“8 séculos de história”, reportagem sobre a história e projeções da Língua Portuguesa no mundo
Desde sua formação, a língua portuguesa passou de um idioma europeu para um dos mais falados na América — mas hoje, seu futuro está na África e na Ásia
Em 2014 foi lançado o Manifesto 2014, que celebra os oito séculos da língua portuguesa, e foi assinado por escritores, críticos literários, professores e representantes de Estado portugueses. O texto toma como referência o Testamento de D. Afonso II, datado de 27 de junho de 1214, documento mais antigo encontrado em português.
Neste dia, queremos festejar esses oito séculos da nossa língua, a língua do mar, a língua da gente, uma grande língua da globalização. Fazêmo-lo centrados nesse dia e ao longo de um ano, para festejar com o mundo inteiro esta nossa língua: a terceira língua do Ocidente, uma língua em crescimento em todos os continentes, uma das mais faladas do mundo, a língua mais usada no Hemisfério Sul. Celebramos o futuro.
(Trecho do Manifesto 2014)
O português começou a substituir o latim por volta de 1215, aparecendo em documentos oficiais e jurídicos. Mas só dois séculos depois passou a ser chamada de “Língua Portuguesa”: antes, era conhecida como “Nossa Lingoagem”, por ser o idioma falado na região que hoje é Portugal.
O latim era a língua geral falada e escrita em toda a extensão do Império Romano. Como generais, escribas e outros funcionários eram enviados de Roma para outras cidades europeias, o idioma conseguia manter um padrão em todas as regiões. Porém, com o fim do Império Romano, não havia mais gestão da língua por um governo centralizado, o que causou a fragmentação do latim em várias línguas — processo conhecido como dialetação.
Foram necessários cerca de 1000 anos para que se chegasse às línguas que falamos hoje — português, espanhol, catalão, francês, entre outras que se originaram do processo de dialetação do latim —, as chamadas “vernáculas”. Estes idiomas se formaram a partir da criação do Estado Moderno, pois eram as línguas faladas pelas cortes. Onde havia um rei, havia um idioma.
A história da língua portuguesa começou na Galiza. Lá, falava-se o Galego, idioma no qual toda a literatura medieval portuguesa está escrita. As fronteiras não eram as mesmas que conhecemos nos dias atuais: a Galiza é a região onde hoje é o norte de Portugal e o sul da Espanha. Conforme as tropas da Galiza desciam para o sul, o Galego falado no norte ia se misturando com os idiomas da população que vivia na região. Uma delas foi o Moçárabe.
Os moçárabes (vem do árabe e significa “arabizado”) eram uma população de cristãos que viviam no sul da Península Ibérica, sob o governo muçulmano. A região havia sido tomada pelos muçulmanos, e foi regida por eles do século VII ao século XV. No que se refere à língua falada pelos habitantes do local, era um idioma românico em relação ao léxico e gramática. O contato com a população árabe que dominou aquele território causou o que há de mais natural: a transformação no idioma, através da incorporação lexical.
“Onde há contato linguístico, há empréstimos”, diz o professor Gilvan Müller de Oliveira, da área de Filologia e Linguística Histórica no Departamento de Letras da UFSC. É por conta do moçárabe que a língua portuguesa moderna possui mais de 600 vocábulos originados do árabe.
Assim como a língua falada em Portugal se formou através de contatos entre povos, o português do Brasil também se constituiu através de encontros. A vinda de portugueses, espanhóis, africanos e posteriormente outros povos, como os alemães, poloneses e italianos, alterou o idioma. Antes da chegada dos portugueses em 1500, estima-se que existiam quase mil línguas indígenas no Brasil — o Tupinambá, por exemplo, já era falado há pelo menos 300 anos. Com o colonialismo, nasceram as “línguas gerais”, com as variações paulista e amazônica (Nheengatu). As línguas gerais eram, ao mesmo tempo, instrumento e fruto do processo de colonização.
Há 100 anos, não se falava a língua portuguesa na Amazônia. O idioma foi introduzido na região com o Ciclo da Borracha, período em que muitos nordestinos foram trabalhar nos seringais. Assim, o Nheengatu começou a retroceder, enquanto o português se tornava a língua dominante.
