No AM, São Gabriel da Cachoeira se torna Capital Estadual dos Povos Indígenas

São Gabriel da Cachoeira é o maior reduto de indígenas do Brasil. (Divulgação/ Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira)
MANAUS – O município de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus) se tornou a Capital Estadual dos Povos Indígenas. A Lei n.º 5.796 foi sancionada pelo governador do Amazonas, Wilson Lima, em 12 de janeiro de 2022, e publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) do Amazonas. A cidade destaca-se por abrigar 23 etnias indígenas e ter 90% da população composta por indígenas e descendentes.
O Projeto de Lei n. 423/2021 é de autoria do deputado estadual Tony Medeiros (PSD). “São Gabriel da Cachoeira é a cidade dos brasileiros originais. A cidade de quase 50 mil habitantes, banhada por rios e cercada por densa floresta que tem o índio – o primeiro brasileiro – como seu principal morador. Nove entre dez pessoas de São Gabriel da Cachoeira pertencem a esse grupo étnico”, diz a íntegra do documento.
O líder indígena em São Gabriel da Cachoeira André Baniwa, de 50 anos, destacou à CENARIUM que o reconhecimento da cidade como Capital Estadual dos Povos Indígenas é importante, porque vai valorizar a região, considerando a população, as culturas, as potencialidades de riqueza cultural, educação e turismo.
“Eu acho que os povos indígenas devem discutir, entender isso e aproveitar. Isso fortalece, na verdade, para levar adiante o princípio do desenvolvimento local sustentável, a partir dos conhecimentos culturais locais. Que seja sustentável, preservando, mas buscando sempre qualidade e o bem viver dos povos indígenas daquela região”, destacou.

Trecho da lei sancionada pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (Reprodução/ Diário Oficial do Amazonas)
A cidade
Acessível somente de barco ou de avião, São Gabriel da Cachoeira faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela. O município, com população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021 de 47 mil habitantes, também é o principal acesso para o Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, a 3.014 metros de altitude, e via de acesso para a Terra Indígena Yanomami, que engloba o Amazonas e Roraima.
O município foi o primeiro, no Brasil, a cooficializar as línguas indígenas Nheengatu, Tukano e Baniwa. Cerca de 25 mil indígenas vivem em 750 comunidades na região do Alto Rio Negro, com 11 terras indígenas que abrangem os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos.
Veja o Projeto de Lei n. 423/2021
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
Texto copiado de:
https://agenciacenarium.com.br/no-am-sao-gabriel-da-cachoeira-se-torna-capital-estadual-dos-povos-indigenas/
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Retrospectiva 2021: Funai apoia iniciativas que fortalecem a cultura indígena em diferentes regiões do país

Foto: Débora Schuch / Funai
Em todo o país, há uma enorme diversidade cultural representada por cerca de 1 milhão de indígenas, de 305 etnias, que falam 274 línguas. Ao longo de 2021, a Fundação Nacional do Índio (Funai) apoiou uma série de iniciativas visando ao fortalecimento cultural dessas populações.
Grande parte dos rituais realizados pelos diversos grupos indígenas do Brasil pode ser classificada como ritos de passagem, que são as cerimônias que marcam a mudança de um indivíduo ou de um grupo de uma situação social para outra. Em 2021, alguns desses rituais contaram com o apoio da Funai, a exemplo do ritual fúnebre sagrado denominado Kuarup, que mantém viva a cultura e a tradição de diversas etnias do Parque do Xingu (MT). O presidente do órgão, Marcelo Xavier, acompanhado de uma comitiva, esteve presente em duas edições do evento: na Aldeia Ipawu Kamayurá e na Aldeia Yawalapiti.
O Kuarup ocorre sempre um ano após a morte dos parentes indígenas. Os troncos de madeira representam cada homenageado falecido. Eles são colocados no centro do pátio da aldeia, ornamentados, como ponto principal de todo o ritual. Em torno deles, as famílias realizam uma homenagem aos mortos. “Foi uma honra participar dessas grandes festividades no Parque do Xingu, nas quais fui muito bem recebido. É a Nova Funai, presente nas aldeias e mais próxima das comunidades”, destacou o presidente da Funai, Marcelo Xavier. A fundação deu suporte aos eventos, fornecendo recursos para combustível, linhas de pesca, ornamentação e gêneros alimentícios.
