direitos indígenas

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Bolsonaro é denunciado por genocídio em Haia, em processo guiado por advogado indígena

Nesta segunda-feira, indígenas acrescentam mais uma denúncia contra o presidente às duas que já tem perante o Tribunal Penal Internacional
Indígena durante protesto em Brasília pela demarcação de terras, em junho deste ano.

Indígena durante protesto em Brasília pela demarcação de terras, em junho deste ano.JOÉDSON ALVES / EFE

A denúncia por genocídio e crimes contra a humanidade que será apresentada nesta segunda-feira ao Tribunal Penal Internacional é a terceira tentativa de que o presidente Jair Bolsonaro preste contas à justiça internacional. O que a diferencia das outras denúncias é que esta foi elaborada por uma equipe de advogados indígenas. À frente do grupo, Luiz Henrique Eloy Terena, nascido há 33 anos em uma aldeia do povo Terena chamada Ipegue, perto da fronteira com o Paraguai.

Viveu lá até os 11 anos, idade em que os meninos tinham que escolher entre dois caminhos: continuar com o ofício ancestral de cortar cana de açúcar ou sair para poder continuar os estudos. Mudou-se para Campo Grande seguindo a família, tendo à frente a mãe, uma pioneira que se separou do marido e trabalhou como empregada doméstica para educar os filhos.

Eloy Terena e seus colaboradores consideram uma enorme responsabilidade ir a Haia (Holanda) em nome da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ou seja, em nome dos quase 900.000 indígenas brasileiros. “Mas não foi por acaso que saímos da aldeia e fomos estudar”, esclarece o advogado em entrevista por telefone de Campo Grande. “Faz parte de uma estratégia de longo prazo do movimento indígena, ciente de que a luta não deve ser apenas com arco e flecha, mas com a caneta”. E com leis e togas, com a exigência de que o Brasil cumpra escrupulosamente os direitos consagrados na Constituição aprovada no ano do nascimento do advogado, 1988.

O pensador Ailton Krenak, indígena que participou da elaboração da Lei Fundamental, destacou no ano passado que este advogado encarna “a ascensão de uma geração que estudou com os brancos, mas soube dar continuidade às lutas de seus tios, pais e avós”. É muito importante que eles falem por si próprios, não que outros falem em seu nome.

A acusação de genocídio contra Bolsonaro baseia-se, segundo a denúncia, no fato de que desde sua posse como presidente há quase três anos adotou “uma política anti-indígena explícita, sistemática e intencional” que transformou “os órgãos e as políticas públicas, antes dedicados à proteção dos povos indígenas, em ferramentas de perseguição” dessa minoria com a intenção de “criar uma nação sem indígenas”. E, a partir daí, os advogados detalham inúmeras decisões, decretos, leis… que, segundo a denúncia, têm levado ao aumento do desmatamento, incêndios e atividades ilegais em terras indígenas.

A medida mais perniciosa para os indígenas que vivem na Amazônia e no resto do Brasil é na realidade uma omissão. Bolsonaro está cumprindo a promessa que fez na campanha de não dar proteção legal a mais nenhum centímetro de terra indígena. “Para os povos indígenas, o território é fundamental”, enfatiza Eloy Terena. É por isso que a paralisação total desse processo “os leva ao extermínio”, porque essas vastas áreas e aqueles que as habitam (enquanto protegem sua biodiversidade) ficam à mercê dos invasores que exploram ilegalmente as riquezas que a terra tem.

O ecocídio é mencionado na denúncia com o intuito de “estimular o debate internacional para que seja tipificado” este crime contra o meio ambiente recém-definido por um comitê de 12 juristas. O objetivo é que se junte aos quatro crimes contra a humanidade que o TPI está julgando.

O jurista indígena afirma que sua denúncia é “uma resposta à altura da opressão sofrida pelo nosso povo”. As sete pessoas da equipe jurídica, que inclui duas mulheres e dois brancos, trabalham há um ano em um texto que tem 148 páginas em sua versão final.

Diz que seu contato com as lideranças dos povos indígenas é constante: “Os caciques querem saber a todo momento onde estamos porque sabem que seus direitos estão amparados pela Constituição”. Mas se consideram desprotegidos pelos tribunais de seu país, que consideram complacentes com o presidente Bolsonaro.