Na região Sul, é comum em algumas cidades que o idioma mais falado não seja o português, mas dialetos proveniente dos colonizadores alemães ou italianos. Essa língua perde o caráter de dialeto por possuir léxico, gramática e ortografia próprias, como é o caso do Talian, do Pomerânio e do Hunsrückisch, falados nos municípios catarinenses de Ipumirim, Pomerode e Antônio Carlos, respectivamente.
Mas as línguas co-oficiais não são exclusividade das cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul: municípios do Espírito Santo, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Tocantins também se dividem entre o português e outra língua, que varia do Pomerânio à idiomas indígenas, como o Guarani e o Akwê Xerente.
o crescimento da população, ocorre uma virada demográfica, literalmente mudando a curva no gráfico populacional.
Depois do crescimento populacional brasileiro entre os anos 1950 e 1970, por volta da década de 1980, as taxas de natalidade começaram a diminuir. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2013, o número de filhos por mulher hoje é de 1,77 — no ano 2000, era de 2,39. Esse processo é mais acentuado nas regiões Sul e Sudeste, e deve avançar para as regiões mais ao norte do país. A projeção é que Santa Catarina seja o próximo estado a alcançar a estagnação e, consequentemente, a diminuição da população.
Em Portugal, a estagnação populacional já é uma realidade: é o país europeu em que as mulheres tem menos filhos. De acordo com uma pesquisa do Instituto Nacional de Estatística (INE), 75% da população em idade fértil não pretende ter filhos nos próximos três anos. A média de filhos da União Europeia é de 1,58; a média portuguesa, 1,28.
É devido a este cenário que o futuro da língua portuguesa está na África, continente onde a virada demográfica ainda não chegou. Nos países africanos, e não apenas aqueles onde se fala Português, as taxas de mortalidade infantil diminuem, doenças estão sendo erradicadas e a expectativa de vida sobe.
Para o professor Gilvan Müller de Oliveira, “a língua é um objeto de administração, e precisa de gestores”. É por isso que a língua portuguesa busca hoje uma gestão comum: reconhecimento do português falado em Portugal, no Brasil, em Timor-Leste e em outros seis países como língua de todos.
Uma das medidas para a integração da língua foi o Acordo Ortográfico assinado em 1990 pelos chefes de Estado de sete países. No Brasil, o Acordo está vigente desde 2009, e o processo de adaptação terminou no final de 2015. Os governos de Angola e Moçambique ainda não ratificaram a decisão.
Tanto no Brasil quanto em Portugal, existem setores de gestão da língua que são contra a unificação e, segundo Gilvan, “disputam a língua portuguesa como um ativo nacional”. Para o professor, que faz parte do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL), é necessária uma política coordenada de promoção do idioma.
Com sede em Cabo Verde, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) pode vir a substituir as gestões nacionais da língua por uma gestão internacional. Criado em novembro de 1989, o Instituto envolve todos os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e promove o contato entre esses países.
- Agencia Internacional de Prensa Indígena (AIPIN)
- Biblioteca Virtual de Direitos Humanos USP
- Blogue do Instituto Internacional da Língua Portuguesa IILP
- Centro de Documentação da CPLP (Facebook)
- Centro Europeu para Línguas Modernas do Conselho da Europa
- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CPLP
- Diversidad Linguistica y Cultural A.C. (Facebook)
- Diversidade Linguística (Facebook)
- Fórum Universitário Mercosul FoMerco
- Instituto Nacional de Lenguas Indígenas INALI (México)
- L'Aménagement Linguistique dans le Monde (Canadá)
- Línguas (Comissão Europeia)
- Ministério da Cultura MinC
- Ministério da Educação MEC
- Observatório da Língua Portuguesa
- Observatório Europeu do Plurilinguismo
- Organización de Estados Iberoamericanos OEI
- Política Linguística (Facebook)
- Portal Cultural Plataforma9
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- Secretaría de Políticas Lingüísticas (SPL-Paraguay)
- Secretaría Xeral de Política Lingüística de Galicia
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