Outro ritual, da etnia Guajajara, celebrou uma das principais tradições dos indígenas maranhenses: a Festa da Menina Moça. O evento, que ocorreu na aldeia Juçaral, localizada na Terra Indígena Arariboia (MA), teve o apoio da Funai e reafirmou a identidade cultural da comunidade em uma festividade em que as mulheres são as verdadeiras protagonistas.
A Funai também apoiou diversos encontros de fortalecimento da cultura e do protagonismo indígena. Em outubro, o Seminário dos Direitos das Mulheres Indígenas dos Estados de Goiás, Mato Grosso e Tocantins ocorreu na cidade de São Félix do Araguaia (MT), e teve como tema “Violência não é cultura”. O evento contou com a participação de cerca de 50 mulheres das etnias Karajá, Tapirapé, Javaé, Kamayurá e Xavante. A iniciativa foi organizada pelo Coletivo de Mulheres Iny, em parceria com a Associação Indígena do Vale do Araguaia (Asiva) e outras instituições.
Em novembro, a Funai promoveu o III Encontro de Mulheres Indígenas Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso. O evento teve o objetivo de promover práticas tradicionais e transmissão de conhecimento geracional, bem como discutir temas de cidadania e acesso às políticas públicas que envolvem participação social das mulheres Xavante.
No âmbito internacional, lideranças indígenas de diferentes regiões do Brasil participaram de uma audiência online com representantes do governo dos Estados Unidos. Na ocasião, foram discutidos temas relacionados a questões ambientais e climáticas e de importância para os indígenas brasileiros, tais como a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento sustentável e a autonomia das comunidades.
A reunião foi conduzida pelo embaixador dos EUA no Brasil, Todd C. Chapman, e contou com a presença de líderes de diversas etnias e regiões do país e representantes de diferentes entidades indígenas. Durante o encontro, os participantes apresentaram a pluralidade de etnias e culturas existentes no território nacional.
O perfume de Gengis Khan nas línguas da Amazônia. Por José Ribamar Bessa Freire
“Quem tem língua cortada não fala”
(Provérbio Mongol. Séc. XIII)
As línguas Nheengatu e Kambeba passam a fazer parte agora do currículo educacional das quatro escolas municipais indígenas de Manaus, atendendo reivindicação dos índios moradores de uma cidade que sempre foi cemitério de línguas e traz sepultado em seu solo o último falante do idioma Baré. Durante séculos, a glotopolítica colonialista silenciou centenas de línguas indígenas, com o objetivo de emudecer seus falantes, como manda o provérbio do séc. XIII, baseado em prática adotada por Gengis Khan, fundador do Grande Império Mongol, que abarcava China, Europa Oriental, Pérsia e Oriente Médio.
Não vou mentir. O pouco que sei sobre Gengis Khan e seu neto Kublai Khan, imperador da China, foi o que ouvi, em 1963, nas aulas do nosso professor de história, Manoel Octávio Rodrigues de Souza, no curso Clássico do Colégio Estadual Pedro II. Até hoje minhas lembranças permanecem salpicadas com cheiro de baunilha e florais de jasmim. É que em suas aulas – como lembra a escritora Leyla Leong, sua ex-aluna – o professor passeava entre as carteiras enquanto falava e, quando abria o paletó, espargia a fragrância do perfume inglês Bond Street, que acabara de ser lançado no mercado. Mas afinal o que é que isso tem a ver com o ensino de línguas?