O advogado Luiz Eloy Terena.

O advogado Luiz Eloy Terena. MÍDIA NINJA

Toda a carreira de Eloy Terena foi dedicada à defesa dos direitos dos seus. Tem uma irmã advogada, outra ativista e a terceira é uma dona de casa que voltou para a aldeia.

E entre suas vitórias nos tribunais, a mais significativa foi conquistada ao derrotar o Governo Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal em uma ação de constitucionalidade. Foi no ano passado e como era em plena pandemia e Eloy Terena estava estudando em Paris, graças justamente a uma bolsa do Governo, fez sua acusação por videoconferência. Sua formação incluiu outra estadia no Canadá para estudar conflitos territoriais indígenas. Ao longo de sua carreira, interveio perante a comissão de direitos humanos da ONU e no Congresso em Brasília .

Por conta da covid-19, a apresentação da denúncia em Haia não terá nada de solene. Ninguém viajará do Brasil até lá.

A promotoria do TPI, que depois de anos de análise acaba de abrir uma investigação por crimes de guerra contra Israel e o Hamas, mas não abriu nenhum processo contra Bashar al-Assad ou os generais de Mianmar, recebeu duas outras denúncias contra Bolsonaro. Uma apresentada pela Comissão Arns, uma rede de intelectuais defensores dos direitos humanos, e outra assinada pelos líderes indígenas Raoni Metuktire e Almir Suruí, mas elaborada por um escritório de advocacia francês.

Independentemente de saber se os processos avançarão e em que ritmo na justiça internacional, são uma tentativa das organizações civis brasileiras de mobilizar seus compatriotas diante do ataque sistemático de Bolsonaro aos direitos humanos. Buscar ressonância fora das fronteiras para somar apoio dentro delas.

Eloy Terena está otimista. Acredita que a conjuntura internacional os favorece porque a atenção sobre o meio ambiente, os indígenas, o Brasil e Bolsonaro é grande.

“Retrocesso para os direitos humanos”, diz Joenia Wapichana sobre PL 490

1ª indígena eleita deputada federal é contra projeto de lei que muda demarcações de terras indígenas

Wapichana é única congressista indígena do Congresso NacionalReprodução/Twitter @JoeniaWapichana

A deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR) afirma que o projeto de lei 490/07, que trata sobre demarcação de terras indígenas, é inconstitucional e traz grandes retrocessos aos povos indígenas.

O texto que foi aprovado tem riscos constitucionais. […] É um retrocesso para os direitos humanos e um retrocesso para o meio ambiente também. O impacto é sério”, afirma a deputada.

Em entrevista ao Poder360, Wapichana disse que os povos indígenas ajudam a preservar as terras que ocupam e, com isso, “colaboram” na preservação do meio ambiente.

A votação do projeto de lei foi concluída no dia 29 de junho na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e agora segue para o plenário da Câmara.

A congressista afirma que vai trabalhar para que o projeto não avance. Wapichana declara que é preciso “sensibilizar” e “informar” os colegas sobre o texto que foi aprovado na CCJ.

Estamos tratando de direitos constitucionais dos povos indígenas. A própria constituição já fala que os direitos dos povos indígenas são considerados direitos fundamentais, sendo assim, considerados cláusulas pétreas. Portanto, não poderiam ser alterados ou removidos. Porque a demarcação é um desses direitos”.

A deputada diz também que falta conhecimento aos colegas congressistas sobre os povos indígenas no Brasil.

“[Eles] Não sabem que os povos indígenas são 305 diferentes povos, diferentes línguas. Eu sou apenas um desses povos, o Wapichana, que tem sua língua própria, costumes próprios, que tem sua forma de viver e que precisa ser entendido. Não é um povo que precisa ser ouvido, são vários”, argumenta.

Wapichana diz que foram proferidos “absurdos” durante a discussão do projeto de lei. De acordo com  a deputada, disseram que os indígenas são latifundiários. “Não sabem que a terra é da união”. Também afirmaram que os indígenas vivem em um zoológico humano. “Não sabem que isso é uma forma de se unir”, declarou.

A deputada afirmou que há muita discriminação e palavras ofensivas, de racismo,  em relação aos povos indígenas. Ela disse acreditar que isso faz com que não se avancem os termos de consolidação dos direitos dos povos indígenas.

