Língua indígena falada em SC, Kaingang vira opção de idioma em celulares brasileiros

Projeto desenvolvido em parceria com a Unicamp preserva a cultura e valoriza questões linguísticas relacionadas à comunidade indígena.

Projeto facilita acesso de indígenas aos celulares e valoriza a cultura Kaingang.

Projeto facilita acesso de indígenas aos celulares e valoriza a cultura Kaingang. (Foto: Reprodução, Motorola)

Língua indígena não existe? Longe disso. E a empresa de celulares Motorola deu uma resposta inteligente àqueles que acham isso. A marca incluiu nos smartphones o Kaingang, um dos idiomas mais falados entre os indígenas em Santa Catarina, e a Nheengatu, difundido na bacia do Alto Rio Negro, nos estados do Amazonas e de Roraima.

Aparelhos da empresa atualizados com Android 11 estão aptos ao acesso. A iniciativa nasceu de uma parceria entre Motorola e Universidade de Campinas (Unicamp).

— A equipe Kaingang foi composta por quatro falantes naturais da Terra Indígena Guarita, do Noroeste do Rio Grande do Sul, sendo dois homens e duas mulheres, todos tradutores indígenas e linguistas — diz o professor Wilmar D’Angelis, da Unicamp.

D’Angelis é criador e coordenador do “Projeto Web Indígena”, o qual tem como finalidade promover a inclusão das línguas indígenas e comunidades no mundo digital. O trabalho com a Motorola exigiu oito meses de dedicação. Foram traduzidas cerca de 20 mil expressões, frases, comandos, instrução de orientação, formato de data e hora, e outras informações.

O coordenador explica, ainda, que a opção pelo Kaingang e Nheengatu atendeu a uma combinação de critérios que passa pelo uso bastante comum de smartphones nas comunidades, estarem “entre as mais populosas”, existência de um grupo de escritores e tradutores envolvidos em processos de fortalecimento das respectivas línguas nos extremos Sul e Norte do país.

Marcos Sulivan Nascimento é um entre os indígenas que precisa do celular com frequência. Técnico em agropecuária, ele usa o aparelho para marcar visitas e orientar os agricultores:

— É uma ferramenta muito importante para nossa vida pessoal e profissional.

Preservação e perpetuação no mundo digital

A reportagem do Diário Catarinense conversou com Juliana Rebelatto, gerente de Línguas e Tradução da Motorola. Conforme ela, a inclusão dos idiomas Kaingang e Nheengatu, no sistema operacional Android, teve como objetivo dar acesso às línguas indígenas por meio da tecnologia, visando também a preservação e perpetuação no mundo digital.

— Esse trabalho foi marcado pelo desejo de contribuir para a revitalização das línguas indígenas que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), estão correndo risco de extinção. Nossa meta foi viabilizar que falantes de Kaingang e Nheengatu pudessem usar a tecnologia como ferramenta de empoderamento da cultura.

Juliana Rebelatto explicou que a Motorola não abre investimentos, mas adiantou que a iniciativa está alinhada aos valores da empresa e à missão da Fundação Lenovo de levar tecnologia a todos.

— Trabalhamos em parceria com o Consórcio Unicode e o Google, para assegurar que todos os dados das línguas coletados sejam de fonte aberta. Assim, outros fabricantes e empresas de tecnologia poderão ampliar o impacto positivo do projeto e quem sabe estimular que mais línguas indígenas estejam disponíveis no Android no futuro.

Estudos apontam que dos 45 mil kaingang que vivem no Sudeste do Brasil pelo menos 20 mil falam a língua. Em Santa Catarina, são cerca de 8 mil de acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e encontram-se nos municípios de Ipuaçu, Entre Rios, Chapecó, Seara, Abelardo Luz.

Doutora Kaingang destaca revitalização do idioma

Márcia Nascimento é linguista Kaingang e já deu aulas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na UnoChapecó. A doutora se dedica a estudar metodologias de transmissão intergeracional de línguas em perigo de desaparecimento.

— Como linguista e falante do Kaingang eu acho uma iniciativa muito importante para revitalização da língua. A gente trabalha com projetos e sabe o quanto a execução é difícil devido à falta de uma política linguista e também pela escassez de recursos. Além disso, se compararmos com o português, mesmo quem fala Kaingang sai em desvantagem para ser compreendido pelo resto da população.

Atualmente Márcia desenvolve um projeto com crianças de zero a três anos que foca famílias, normalmente casais mais jovens, que já não falam mais o Kaingang, na Terra Indígena de Nonoai, no Rio Grande do Sul, onde mora.

— Colocamos estas crianças em contato com pessoas mais velhas, normalmente avós, para que elas aprendam a se comunicar em Kaingang. Porém, desde o começo da pandemia esta interação foi suspensa – lamenta pesquisadora e coordenadora do projeto de Revitalização Linguística Kanhgág vī jagfe – Ninho de língua Kaingang na TI Nonoai.

Por Ângela Bastos – angela.bastos@somosnsc.com.br

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