Museu da Língua Portuguesa inaugura mostra sobre línguas africanas
Publicado em 24/05/2024 – 07:48 Por Elaine Patrícia Cruz – Repórter da Agência Brasil – São Paulo
Fofoca, canjica, moleque, marimbondo e caçula. Algumas pessoas podem não saber, mas todas essas palavras – que já estão absolutamente incorporadas ao português escrito, falado e vivido no Brasil – são,em realidade, de origem africana. E é isso o que apresenta a nova exposição em cartaz no Museu da Língua Portuguesa, que será inaugurada nesta sexta-feira (24) na capital paulista. A curadoria é do músico e filósofo Tiganá Santana.
Chamada de Línguas Africanas que Fazem o Brasil, a mostra confirma a presença africana no dia a dia do povo brasileiro em diversas formas como nos expressamos: seja pela palavra escrita ou falada, seja pela entonação, pelo vocabulário ou até mesmo pela forma como construímos nossos pensamentos.
Durante o percurso, o visitante vai se deparar não só com experiências verbais, mas também com experiências não verbais que serão apresentadas por meio de vídeos, sons e instalações imersivas. A ideia é que o público não só conheça mais sobre as línguas africanas, mas também possa senti-las, “sorvendo o que se ouve e o que se vê”.
“É impossível falar de línguas africanas no Brasil sem considerar essas outras dimensões de linguagem e sem considerar as implicações do corpo nisso. Essa é uma oportunidade para a gente falar como a língua se faz presente nos tambores, nos gradis, na dimensão arquitetônica, nas estampas e no jogo de búzios”, disse o curador, em entrevista à Agência Brasil.
Essa presença poderá ser sentida também em outras manifestações culturais como a arquitetura, as festas populares e os rituais religiosos. E até em canções bastante populares como Escravos de Jó, jogavam caxangá. O trecho dessa canção, que aparece em uma parte da exposição, mostra que o “jó” advém das línguas quimbundo e umbundo e quer dizer “casa”, “escravos de casa”.
“Escravizados ladinos, crioulos e mulheres negras, que realizavam trabalho doméstico e falavam tanto o português de seus senhores quanto a língua dos que realizavam trabalhos externos, foram a ponte para a africanização do português e para o aportuguesamento dos africanos no sentido linguístico e cultural”, disse Tiganá Santana, com base nas pesquisas da professora Yeda Pessoa de Castro.
Legado
As línguas dos habitantes de terras da África Subsaariana – como o iorubá, eve-fom e as do grupo bantu – têm participação decisiva na configuração do português falado no Brasil e em nossa cultura de forma geral. De acordo com o Museu da Língua Portuguesa, essa é uma história e uma realidade que nos foram legadas por cerca de 4,8 milhões de pessoas africanas que foram trazidas de forma violenta para o Brasil entre os séculos 16 e 19, durante o período de regime escravocrata.
“Essa exposição é focada na presença das línguas africanas no português escrito, pensado e vivido no Brasil. Muito mais do que influências, essas línguas são constituição de como a gente pensa, do que a gente fala, como a gente escreve. Enfim, essa é uma oportunidade para que possamos falar de língua a partir de outro lugar, trazer à tona essas presenças que a colonialidade e o racismo trataram de dissociar da nossa consciência e é um acontecimento que chega pela necessidade”, disse o curador. Ele lembrou que essa é , provavelmente, a primeira vez em que há uma mostra dedicada às línguas africanas no país. “Isso já deveria ter chegado há muito tempo e em vários lugares do Brasil”, acrescentou.
A mostra também discute a ausência do ensino de línguas africanas nos currículos brasileiros. “Essas línguas africanas não são uma abstração. As pessoas pensam com base nelas. Antes de a gente ter uma língua-cultura luso-brasileira, essa língua se africanizou. Ela se africanizou para ser brasileira. É por isso que a gente fala caçula e não benjamim; é por isso que a gente fala cochilar, não fala dormitar; é por isso que a gente tem fofoca, que vem de òfófó do Yorubá. E é por isso que temos as duplas negações e a queda do ‘r’ dos verbos no infinitivo, que são uma presença do tronco linguístico bantu. A língua brasileira e os corpos que falam essa língua fundamentalmente são constituídos por presenças africanas”, disse o curador.