Sei que faço pequeno desvio no assunto, mas serei perdoado se o eventual e raro leitor souber que o cheiro de Bond Street, que impregna teimosamente minhas narinas, é responsável por me trazer de volta a política de Gengis Khan, essa sim muito fedorenta. Por razões “humanitárias”, os mongóis poupavam a vida dos prisioneiros de guerra e os deixavam retornar às fileiras de origem, mas antes lhes decepavam o músculo da fala, cortando-o pela raiz próximo à amígdala. Assim mutilado, ele não batia com a língua nos dentes, e não municiava com informações o inimigo. Daí o provérbio: com língua cortada, você não fala.
Glotocídio
A mutilação praticada pelo exército mongol deixou milhares de indivíduos mudos, mas a língua, como instituição social, permanecia viva e continuava se realizando na fala de outras pessoas. Na Amazônia, o crime foi mais hediondo, as línguas foram exterminadas e desapareceram da face da terra, impedindo que fossem faladas e transmitidas aos filhos. Esse é o crime do glotocídio, que amputa a língua como instituição social e coletiva, ela deixa de ser falada, sem necessidade de decepar músculos.
Essa política histórica reeditada pelo atual governo federal fere o artigo 231 da Constituição de 1988, que reconhece as línguas indígenas, assim como os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Por várias vezes, o Inominável debochou das línguas indígenas. Para puxar o saco do amo, o deputado estadual do Rio, Rodrigo Amorim (PSL), afirmou que “quem gosta de índio que vá para a Bolívia”.
Mas os índios, sempre solidários ao país andino, ficaram em Manaus e obtiveram vitória na administração de David Almeida (Avante – ops), cuja simpatia pelo Capetão Cloroquina não o impediu de determinar a inclusão dos idiomas Kambeba e Nheengatu como matéria no currículo educacional das escolas municipais indígenas (Diário Oficial do Município 06/01/2022). Desta forma, o prefeito dá continuidade à política iniciada em 2005 na administração Serafim Correa (PSB) e interrompida em 2009 pelo seu sucessor Amazonino Mendes (PTB vixe vixe).
– O objetivo é valorizar a cultura, a língua e a identidade dos falantes nativos – declarou aos jornais o sub-secretário de Gestão Educacional, Carlos Gadelha, que anunciou o início imediato do ensino de línguas com duas horas semanais em todas as séries do ensino fundamental. Resta saber o que é, exatamente, que será ensinado.
Resistência
Essa política de línguas para índios em contexto urbano representa um avanço, mas esperamos que vá mais longe para servir até de experiência piloto. É necessário realizar o levantamento da situação sociolinguística dos usuários do Nheengatu e do Kambeba, quantos ainda falam como primeira língua, quantos são bilingues, qual o número de crianças matriculadas nessas quatro escolas municipais indígenas.
Os dados podem ajudar na tomada de decisões técnicas em várias frentes, tais como a produção de material didático, a criação de uma biblioteca digital, a definição do alfabeto, a elaboração de estratégias de ensino, enfim a formulação de um projeto político-pedagógico. Neste caso, é fundamental recorrer à produção da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e da Universidade Estadual (UEA), que possuem doutores e mestres com pesquisas e publicações sobre o assunto.
Existem diversas variedades do Nheengatu: do Baixo Rio Negro, do Solimões, do Baixo Amazonas e da Bacia do Tapajós, no Pará, que requerem um acordo de padrão ortográfico na diversidade. Recentemente, um grupo de professores e escritores criou a Academia de Língua Nheengatu como uma tentativa de atualizar as funções da língua, no mesmo momento em que Suellen Tobler, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA, lançava a plataforma de ensino da língua através do Nheengatu App.
Segundo a poeta Márcia Wayna Kambeba, ouvidora geral da Prefeitura de Belém, existem estudos avançados para que o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL) adote medidas similares às da Prefeitura de Manaus. Desta forma, o Nheengatu – historicamente a primeira língua geral da Amazônia – amplia seu espaço de resistência, o que atraiu a atenção do ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi, que se dedicou a realizar pesquisas nessa área.