Joenia Wapichana deu entrevista ao Poder360 por videoconferência na 3ª feira (6.jul.2021) . Assista (19min28s):

MANIFESTAÇÕES

Questionada sobre as recentes manifestações registradas em Brasília, São Paulo e outras regiões do país, a deputada disse que os atos foram uma “forma de se expressar contrária a qualquer retrocesso”.

Sobre o ato que culminou em confronto entre Polícia Militar e indígenas,  ela disse que houve “ânimo dos 2 lados e os índios tiveram seus feridos também”.

PANDEMIA E INDÍGENAS

Ao comentar a ação do governo na pandemia em relação aos índios, a deputada Joenia Wapichana afirmou que “tudo que saiu do governo em relação aos povos indígenas foi na base da pressão, nada foi de iniciativa própria”.

A deputada também disse que protocolou um dos mais de 100 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Declarou também que recebeu diversas denúncias sobre a forma com que os índios foram tratados e encaminhou um dossiê à CPI da Covid, que apura a condução da pandemia pelo governo federal.

Apresentamos um dossiê com todas as denúncias, inclusive relacionadas a vacina, sobre o incentivo da cloroquina para os povos indígenas. E com base no documento do próprio sistema de saúde indígena, pedindo que se investigue essa responsabilidade”, declarou.

Entre as inúmeras denúncias, ela revelou ter recebido uma sobre a ação de garimpeiros que estariam oferecendo vacinas aos indígenas em troca de ouro.

Todas as denúncias que a Frente Parlamentar Indígena recebeu, foram repassadas à CPI da Covid, e eu espero que a comissão possa investigar e as pessoas que trabalham, com a saúde indígena possam ser interrogadas sobre essas denúncias”.

ESPAÇO AOS INDÍGENAS

A deputada disse que é apenas “uma” dentro do Congresso Nacional. Ela defende que os povos indígenas ocupem mais os espaços políticos e públicos.

Wapichana afirmou que as pessoas precisam “conhecer”, “respeitar” e “cobrar” também pelos direitos dos indígenas.

Hoje os territórios que os povos indígenas têm, que estão cuidando na verdade, é patrimônio da União. Isso está em lei. A constituição garante apenas a posse permanente e usufruto exclusivo dos recursos naturais, mas a terra está no nome do patrimônio público. A terra é patrimônio e bem da união. Então os povos indígenas cuidam desse bem para todos”, disse.

POR 
10.jul.2021

O Chile encara seu passado colonial

Em artigo, a mapuche que presidirá a Constituinte chilena narra como ruas insurgentes alçaram as línguas indígenas a símbolo de resistência. Abrem-se chances não apenas de enterrar neoliberalismo, mas também forjar um Estado Plurinacional.
Este artigo, intitulado originalmente de “O despertar da linguagem mapuzugun no processo constituinte e a descolonização do pensamento do povo do Chile”, foi publicado no livro digital Wallmapu — Ensaios sobre plurinacionalidade e Nova Constituição, que pode ser baixado aqui

Introdução

A luta pela língua é política, epistêmica e ética. Se o povo mapuche exercesse o poder político, sua língua também seria poderosa como foi nos tempos coloniais, aqueles que entraram no território Wallmapu deviam falar mapuzugun ou levar tradutor, ou intérprete. É epistêmico porque a língua contém os saberes construído ao longo da história; não é o mesmo o conceito de pessoa, mundo, território em uma língua do que, em outra, porque a língua e a cultura influenciam-se mutuamente; e é ética porque a língua está ligada ao ser, a sua humanidade; impedir que uma pessoa ou comunidade use um idioma é um ataque sua própria condição. Nas línguas os povos guardam as memórias, expressam o presente e definem o seu futuro. Portanto, não é por acaso que, no processo constituinte do Chile, o mapuzugun emergiu nas ruas e mobilizações junto com símbolos como o wenufoye ou bandeira mapuche. O mapuzugun tem um papel central para o futuro da nação mapuche e as línguas indígenas mobilizam os sentidos e conceitos do Estado Plurinacional reivindicado pelos povos, como diz Luís Macas, “Quando falamos de interculturalidade e plurinacionalidade, somos dizendo que devemos pensar em dois eixos fundamentais… Em uma luta política… Em uma luta da epistemologia” (Macas, 2005, p.40), abordagem que é totalmente compartilhada.