Percurso
Entre espelhos e búzios suspensos, conectando o mundo físico e o espiritual, a mostra tem início com a apresentação de palavras oriundas de línguas africanas e que fazem parte do nosso cotidiano. O público será recebido com 15 palavras que foram impressas em estruturas ovais de madeira e que estão penduradas pela sala. Caminhando entre essas estruturas, o visitante poderá ouvir essas mesmas palavras gravadas pelas vozes de pessoas que residem no território da Estação da Luz, onde o museu está localizado.
Seguindo pelo espaço expositivo, os adinkras aparecem espalhados pelas paredes. Os adinkras são símbolos utilizados como sistema de escrita pelo povo Ashanti, que habita países como Costa do Marfim, Gana e Togo, na África. Eles podem representar desde diferentes elementos da cultura até sentenças proverbiais inteiras em um único ideograma.
À parede de adinkras seguem-se duas videoinstalações da artista visual Aline Motta, que fazem com que o público passe entre um corredor de projeções e se sinta parte da obra. A primeira videoinstalação é projetada no chão. Nela a artista destaca formas milenares de grafias centro-africanas, especificamente as do povo bakongo, presente em territórios como o angolano. Já a segunda obra é projetada em duas paredes e foi criada exclusivamente para o museu. Nela são apresentados quatro provérbios em quicongo, umbundo, iorubá e quimbundo, que são traduzidos para o português. Entre eles está o provérbio Luar Claro não é Sol.
Além disso, a exposição apresenta um mapa dos fluxos linguísticos, esculturas de Rebeca Carapiá, tecidos da designer Goya Lopes e uma obra do multiartista J. Cunha, além de fotografias. Há ainda uma cenografia constituída por tambores e uma projeção criada pela artista Aline Motta, que explora trechos do texto Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, da intelectual Lélia Gonzales, que cunhou a expressão pretuguês.
A exposição se encerra com televisores exibindo registros de manifestações culturais afro-brasileiras e uma sala imersiva e interativa, que surpreenderá o público com projeções artísticas quando forem enunciadas palavras como axé, afoxé e zumbi.
Programação especial
Além do espaço expositivo, a mostra se completa com uma programação paralela. Entre elas estão um clube literário e um sarau, informou Roberta Saraiva, diretora técnica do museu.
A exposição Línguas Africanas que Fazem o Brasil ficará em cartaz até janeiro do próximo ano, com entrada gratuita aos sábados. Mais informações sobre ela podem ser obtidas no site do Museu da Língua Portuguesa.
Leia diretamnte na fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/museu-da-lingua-portuguesa-inaugura-mostra-sobre-linguas-africanas
Saiba mais, visite:
“Línguas africanas que fazem o Brasil” no Museu da Língua Portuguesa
“Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação” em Paris
A exposição “Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação”, criada pelo Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, ocupará entre 14 e 26 de março o Hall Ségur, no prédio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris. A exibição estará disponível para visitação ao longo do Conselho Executivo da entidade, com 195 observadores — além de 58 estados-membros participantes. No museu paulistano, a exibição foi vista entre outubro de 2022 e abril de 2023 e recebeu 189 mil visitantes.
Em Nhe’ẽ Porã os visitantes podem conhecer aspectos da língua de povos indígenas brasileiros e suas particularidades como história, memória e atual uso. O titulo da exposição significa “sopro, vida, palavra” e” belo e bom”, em justaposição. A ideia de unir os dois significados, diz o museu, é o de evocar fatores fundamentais para a existência humana.
Em seu desenvolvimento, a exposição contou com cerca de 50 profissionais indígenas, incluindo a curadora Daiara Tukano, também artista visual. Quando foi inaugurada, em 2022, a exposição marcou, no Brasil, o lançamento da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) e coordenada pela Unesco em todo o mundo.
— De certa forma, já mirávamos em uma dimensão internacional para a exposição (desde seu lançamento). Claro, naquele momento ainda não estava definido levar a mostra para a sede da Unesco em Paris, o que é algo muito especial honroso para nós — afirma Renata Motta, diretora executiva do Museu da Língua Portuguesa. — E seguimos em desdobramentos, em janeiro deste ano a mesma mostra foi aberta no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. Logo mais irá para a Unesco em Paris e depois ainda segue para o Museu de Arte do Rio e, possivelmente em agosto, para o Centro Cultural Vale Maranhão, em São Luís.