Essas línguas, que classificaram o mundo amazônico, além de serem arquivos vivos de saberes, deixaram marcas no português regional, na toponímia, no léxico, na classificação e nos nomes de plantas, animais e outros. Um exemplo ocorre nos processos de modalização do nome característicos do tupi, cujo sufixo rana (“como se fosse”) aparece registrado em palavras como canarana, sagarana, tatarana, netarana. Além dessas, existem outras influências entranhadas nas camadas profundas da língua, que ´penetraram em seus alicerces, mexendo com seu sistema sintático, fonológico e morfológico. É o que os linguistas chamam de “substrato”.
No falar do caboco no interior do Amazonas, há o processo de “alçamento” e “abaixamento” de vogais, visível em casos como “popa da canoa” ( pupa da canua) estudado em Borba, no Rio Madeira, pela doutora Sandra Campos da UFAM em sua tese de doutorado na Universidade Federal Fluminense. Enfim, um mundo a ser explorado para contribuir nas ações das escolas bilingues evitar que “o perfume” de Gengis Khan contamine as línguas amazônicas.
VIA TaquiPraTi
Youtuber muçulmana usa culinária para combater islamofobia
A belga-marroquinta Myriam Bouzian produz vídeos de culinária no Youtube em quatro idiomas – francês, árabe, rifenho e híndi – e aproveita o sucesso para combater a islamofobia e os estereótipos da mulher mulçumana

Foto: Deutsche Welle
Com mais de 100 mil seguidores no Youtube, a belga-marroquina Myriam Bouzian está usando sua paixão, a culinária, para combater a islamofobia na internet. Com questionamentos como “quem disse que não temos voz?”, ela explica sua cultura em quatro línguas para os internautas.
Myriam é mãe de cinco filhos e atualmente mora na Bélgica, onde grande parte da população fala francês. Por esse motivo, seus primeiros vídeos na plataforma foram feitos nesse idioma. Com o sucesso, ela decidiu lançar outros três onde fala em árabe, rifenho e híndi.
Ela conta que teve a ideia de criar o canal no Youtube quando uma tia pediu para ela filmar o preparo de seu prato favorito. Como não estava conseguindo encontrar um emprego formal devido à islamofobia, ela decidiu investir na carreira na internet.
“Comecei a buscar trabalho para encontrar essa pequena felicidade que me faltava. Sempre que eu batia em uma porta, me recusavam acesso. Eles simplesmente me diziam: ‘Você está pronta pra retirar o seu véu?’. Eu pensei: ‘qual é a relação? O que conta não é o que eu tenho sobre minha cabeça, mas sim o que tenho dentro da minha cabeça’”, disse em entrevista ao portal Deutsche Welle.
Agora, ela se dedica a combater o preconceito em seus vídeos, mas conta que não está livre dele na internet. “Me chamaram de terrorista, salafista, islamista. Admito que isso me deixou muito magoada”, contou a youtuber.
No seu canal de culinária, ela também mostra cenas fora da cozinha e compartilha momentos de sua vida privada, e reclama do estereótipo da mulher mulçumana. “Estou um pouco cansada de as pessoas nos verem como mulheres submissas ou mulheres que não têm voz no casal. Nós somos iguais em termos de tarefas domésticas, de refeições, frente aos filhos e à vida”, disse.
Por Juliana Lima Fonte: Razões Para Acreditar
Ativista indígena Márcia Kambeba estreou programa ‘Amazoniando’
Ativista indígena Márcia Kambeba estreia programa ‘Amazoniando’
A série de entrevistas em live começou a ser exibida nesta última quinta-feira, 20.
A ativista indígena e militante ambiental Márcia Kambeba estreou nesta quinta-feira (20), o programa de entrevistas “Amazoniando”. A primeira temporada, com cinco episódios semanais em formato de live, vai homenagear os 406 anos de Belém com temas relacionados à cultura e a história dos índios do Pará e aos povos que habitam a Amazônia. O programa será transmitido ao vivo, no canal próprio da atração no Youtube.
