Política Linguística e sua relação com as “legislações linguísticas”

Por Gabriel Campos

ㅤAs políticas linguísticas antecedem em muito o surgimento dos estudos do campo conhecido como Política Linguística. No contexto brasileiro, podemos mencionar, por exemplo, as políticas de silenciamento das línguas indígenas de Marquês de Pombal, no século XVIII, e das línguas de imigrantes, durante o período do Estado Novo, no século XX. Apesar disso, é comum entre pesquisadores da área atribuir ao linguista Einar Haugen o título de fundador do campo de estudos da Política Linguística em razão de suas pesquisas sobre a situação linguística da Noruega, na metade do século XX.

ㅤㅤㅤA partir dos estudos iniciais de Haugen, diversos outros pesquisadores se debruçaram sobre conceitos do campo da Política Linguística, como o alemão Heinz Kloss, o norte-americano Robert Leon Cooper, o chileno Rainer Enrique Hamel, o neozelandês Bernard Dov Spolsky, o brasileiro Gilvan Müller de Oliveira, entre outros. Nas últimas décadas, é nos estudos do linguista e sociólogo francês Louis-Jean Calvet que grande parte dos pesquisadores brasileiros fundamenta suas reflexões.

ㅤㅤㅤSegundo Calvet, podemos dividir o campo da Política Linguística em duas vertentes: o planejamento linguístico, que se ocupa do delineamento de uma ação ou intervenção sobre uma ou mais línguas, e a política linguística, que trata da implementação do planejamento anteriormente delineado (Calvet, 2007). Ainda, Calvet menciona que, com o propósito de instituir intervenções sobre a(s) língua(s), o Estado tem como principal recurso as leis linguísticas, ou seja, instrumentos normativos. Nesse sentido, o professor, linguista e jurista canadense Joseph Giuseppe Turi afirma que o fenômeno cada vez mais predominante da coexistência de línguas em uma relação de conflito entre maiorias e minorias linguísticas é responsável pelo aumento de intervenções linguísticas. Logo, é a partir de políticas linguísticas que o Estado administra esses fenômenos, as quais, para Turi, “atualmente tendem a se traduzir cada vez mais em legislação linguística” (Turi, 2013, p. 1).

ㅤㅤㅤEm artigo recente intitulado Reflexões sobre o conceito de “legislações linguísticas”, os pesquisadores brasileiros Marcos Paulo Matos e Maria Carvalho comentam que o conceito de legislações linguísticas exerce duas funções: descrever e denunciar. A partir das legislações linguísticas, podemos descrever sobre as políticas linguísticas em curso mediadas pelo Estado, como elas ocorrem, o seu alcance, entre outros aspectos. Por outro lado, os pesquisadores mencionam que podemos constatar, com base nas legislações linguísticas, a não neutralidade dessas políticas, as quais beneficiam e protegem certos grupos em detrimento de outros.

ㅤㅤㅤAcerca das legislações linguísticas no contexto brasileiro, podemos destacar, por exemplo, os avanços dos movimentos de cooficialização de línguas indígenas e de imigração tanto no nível municipal quanto estadual. Iniciado em 2002, no município de São Gabriel da Cachoeira-AM, esse movimento já conta com mais de 80 legislações linguísticas promulgadas em quase todos os estados brasileiros, totalizando 49 línguas cooficializadas (para mais informações, ver Repositório Brasileiro de Legislações Linguísticas).

ㅤㅤㅤÉ importante reconhecer, ainda, que políticas linguísticas não se resumem aos instrumentos normativos. A professora da Unicamp Terezinha de Jesus Machado Maher, em capítulo do livro Políticas e Políticas Linguísticas, aponta para a omissão do Estado em relação à situação de algumas línguas minoritárias: “a ausência de uma política linguística de Estado constitui, em si mesma, uma política linguística de Estado!” (Maher, 2013, p. 124). Nessa perspectiva, Calvet enfatiza, também, o problema da representatividade no planejamento linguístico no atual estado democrático: “em todo planejamento, há um reduzido número de planejadores e um grande número de planejados aos quais raramente se pergunta a opinião” (Calvet, 2007, p. 159).

ㅤㅤㅤEm suma, a relação entre a Política Linguística e o conceito de legislações linguísticas é complexa e reveladora. Ao mesmo tempo em que as legislações linguísticas constituem ferramentas jurídicas que operacionalizam políticas linguísticas, também revelam as tensões e os interesses subjacentes às decisões do Estado. Logo, compreender essa relação é imprescindível para uma análise do papel das políticas linguísticas de Estado, evidenciando como instrumentos normativos podem atuar tanto na garantia e promoção de direitos linguísticos quanto na perpetuação de desigualdades e assimetrias entre línguas.

CALVET, L.-J. As políticas linguísticas. Tradução de Isabel de Oliveira Duarte, Jonas Tenfen e Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2007.

MAHER, T. M. Ecos de resistência: Políticas Linguísticas e Línguas Minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TILIO, R.; ROCHA, C. H. (Eds.). Políticas e Políticas Linguísticas. Campinas: Pontes Editores, 2013. p. 117-134.

MATOS, M. P. S. Repositório Brasileiro de Legislações Linguísticas (RBLL). IPOL, 2023.

MATOS, M. P. S.; CARVALHO, M. L. G. Reflexões sobre o conceito de “legislações linguísticas”Cadernos De Dereito Actual, v. 21, p. 242-271, 2023.

TURI, J.-G. Linguistic Legislation. In: CHAPELLE, C. A. (Ed.). The Encyclopedia of Applied Linguistics. New Jersey: Blackwell Publishing Ltd, 2013. p. 1-7.

Gabriel Plácido Campos

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduado em Bacharelado em Letras Tradução – Inglês-Português pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Confira o artigo na fonte: https://geomultling.ufsc.br/politica-linguistica-e-sua-relacao-com-as-legislacoes-linguisticas/


 

Saiba mais visitando o Repositório Brasileiro de Legislações Linguísticas no link abaixo:

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