Por seu caráter digital, com amplo apelo virtual, a exposição pode estar em diversos desses ambientes de maneira simultânea e adaptada. Em sua estadia na Unesco, o recorte terá foco nas pesquisas realizadas exclusivamente para a exibição. Uma das instalações disponíveis em Paris mostrará árvores desenhadas pela curadora Daiara Tukano, em tecido. A ideia é que essas imagens representem as grandes famílias linguísticas faladas pelos povos indígenas no Brasil. Na instalação, será possível ouvir registros sonoros de línguas das famílias Tupi, Macro-Jê, Pano, Aruak, Karib e Tukano e das línguas isoladas Arutani e Yaathe.
Há ainda exibição de projeções e de uma animação que denuncia o impacto da colonização do país, desde 1500, sobre as línguas originárias. Hoje, mostra a pesquisa feito pelo museu, restam 175 línguas ainda faladas no país.
— É uma exposição muito linda, que para onde ela viaja no Brasil, ela se comunica com acervos locais. Há bastante conteúdo digital em sua totalidade, há muitos QR codes, com conteúdos que podem ser traduzidos e lidos. Terá o DNA do Museu da Língua Portuguesa dentro da Unesco — Roberta Saraiva, diretora técnica do museu.
O colóquio no Collège de France
Em paralelo à programação da Unesco, a passagem da exposição por Paris será associada a um colóquio internacional de Línguas Indígenas da América do Sul a ser realizado em 15 de março, no Collège de France. O encontro, aberto ao público e gratuito, é organizado pelo Museu da Língua Portuguesa, a USP e o Laboratório de Antropologia Social (LAS) do Collège de France, com parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A programação deste dia englobará mesas redondas sobre o tema.
O Museu da Língua Portuguesa fica na Estação da Luz, no centro da cidade de São Paulo, em frente à Pinacoteca do Estado. O museu voltou a funcionar em 2021, após passar quase seis anos fechado por conta de um incêndio que comprometeu amplamente suas instalações. O projeto para a retomada foi elaborado pelo governo do estado de São Paulo e da Fundação Roberto Marinho.
Acesse a matéria na fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/03/06/exposicao-criada-pelo-museu-da-lingua-portuguesa-tera-curta-temporada-na-sede-da-unesco-em-paris.ghtml
Saiba mais puxando a rede IPOL:
. A exposição em SP: https://www.museudalinguaportuguesa.org.br/memoria/exposicoes-temporarias/nhee-pora-memoria-e-transformacao/
. Faça o tour virtual pela exposição, passeie pelas salas e painéis, se deslumbre com a visão 360°, conheça o material disponível para downlod: https://nheepora.mlp.org.br/
. Acesse o catálogo digital da exposição. OMuseu da Língua Portuguesa disponibilizou o catálogo digital da exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, sobre línguas indígenas do Brasil. Entre os conteúdos expostos, estão registros sonoros e audiovisuais produzidos pelo Museu Nacional dos Povos Indígenas de cantos, falas cotidianas e narrativas de indígenas de diferentes etnias, todos com tradução para o português: https://www.gov.br/museudoindio/pt-br/assuntos/noticias/2024/lancado-catalogo-digital-da-exposicao-nhe2019e-pora-sobre-linguas-indigenas-do-brasil
. Daiara Tukano, conheç a artista: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2023/10/5133479-em-exposicao-daiara-tukano-retrata-um-mundo-em-transformacao.html
. Daiara Tukano e Prêmio PIPA: https://www.premiopipa.com/daiara-tukano/
Exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação chega ao Museu Paraense Emílio Goeldi
Mostra sobre as línguas indígenas do Brasil realizada pelo Museu da Língua Portuguesa terá novidades na passagem por Belém, como a exibição do Manto Tupinambá, de Glicéria Tupinambá
O patrocínio do Instituto Cultural Vale vai possibilitar a itinerância da exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, do Museu da Língua Portuguesa, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo. A primeira parada da mostra é o Museu Paraense Emílio Goeldi, onde ficará de 6 de fevereiro a 28 de julho de 2024, com uma novidade importante: o Manto Tupinambá, de Glicéria Tupinambá, fica em exposição junto com a mostra antes de embarcar para o pavilhão brasileiro da Bienal de Veneza.
Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, que tem curadoria de Daiara Tukano e aborda as línguas dos povos originários do Brasil,foi realizada na sede do Museu de outubro de 2022 a abril de 2023.
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Exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação chega ao Museu Paraense Emílio Goeldi
Julgamento de Nuremberg: exposição mostra humanidade por trás da interpretação simultânea
‘1 Julgamento, 4 Línguas’ está exibida no Tribunal de Justiça de São Paulo e apresenta a modalidade de tradução que foi peça chave no processo que revelou crimes dos nazistas
De 20 de novembro de 1945 até 1 de outubro de 1946, aconteceu o julgamento de Nuremberg, na Alemanha, que revelou ao mundo os crimes e atrocidades cometidos pelo Terceiro Reich durante a Segunda Guerra Mundial. Para que as audiências ocorressem, foi elaborada a primeira interpretação simultânea oficial no mundo, com fones de ouvido, microfones, cabos e cabines de vidro. Eram 36 intérpretes, que traduziam interrogatórios e depoimentos em inglês, francês, russo e alemão.
Com curadoria da intérprete alemã Elke Limberger-Katsumi, a mostra “1 Julgamento, 4 Línguas” chegou pela primeira vez ao Brasil no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A exposição é apresentada não apenas em português, mas também nos quatro idiomas falados nas audiências de Nuremberg.
Formada por totens com biografias de intérpretes que trabalharam no caso, a mostra já foi exibida em dez países, entre eles Alemanha, Suíça, França, Grécia, Estados Unidos e Itália. Em São Paulo, a organização é da AIIC Brasil, capítulo brasileiro da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência, que completa 70 anos em 2023.
A educadora da exposição, Pauline Mingroni, explicou a Opera Mundi que a interpretação simultânea, foco da exposição, foi “importante para que a Justiça acontecesse, para que os réus pudessem entender o que estava acontecendo e também se defendessem”.
“Antes do julgamento, o sistema de interpretação era consecutivo, uma pessoa falava, todos escutavam na língua original, e depois a outra pessoa traduzia, e assim por diante”, explicou.
A educadora completou, afirmando que, em Nuremberg, “havia um outro contexto, que reunia mais países e que era mais urgente”. Portanto, “o julgamento que não durou um ano iria durar quase cinco anos utilizando o método antigo”.
A humanidade e a barreira linguística
A interpretação simultânea foi, dentro do contexto de Nuremberg, não apenas uma inovação tecnológica, mas também uma chave para o processo. Uma barreira linguística foi quebrada, permitindo que as atrocidades cometidas pelos nazistas fossem compreendidas em toda a sua amplitude pela comunidade internacional.
Ao abordar o método de interpretação, em contraste com a tradução, Mingroni lembrou: “somos humanos, temos tom de voz, temos emoção, temos tudo isso”. E afirmou à reportagem que, quando uma pessoa interpreta, ela “precisa realmente sentir e conseguir passar a mensagem adiante. Essa função da interpretação envolve o lado humano também”.
Diversos intérpretes foram refugiados da Alemanha nazista, pessoas que tiveram seus familiares condenados ou executados pelo Terceiro Reich, e se refugiavam em outros países, como Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética.
Entre as diversas histórias abordadas dentro da exposição, destaca-se a de Evgenia Rossof (1916-1967), intérprete de inglês e russo para o francês, que foi presa política e passou pelo campo de concentração de Ravensbruck, tendo trabalhado de forma forçada na fábrica da Siemens. Durante seu tempo dentro do julgamento, criou retratos artísticos de nazistas que estavam sendo julgados, utilizando de traços fortes e sombras.
Além dela, há também Hugh Wolfe Frank (1913-1988), que fugiu para a Inglaterra em 1936 e se tornou um inimigo estrangeiro, recebendo cidadania inglesa apenas após o fim da Segunda Guerra Mundial. Intérprete do inglês para o alemão, ficou conhecido como “voz da condenação”, por interpretar em tempo real as sentenças para os nazistas enquanto elas eram proferidas pelo juiz britânico Geoffrey Lawrence.
Serviço:
Exposição: 1 Julgamento, 4 Línguas
Data: 10 de março a 10 de abril de 2023. Segunda a sexta, das 13h às 17h.
Local: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Praça da Sé, s/nº – Centro Histórico de São Paulo