No episódio de estreia, a professora Ivânia dos Santos Neves, da Universidade Federal do Pará (UFPA), doutora em Linguística, antropóloga e pós-doutora em linguagens e governamentalidade vai falar sobre a chamada “Belém Mairi”, também conhecida como Belém original. “Mairi” – palavra originada de Maíra, deus do fogo – era o nome dado pelos povos indígenas ao território ocupado por eles, principalmente os Tupinambá, que se estendia do Pará ao Amapá e até parte do Amazonas, conforme explica Márcia Kambeba.
“Mairi era um grande território tupinambá onde se falava vários troncos linguísticos, imperando o tupi. A gente vai refletir (na entrevista) como é essa Belém, hoje, onde está essa ancestralidade da Belém Mairi, que vivencia o extermínio da memória indígena, o que chamo de memoricídio, pois essa memória não foi toda apagada, mas fica adormecida. Ao remexer na memória, vamos desvelar essa história”, acrescenta.
“Belém tem uma ancestralidade presente em vários espaços, como no Forte do Presépio, que foi ocupado pelo povo Tupinambá, a Praça da República, que tem um cemitério afro e também indígena”, exemplifica a apresentadora. “Vou perguntar para a professora Ivânia Neves sobre a ‘etnicidade amazônica’, conceito criado por ela que significa a identidade étnica múltipla da Amazônia. Ela vem trazer para nós essa reflexão”.
Márcia Kambeba é escritora, poeta, Ouvidora do município de Belém, mestre em Geografia, doutoranda em estudos linguísticos pela UFPA e trabalha com multiarte e educação. Nesse projeto, ela será a entrevistadora, buscando o olhar da aldeia e não das grandes metrópoles. Nessa etapa, “Amazoniando” será exclusivamente apresentado na internet com espaço para interação com o público espectador.
O cantor, compositor e instrumentista Allan Carvalho também participa do programa. Ele vai apresentar a canção feita por ele especialmente sobre a Belém Mairi. Enquanto Márcia vai fazer a leitura de um poema autoral voltado ao mesmo tema.
A estreia de “Amazoniando” terá transmissão simultânea por universidades e outras instituições de vários países interessados na causa indígena, como a França, Alemanha, Itália e Inglaterra, conta Kambeba.
Os episódios da temporada serão exibidos sempre ao vivo, a cada quinta-feira, sempre a partir das 20h. Os próximos episódios terão como tema a pesquisa sobre as línguas indígenas e o mapa linguístico do estado do Pará; e o significado e a importância cultural dos adereços de plumagens usados por vários povos indígenas, como cocares e o manto Tupinambá.
APIB repudia ação que exclui proteção a terras indígenas não homologadas
Articulação dos povos indígenas do Brasil denuncia nova ação da Funai para consumar plano genocida de Bolsonaro contra os povos originários do Brasil

APIB / Site do PT
A Articulação dos povos indígenas do Brasil (APIB) manifesta seu veemente repúdio e denuncia junto à opinião pública nacional e internacional os sucessivos atos jurídicos e administrativos com os quais o presidente Jair Bolsonaro tenta consumar o seu plano genocida contra os nossos povos. Dessa forma, ele cumpre fielmente o que já declarava na época da campanha eleitoral: “Pode ter certeza que, se eu chegar lá (…) não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”.
Desses, o último ato foi a publicação do Ofício Circular Nº 18 datado de 29 de dezembro de 2021 em que que a Fundação Nacional do Índio (Funai), por meio do Coordenador Geral de Monitoramento Territorial, Alcir Teixeira, informa às Coordenações Regionais, aos Serviços de Gestão Ambiental e Territorial (SEGATs) e às Coordenações Técnicas Locais (CTLs) sobre o entendimento jurídico da Procuradoria Federal Especializada (PARECER n. 00013/2021/COAF-CONS/PFE-FUNAI/PGF/AGU) “acerca da execução de atividades de Proteção Territorial em Terras Indígenas (TIs) não homologadas.”
O entendimento estabelece que a execução de atividades de proteção territorial deve ocorrer somente após o término do procedimento administrativo demarcatório, ou seja, após a homologação da demarcação por Decreto presidencial e o registro imobiliário em nome da União.
