O babalorixá pai Ivo de Xambá recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em cerimônia presencial realizada no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Recife (FDR) no dia 23. Ivo é primeiro representante de religião matriz africana a receber o título no estado. A honraria é concedida a personalidades eminentes com contribuição para o progresso da Universidade, da região ou do país ou que se distinguiram pela sua atuação em favor das ciências, das letras, das artes ou da cultura em geral. A solenidade foi transmitida ao vivo pelo canal oficial da UFPE no YouTube e pode ser conferida na íntegra naquela plataforma.
Adeildo Paraíso da Silva, o pai Ivo de Xambá, há 25 anos, lidera o Terreiro Xambá e o Quilombo do Portão de Gelo, situado no bairro de São Benedito, em Olinda, e é considerado difusor da religião, práticas, costumes, cultura e memória de matriz africana no Brasil. O babalorixá considera que o título integra o início de um reconhecimento de trajetórias de povos e pessoas cuja memória foi apagada da história do Brasil. “Nós vamos começar a contar a história de cada povo importante desse país. Eu sinto que é uma nova história do povo preto, do povo cigano, do povo de candomblé, porque nós precisamos ser reconhecidos nesse país. O negro teve dupla morte, a morte física e morte do esquecimento”, afirmou.
Para a proponente do título, a professora Auxiliadora Martins, do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino do Centro de Educação (CE) da UFPE, a relevância do reconhecimento ao pai Ivo de Xambá reside na manutenção das tradições culturais de matriz africana a partir de rituais do candomblé e da vivência do calendário de festas que une toda a comunidade e convidados, a exemplo o Dia da Consciência Negra, o Coco de Xambá, o Dia do Quilombo Urbano de Xambá, dentre outras comemorações.
A honraria também se deve à preservação do idioma Iorubá como referência da ancestralidade africana, repassado, para familiares e pessoas da comunidade, e à criação do Memorial Severina Paraíso da Silva, primeiro Museu Afro de Pernambuco, que contém diversos artefatos religiosos do candomblé e pertences da yalorixá Severina Paraíso da Silva, que, por mais de 50 anos, manteve o quilombo e sua herança cultural. Em seu discurso panegírico, lido por seu irmão, Fátimo José da Silva, a docente destacou que o título de Doutor Honoris Causa concedido pela UFPE “contribui para tirar do silenciamento, da invisibilidade e da ocultação, pelas academias brasileiras, a nossa história, cultura, memória, formas diversas de produção do conhecimento científico que a população brasileira negra, historicamente”.
Para o reitor Alfredo Gomes, a realização da solenidade no prédio da FDR guarda um significado especial. “Escolhemos o Salão Nobre da FDR porque era preciso que um prédio símbolo da Universidade acolhesse um título que representa mudança, afirmação, diversidade étnica, racial, política e de pluralidade de ideias. Que essa mensagem da necessidade permanente de um país de instituições democráticas, diversas e plurais fique bem gravada na memória das gerações atuais e futuras”, comemorou.
A coordenadora do Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais (Núcleo Erer), Conceição Reis, afirmou que o título é o agradecimento da UFPE pelo trabalho de educação afrocentrada que pai Ivo desenvolve no Terreiro de Xambá. “Uma educação que centraliza a comunidade a partir da relação humana entre as pessoas e, dessas, com a natureza. Esse título também é um presente que Ivo de Xambá entrega à comunidade acadêmica da UFPE, enquanto um chamado para a reflexão sobre suas práticas e para um posicionamento político a favor de uma educação antirracista”, analisou.