Neste texto será desenvolvido o tema da importância da língua mapuzugun no processo constituinte do Chile e as estratégias empregadas que permitiram sua visibilidade. A análise usa dados de registrados na imprensa e redes sociais, fotografias de grafites, pixos nas paredes arranhadas de Santiago do Chile, informações surgidas a partir da Revolta Social que vai do mês de outubro de 2019 até o momento. Parte deste trabalho foi publicado no El Mostrador.cl,em 27 de novembro de 2019, em coautoria com o colega linguista Belén Villena. Ao final, o artigo desenvolve a seguinte questão: qual papel o mapuzugun desempenhará na futura Constituição.

I. Antecedentes

Atualmente, a população indígena total incluindo os dez povos originais (Aymara, Quechua, Likan Antay, Colla, Diaguitas, Rapanui, Mapuche, Yagan, Selknam e kawesqar), de acordo com o Censo de 2017, é 2.185.792, o que equivale a 12,8% da população chilena, composta por um total de 17.574.003 habitantes. A população indígena mais numerosa é a mapuche, que tem um total de 1.745.147, ou seja, 79,85% dos habitantes indígenas do país. No entanto, a perda da língua afeta igualmente todos os povos, desencadeando uma história de linguicídio e epistemicídio praticadas pelas políticas do Estado e, em particular, pelas políticas educacionais. Atualmente, as políticas de reforma educacional inspiradas nos valores da equidade e inclusão também não deram a amplitude em termos de atender às crianças indígenas considerando-se seus direitos linguísticos, conforme explicado a seguir no caso mapuche.

Em 2018, a população escolar de alunos mapuche na educação básica atingiu um total de 197.961 alunos, em comparação com um total de 3.348.426 alunos não-indígenas. Desse número, 35.028 alunos mapuche eram identificados como alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), um total de 18% em comparação com 10% de “estudantes não étnicos”, cujo número é equivalente a 324.784 alunos com o mesmo diagnóstico. Esta porcentagem de crianças mapuche é significativa, a população é menor e mais pessoas são diagnosticadas com NEE, em comparação com os não mapuche; o estudo está em andamento em um Projeto Fondecyt Nº 11180108 (2018-2020), possivelmente em 18% dos alunos Mapuche NEE, crianças bilíngues estão incluídas.

O aluno NEE é definido pelo Decreto nº 170 do Ministério da Educação que estabelece o protocolo para atender às necessidades educacionais especiais, incluindo transtornos de linguagem e aprendizagem. O decreto define como características de transtornos de linguagem características típicas de alunos bilíngues, conforme observado no artigo 33, que indica que as características do diagnóstico de transtorno de linguagem se manifesta em:

i. Erros de produção de palavras, incapacidade de usar os sons da fala de forma apropriada para a sua idade, um vocabulário muito limitado, cometer erros nos tempos verbais ou ter dificuldades em memorizar palavras ou produzir frases longas ou complexas próprias do nível de desenvolvimento da criança.

ii. As dificuldades de linguagem expressiva interferem significativamente na aprendizagem e na interação comunicativa.

iii. Não se cumprem critérios de transtorno misto de linguagem receptiva-expressiva nem de transtorno generalizado do desenvolvimento

As características indicadas são típicas de um aluno cujo bilinguismo está em desenvolvimento. O artigo não diz em lugar nenhum que as crianças bilíngues não podem ser considerados com transtornos, que o bilinguismo não é doença, ao contrário, induz a patologizar a condição de bilinguismo de crianças. Desta forma, as crianças com NEE ingressam no Programa de Integração

Educativa (PIE) do MINEDUC, que obriga a tratar os alunos com fonoaudiólogos e educadores diferenciais e especialistas, todos profissionais formados em universidades tradicionais que não receberam nenhuma introdução ao conhecimento, a cultura e a língua mapuche. Os profissionais corrigem a produção oral, compreensiva aos estudantes, acabando por deslocar a riqueza fonética e linguística manifestada por um aluno bilíngue, interrompendo sua produção para garantir a sucesso educacional através do uso do espanhol como a única língua de aprendizagem. O que é descrito exemplifica como ocorre o processo de linguicídio ou glotofagia (Calvet, 2005) no Chile.

O sistema educacional chileno não reconhece os direitos linguísticos culturais dos povos indígenas; de acordo com a Constituição do Chile, existe apenas uma nação; até agora, tem sido muito difícil incorporar a educação bilíngue intercultural (EIB) no sistema educacional, apesar do modelo já existir como política pública. Suas deficiências são muitas e suas realizações, poucas. A EIB é implementada em locais de alta concentração, tornando-se um caso excepcional nas cidades. O programa de estudo EIB curricularmente equivalente a duas horas por semana de língua indígena, enquanto o resto do currículo é em espanhol e com conteúdos ainda coloniais e racistas. A educação intercultural não é para todos, os chilenos e indígenas na escola são educados a partir do eurocentrismo, sem valorizar o conhecimento dos povos.

A demanda pela língua e conhecimento Mapuche tem uma longa história no Chile, o líder indígena Manuel Aburto Panguilef (1887-1952) reivindicou o ensino na língua mapuzugun sem ser ouvido. O clamor pelo idioma se intensifica a partir de 1990, com a chegada ao poder de governos pós-ditadura (Castillo e Mayo, 2019). A Lei Geral de Educação de 2009 incorporou a EIB para crianças com a restrição de porcentagem de alta concentração, superior a 20% de presença indígena em sala de aula, como esta realidade é escassa, a população beneficiada também é minoritária.

II. As mudanças de paradigma na Revolta Social

O Chile hoje está passando por um processo constituinte comovente que nasceu a partir de baixo com a energia dos jovens adolescentes, meninas e meninos do ensino médio que desafiavam a “normalidade”, as políticas impostas pelo governo e o modelo neoliberal em detrimento dos direitos dos cidadãos e, em particular, de jovens, idosos, mulheres e indígenas. Os jovens despertaram um vulcão adormecido chamado povo do Chile que, convocado pelas injustiças sociais, saiu às ruas para reivindicar seus direitos. Graças aos jovens, a agenda política do governo mudou e, hoje, vivemos um processo constituinte com uma disputa entre o povo e uma classe política governamental espúria. A Revolta Social abalou a consciência do povo chileno, despertando uma sensibilidade particular para a valorização das raízes, contra o colonialismo e o patriarcado; isso tornou possível abrir espaço no coração do povo para as demandas dos povos originários.

A tomada de consciência sobre a violência do Estado

O racismo estrutural (Stavenhagen, 2012, p.231) exercido pela institucionalidade chilena foi golpeado pela Revolta Social de Outubro de 2019; rompeu o muro de indiferença chilena com os Mapuches e tem sido vários os depoimentos em vídeos, pixos e cartazes que falam desse processo, uma frase que descreve essa situação é a seguinte:

“Perdoem-nos, povo Mapuche, não não haver acreditados. Agora sabemos quem são os verdadeiros terroristas ” (Cartaz na mobilização de 25 de outubro, em Santiago).

Assim, o povo chileno tomou conhecimento da luta Mapuche, alguns pediram perdão e desculpas ao mapuche por não haver entendido a legitimidade de sua luta.

A repressão vivida pela nação Mapuche como a condenação por Associação Ilícito de 144 mapuches integrantes da organização Consejo de Todas las Tierras, em 1992; a operação Huracán do Comando da Selva que operou nas comunidades da província de Malleco e provocou a morte de Camilo Catrillanca (2018). Esses atos de violência são comparáveis ás invasões hoje vividas pelas comunas de Lo Hermida, Pudahuel, Puente Alto, ou nas regiões de Antofagasta ou na cidade de Concepción; caso semelhante é a repressão constante que é desencadeada na Plaza Dignidad contra os manifestantes em Santiago e que tem deixado uma geração de jovens sem olho, porque atiram sobre seus rostos; fatos condenáveis que possuem o aval do governo e do Estado. Como Mauricio Lepin, um jovem mapuche que hasteou a bandeira na Plaza de la Dignidad.

… começaram a ver como se reprime o povo Mapuche, a ver o que estava realmente acontecendo, porque quando eles assassinaram Matías Catrileo e Alex Lemun, a televisão se dedicou apenas a mentir e eles contaram a história que eles queriam contar. O assassinato do peñi foi lamentável, mas de alguma forma serviu para que muitas pessoas abrissem os olhos. Os chilenos não podem esquecer quem eles eram e por que morreram. A luta deve continuar, ou então o governo fará o que quiser.

A violência do Estado também foi desvendada pela performance de Las Tesis, texto feminista que critica o patriarcado, o machismo, a violação dos direitos das mulheres e que tem sido apresentado pelas mulheres em várias regiões do Chile e do mundo. Este texto tem uma tradução para o mapuzugun e uma representação feita por mulheres mapuche em Santiago.Conforme indicado aqui, a violência que atinge o país é estatal, governamental e sistemática, primeiro foi exercida contra os mapuche, a fim de impedir a suas demandas sociais, usando como estratégia a criminalização do movimento social. Hoje isso se aplica a todos os chilenos mobilizados.

A mudança de símbolos

A mudança de paradigma que inspira o processo constituinte também levou à renomeação de espaços emblemáticos de protesto social, entre eles, nasceu a Plaza de la Dignidad, antes conhecida como Plaza Baquedano, em memória do General Baquedano que participou do extermínio mapuche entre 1868-1869, chefiado por General José Manuel Pinto. Também tombaram as estátuas dos colonizadores, derrubadas pelos manifestantes, como a de Francisco de Aguirre em La Serena, Pedro de Valdivia em Concepción e Cornelio Saavedra em Collipulli e outros.

Os símbolos representativos das demandas chilenas mudaram, já não são bandeiras de partidos políticos que não representam o clamor do povo, é a wenufoye ou a bandeira mapuche. Este emblema foi criado em 1992 pelo Conselho de Todas as Terras para comemorar os 500 anos de resistência indígena. O significado da bandeira para os mapuche era mostrar sua identidade mapuche além da família e da comunidade. É um símbolo que sintetiza história, a visão de mundo, o conhecimento e o papel da mulher na sua construção; a visão de tempo e espaço, força e espiritualidade dos mapuche. Hoje as pessoas usam porque, além de ser bela e colorida, representa a luta por resistência e coragem de um povo para defender seus direitos.

 

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Emergência Indígena: Povo Pataxó luta contra reintegração de posse durante pandemia

NOTA DE PEDIDO DE APOIO PARA COMUNIDADE INDÍGENA

A COMUNIDADE INDÍGENA PATAXÓ da aldeia NOVOS GUERREIROS localizada no território indígena de PONTA GRANDE, foi surpreendida por uma decisão liminar que autoriza uma reintegração de posse em uma area da aldeia onde está sendo ocupada por 24 famílias indígenas. Os indigenas foram representados e representadas pelos Procuradores Pedro Dinis O’Dwyer e Fernando Zelada, em audiência realizada pelo Juiz Federal Pablo Baldivieso, em 20/08/2020, sofreu uma derrota que inicialmente tem impacto direto sobre 24 familias, mas que eventualmete poderá condenar toda a comunidade a desumanidade de não ter um território onde morare também a exposição ao covid- 19. O juiz determinou:

”Expeça-se mandado de reintegração de posse, devendo ser os requeridos invasores intimados para deixarem, em 05 (cinco) dias, o local, dali retirando os seus pertences, inclusive com a requisição de auxílio policial, caso se faça necessário, tendo em vista as peculiaridades do caso em pauta.

Cumprido o mandado de reintegração, fica aberto o prazo para contestação, no prazo de 15 (quinze) dias nos termos do art. 554, §1o, c/c art. 564, ambos do CPC/2015: por mandado, os ocupantes presentes no local, os quais deverão ser devidamente identificados e qualificados pelo oficial de justiça encarregado do cumprimento da diligência, que deverá ainda, em sendo possível, identificar o(s) líder(es) do Movimento ali presente(s); por edital, os demais ocupantes que não forem encontrados no local no momento do cumprimento da diligência.”

Caso essa decisão liminar se cumpra, Cairá sobre os ombros da Comunidade o peso do abandono e da morte. Observa-se que o papel da Funai é defender os interesses dos povos indígenas, amparando-os através dos recursos e providências para evitar este horror que recai sobre a comunidade. Além das falhas que constam
no processo (foto da área com erros), a comunidade não tem voz através dos seus representantes legais.

Apelamos a sociedade e aos Superiores do MP Federal com propósito de pedir que assumam o seu papel de luta na defesa dos interesses dos(as) indígenas. E façam cumprir o determinado pelo Supremo Tribunal Federal:

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu suspender, até o fim da pandemia do coronavírus, todos os processos e recursos judiciais de reintegração de posse e de anulação de demarcação de territórios indígenas em tramitação no Brasil. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considerou o fato uma vitória da mobilização nacional indígena.

“Para nós é uma decisão importante, até porque os povos indígenas estão sendo muito afetados nesse contexto de pandemia. Muitas comunidades estão enfrentando e adotando meios preventivos por conta própria”, aponta Eloy Terena, do setor jurídico da Apib.”
Fonte https://www.brasildefato.com.br/2020/05/06/stf-suspende-processos-de- reintegracao-de-posse-em-areas-indigenas-durante-a-pandemia
https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/05/stf-suspende-processos- de-reintegracao-de-posse-em-terras-indigenas/

A medida do Juiz (Sr Pablo Baldivieso) é, ao nosso ver, desumana, injusta e desproporcional. Porém, o desinteresse do MP é flagrantemente assustadora. O silêncio em audiência, a falta de comunicação com as lideranças indígenas provoca caos e medo na Comunidade.

Pedimos atenção e respeito. Pedimos providências. Pedimos dignidade. SOBRETUDO PEDIMOS SOCORRO.

Atenciosamente, Aldeia Indígena Novos Guerreiros

Documento Final do I Encontro Virtual de Educação e Saúde Indígena do Amazonas e Roraima

CARTA ABERTA DO I ENCONTRO VIRTUAL DE EDUCAÇÃO E SAÚDE INDÍGENA DO AMAZONAS E RORAIMA

Nós, povos indígenas do Amazonas e Roraima, em conjunto com nossas organizações, preocupados com a situação atual e futura dos nossos povos, reunimo-nos no I Encontro Virtual de Educação e Saúde Indígena do Amazonas e Roraima, em 28 de julho, para demonstrar a nossa insatisfação e repudiar os rumos anti-indígenas das políticas adotadas pelo Governo Federal e pelos Governos dos Estados do Amazonas e de Roraima. Citamos alguns fatos:

No Amazonas, a falta de compromisso real com os povos indígenas pode ser bem ilustrada com o grave caso da anulação do direito constitucional – conquistado em 2018, após oito anos de duras lutas – aprovado na Constituição Estadual, que destinava 0,5% da receita corrente líquida, exclusivamente para o atendimento aos povos indígenas do Estado; a negação de diálogo mais amplo com o movimento indígena, ignorando as pertinentes propostas indígenas elaboradas e apresentadas em série de documentos encaminhados ao governo. Nada foi levado em conta.

Em Roraima, o governo estadual entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para excluir a garantia do direito na carreira dos professores indígenas do Plano de Cargos e Salários dos Servidores. O ato do governo contraria decisão da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima que aprovou o Plano de Carreira da Educação Básica e da Educação Indígena, vetado pelo governo.

Neste I Encontro Virtual, falamos ao Brasil e ao mundo em nome de 20 povos e 30 organizações indígenas, incluindo lideranças, educadores, profissionais da saúde indígena e estudantes indígenas, todos duramente atingidos pela política governamental do País para as populações indígenas.

Há cinco meses vivemos um ciclo de recrudescimento das ameaças contra nossos povos e nossos territórios, exatamente quando a pandemia da Covid-19 amplia  as dificuldades, nos castiga e mata muitos de nós. Já são mais de 10,3 mil indígenas contaminados e 544 mortos pela doença (dados da APIB, de 21/07/2020). Dados recentes da COIAB, informam que a Covid-19 já alcançou 34 povos indígenas no estado do Amazonas, causando 180 óbitos. Em Roraima, foram 6 povos, com 50 óbitos. Nestes dois estados, a Covid-19 está presente em terras indígenas de pelo menos 20 povos isolados. Estimativas sérias apontam que a população indígena está afetada, proporcionalmente, em pelo menos 400% a mais do que a média nacional, confirmando o alto nível de risco que isto representa.

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