Com este ato inconstitucional o Governo Bolsonaro chancela e expõe de vez os povos indígenas a todo tipo de violência cometida pelas diversas organizações criminosas que continuam a invadir os territórios indígenas: grileiros, madeireiros, pecuaristas, garimpeiros, mineradoras, arrendatários, enfim, empresas e corporações que visam explorar economicamente os territórios indígenas. A medida atingirá pelo menos 139 terras indígenas e 114 povos indígenas em isolamento voluntário e de recente contato cujos territórios ainda estão pendentes de homologação.
O governo Bolsonaro, com seus disparates e reducionismo jurídico, comete grave afronta à Constituição Federal e leis correlatas como a Lei 6.001 de 1973 (Estatuto do Índio) e a Lei nº 5.371/1967 que define as atribuições da Funai, dentre as quais estão: garantir aos povos indígenas a posse permanente das terras que habitam e o usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nela existentes; e, “exercitar o poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do índio.”
A Carta Magna afirma de forma cristalina: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Já o Estatuto do Índio estabelece: “O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República”(Art. 25).
Por isso, na perspectiva progressiva do direito, o ministro relator Ayres Brito, por ocasião do julgamento pelo STF da Petição 3388/RR (caso Raposa Serra do Sol) afirmara taxativamente que os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram reconhecidos, e não simplesmente outorgados, visto que o ato de demarcação se torna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva.
No mesmo sentido, mais recentemente, em agosto de 2021, o Ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADPF 709, de iniciativa da APIB, afirmou de forma contundente: “É inaceitável a postura da União com relação aos povos indígenas aldeados localizados em Terras Indígenas não homologadas. A identidade de um grupo como povo indígena é, em primeiro lugar, uma questão sujeita ao autorreconhecimento pelos membros do próprio grupo. Ela não depende da homologação do direito à terra. Ao contrário, antecede o reconhecimento de tal direito.”
Dado este reiterado reconhecimento do direito originário dos povos indígenas (isto é anterior a quaisquer outros, inclusive à criação do Estado Nacional), o entendimento defendido pela Funai além de rotundamente inconstitucional, deixa claro a opção do órgão de se eximir de seus deveres institucionais de proteção aos direitos territoriais indígenas e a serviço de quem está, propósito este externado na Nota à imprensa divulgado pelo órgão em 5 de janeiro do corrente: “No que se refere a áreas ocupadas por indígenas, mas não homologadas, não é razoável a atuação da Funai em ações de fiscalização territorial, pois tais áreas, em sua grande maioria tituladas em nome de particulares, não integram o patrimônio público (não são bens da União), uma vez que não foi ultimado o procedimento demarcatório, com definição de seu perímetro, e quase sempre são objeto de litígios judiciais possessórios ou dominiais entre indígenas e não indígenas.”.
A Funai, burlando o seu próprio Estatuto, coloca-se assim a serviço de interesses particulares que visam se apropriar e explorar não apenas as terras não homologadas mas também as já regularizadas, situação fartamente verificada pelas crescentes invasões em todos os biomas, principalmente na Amazônia, com graves riscos à sobrevivência física e cultural dos nossos povos e comunidades.
Diante desse cenário, a Apib convoca a todos os povos e organizações indígenas das distintas regiões do país a se mobilizarem visando a suspensão dos efeitos deste novo ato anti-indígena da Funai, portanto do governo Bolsonaro. Ato que atenta contra os direitos indígenas, ignorando que a demarcação das terras é apenas uma formalidade, um ato administrativo de reconhecimento do direito originário, nato, dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, e jamais uma concessão do Estado, que detenta, por sinal, a propriedade das terras indígenas, cabendo aos povos o direito de posse e de usufruto exclusivo, razão pela qual é responsabilidade da União a demarcação e devida proteção e vigilância desses territórios.
Às entidades e setores da sociedade solidárias com a causa dos nossos povos solicitamos que somem conosco, com a nossa luta, pois a garantia do nosso direito territorial é também garantia do bem viver, não apenas nosso, mas de toda a humanidade.
Brasília – DF, 12 de janeiro de 2022.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB