveriam avaliar a necessidade de contratar tradutores-intérpretes; isso lhes permitiria garantir o cumprimento adequado do seu trabalho e ainda resguardaria a imagem pública dessas entidades e instituições diante de uma eventual impressão que indicasse ineficácia e rechaço à cultura. Quanto a esse episódio, a TV Perú foi uma exceção; ela conseguiu garantir a tradução adequada do fragmento mencionado para que o intérprete da língua de sinais peruana não interrompesse seu trabalho. Isso foi possível porque o canal de TV oficial conta com apresentadores que conseguem traduzir entre o quéchua e o espanhol.
Há vários anos, o Peru conta com um importante conjunto de tradutores-intérpretes entre as línguas originárias e o espanhol, os quais foram capacitados e certificados pelo Ministério da Cultura. O investimento realizado pelo Estado e o empenho dessas pessoas em sua formação constituem um ativo que deveria ser aproveitado de maneira mais ampla e consistente. Esse grupo de mediadores linguísticos não só é capaz de interpretar e traduzir entre o espanhol e os quéchuas de Cusco e de Ayacucho (que são as variedades do quéchua mais difundidas e ouvidas publicamente nas últimas semanas), mas também nas outras modalidades, para mencionar apenas a família linguística quéchua. Mesmo com um projeto recentemente apresentado ao Congresso por Flor Pablo sobre o tema (e anteriormente impulsionado por Alberto de Belaunde) e com um pedido formal da congressista Isabel Cortez, fica evidente que o Parlamento nacional está desperdiçando essa reserva de profissionais há vários anos, como bem salientou a Defensoria do Povo.
Com relação a essa iniciativa de formação, que vem sendo desenvolvida há quase dez anos, o segundo ponto que merece ênfase diz respeito, de modo mais geral, ao conjunto de avanços realizados pela Direção de Línguas Indígenas do Ministério da Cultura do Peru em prol do respeito aos direitos linguísticos dos falantes de línguas originárias e da diversidade cultural no nosso país. Desenvolver esses cursos de formação em tradução e interpretação e dispor do registro oficial de tradutores-intérpretes não foi pouca coisa. Também não foi tarefa fácil iniciar um programa de certificação de servidores públicos estatais com funcionários e funcionárias capazes de oferecer um atendimento de qualidade nas línguas originárias predominantes em suas respectivas zonas. Mais complicado ainda foi ter acordado e afinado uma política linguística nacional que contemplasse distintas ações de revitalização, fomento e transmissão intergeracional das línguas originárias a curto, médio e longo prazo.
“Se as políticas linguísticas não forem conduzidas com seriedade e com um olhar amplo e centrado na construção de uma cidadania intercultural para todos os peruanos e peruanas, a aparição esporádica dos idiomas indígenas nos espaços públicos somente acompanhará – e talvez ajude a reforçar – discursos excludentes e ultrapassados”.
Saber quais desses avanços serão mantidos e aprofundados na gestão do atual Governo ainda constitui um enigma num país em que as políticas se encontram afetadas pelo mal da reformulação total que costuma influenciar as autoridades públicas. Cabe fazer a mesma pergunta sobre a experiência adquirida pelos funcionários do Ministério da Educação, tanto em torno da educação intercultural bilíngue quanto da formação de docentes capacitados de maneira adequada para realizar esta tarefa difícil e crucial.
Como terceiro ponto, um aspecto que, a meu ver, ainda não foi suficientemente planejado em nosso país é a institucionalização, por parte do Estado, da formação em línguas originárias como segundas (ou terceiras) línguas com um enfoque no perfil de quem está aprendendo. O crescimento, nos últimos anos, da relevância de aprender esses idiomas – sobretudo entre filhos e netos de famílias que, por razões já conhecidas de discriminação histórica, deixaram de transmitir essas línguas às novas gerações – deveria trazer mais ênfase e mais investimento de recursos nessa modalidade de formação, assim como na capacitação docente em metodologias apropriadas para o ensino de segundas línguas.
O que acontece atualmente é que aquele que deseja aprender uma língua originária, a exemplo de uma das variedades do quéchua, pode embarcar em uma experiência de estudos particulares, mas não contará com a certeza de poder se aprofundar nos níveis médios ou avançados de aprendizagem, pois a maior parte dos cursos oferecidos em nosso país alcança somente o nível básico. As iniciativas já existentes são muito valiosas – algumas delas gratuitas, como as oferecidas pela Prefeitura de Lima e por grupos de ativistas como o Coletivo Quéchua Central. Porém, falta uma coordenação estatal que centralize, potencialize e delineie melhor essas experiências em benefício dos futuros estudantes. Se bem implementados, os esforços nesse sentido servirão para contrapor a ideia equivocada de que as línguas indígenas são códigos restritos à vida rural e que só aparecem nas manifestações culturais consideradas tradicionais.
Se existe vontade política de construir um país multilíngue e pluricultural, é necessário, em meio a conjunturas desafiadoras, ir além do uso tático das línguas originárias. Se as políticas linguísticas não forem conduzidas com seriedade e com um olhar amplo e centrado na construção de uma cidadania intercultural para todos os peruanos e peruanas, a aparição esporádica dos idiomas indígenas nos espaços públicos somente acompanhará – e talvez ajude a reforçar – discursos excludentes e ultrapassados que postulam a existência de “tipos de peruanos” contrapostos de maneira essencialista. Nada mais distante do horizonte plural e democrático que a complexidade do nosso país requer.
Por Luis Andrade Ciudad/Idehpucp
Doutor em Linguística com especialização em Estudos Andinos pela Pontifícia Universidade Católica do Peru
O texto original pode ser lido aqui
Traduzido do espanhol por Nathália Cardoso / Revisado por Graça Pinheiro
Seminário Internacional – Raízes da Intolerância no Brasil
O IPOl estará presente com a participação da Coordenadora Professora Drª. Rosângela Morello na MESA 6: Grande debate – Por que somos tão intolerantes? Futuros possíveis, no Sábado, 18 de setembro.
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ON lamenta falecimento do professor Germano Bruno Afonso, referência em Astronomia Indígena Brasileira

“Todos os mistérios estão no céu”. Era o que afirmava o professor Germano Bruno Afonso, nacionalmente conhecido como um dos maiores difusores da Astronomia Indígena Brasileira. Germano faleceu na tarde de quinta-feira (26), aos 71 anos, em decorrência da Covid-19.
Natural de Ponta Porã, uma cidade pequena do Mato Grosso do Sul, Germano tem raízes indígenas, de origem Guarani, e aprendeu com os pais a observar as estrelas como os índios. Seu interesse pela ciência, em particular pela astronomia, surgiu da observação das constelações indígenas e seus mitos.
Germano graduou-se em Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1973 e, pela mesma instituição, concluiu o mestrado em Ciências Geodésicas em 1977. Ele foi o primeiro coordenador do Programa de Pós-graduação em Física e trabalhou por quase três décadas na UFPR, entre 1974 e 2003.
Em 1980, foi para a França, onde formou-se doutor em Astronomia de Posição e Mecânica Celeste pela Université Pierre et Marie Curie. Já em 1993, o professor concluiu o pós-doutorado no Observatoire de la Cote d’Azur.
Suas principais áreas de estudo eram: Astronomia Indígena Brasileira, Arqueoastronomia, Popularização da Astronomia, Etnoastronomia, Efeitos das Marés no Sistema Terra-Lua e Modelagem de Forças Não-Gravitacionais em Órbitas de Satélites Artificiais e de Fragmentos de Asteróides Rasantes à Terra.
Germano é autor do artigo “Mitos e Estações no Céu Tupi-Guarani” publicado na edição especial da Scientific American Brasil, em 2006. Além disso, foi fundamental para a construção de Observatórios Solares Indígenas em aldeias e desempenhou um papel de destaque na estruturação do Parque das Ciências Newton-Freire Maia no Estado do Paraná, e do Museu da Amazônia.
Em 1991, Germano foi agraciado com o Prêmio Paranaense de Ciência e Tecnologia, que visa reconhecer e estimular a produção científica, tecnológica e de extensão paranaense. Em 2000, recebeu o Prêmio Jabuti com o livro “O Céu dos Índios Tembé” na categoria Melhor Livro Didático.
De diferentes maneiras, Germano ajudou as aldeias, sendo elas indígenas ou urbanas, a resgatarem o conhecimento astronômico de culturas contemporâneas. Da mesma forma, com seu vasto trabalho e dedicação, ajudou a conscientizar a todos nós sobre a cultura e a ciência indígena.
“Para o indígena do Brasil, a Terra nada mais é do que o reflexo do céu. Então, toda a explicação está lá em cima: a origem do Universo, a criação do ser humano e a relação com o meio ambiente… É muito bonito e eu fui aprendendo isso já desde pequeno, nessa visão não ocidental”, disse Germano em uma entrevista em 2011.
Em uma de suas composições, o músico Hélio Ziskind homenageia o Prof.Germano, contando um pouco de sua pesquisa e entoa:
“Professor Afonso que história mais bonita que o senhor descobriu”
O Observatório Nacional lamenta profundamente o falecimento de Germano e envia suas condolências aos colegas, amigos e familiares do professor.