Evento realizado neste mês foi o primeiro grande encontro do GT da Década de Línguas Indígenas da ONU, e reuniu pensadores, intelectuais e lideranças indígenas que discutiram o fortalecimento das línguas indígenas em território nacional . Na imagem acima, Altaci Rubim, do povo Kokama, representante da Década (Foto: Andrés Cardona Cruz/Vist Project/Amazônia Real).
Manaus (AM) – Desde 2005, indígenas do povo Kokama que moram em Manaus têm a oportunidade de revitalizar a língua materna por meio de oficinas coordenadas pela linguista Altaci Rubim em centros de saberes ancestrais. Junto de outros parceiros de seu povo, ela tem criado espaços para que o idioma nativo possa sobreviver. O projeto tem inspirado outras iniciativas de valorização e revitalização das línguas indígenas. No Brasil, são cerca de 274 línguas, de 305 povos originários que resistiram ao processo de colonização de décadas, sendo que muitas delas estão em perigo e especialistas afirmam que é preciso mudar essa situação.
Localizada na zona leste de Manaus, a comunidade Nova Esperança é um caso emblemático de luta pela preservação da língua kokama, cujo território originário fica na região do Alto Solimões, no Amazonas, e também abrange Colômbia e Peru. No Centro de Ciências e Saberes Tradicionais Kokama Antônio Samias, as famílias têm desenvolvido ações de revitalização linguística.
“Nesse processo, os nossos anciãos começaram a se preocupar, uma vez que só eles falavam a língua e os mais jovens não falavam. Em 2000, entrei no movimento das línguas indígenas do meu povo e nessa mobilização, junto de outros linguistas e apoios institucionais como do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia [grupo de pesquisa vinculado à Universidade do Estado do Amazonas], passamos a fazer oficinas de fortalecimento linguístico, tanto de documentação quanto de fortalecimento, sensibilizando o povo da importância da fala, da língua, da preservação dos nossos saberes”, explica a linguista.
Em 2022, Altaci Rubim, que é doutora em Linguística e professora da Universidade de Brasília (UnB), foi escolhida representante da América Latina e Caribe no GT (Grupo de Trabalho) Mundial da Década das Línguas Indígenas na Organização das Nações Unidas (ONU) . Em 2023, com outros especialistas, ela deu um passo adiante, ao começar o planejamento das discussões sobre propostas de revitalização.
O primeiro grande evento ocorreu neste mês, entre os dias 9 e 11, em Manaus, durante “I Encontro Nacional para a Década Internacional das Línguas Indígenas”, que reuniu especialistas, antropólogos, pesquisadores, linguistas, sábios e lideranças dos povos originários. O objetivo foi discutir estratégicas de revitalização, falar sobre experiências bem-sucedidas de recuperação linguísticas e inclusão destas iniciativas nas políticas públicas.
Durante três dias, cerca de 110 pessoas de 34 povos indígenas se reuniram no Centro de Formação Xare, localizado na Chácara do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na BR-174, em Manaus. O evento também contou com a presença da ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara, e de representantes não indígenas e instituições como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Segundo Altaci Rubim, coordenadora-geral de Articulação de Políticas Educacionais Indígenas, do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas, ligado ao Ministério dos Povos Indígenas, o encontro resulta do esforço de muitos anos dos povos indígenas, que lutam pela criação de um plano mundial para que se tenham os direcionamentos das políticas que cada país deve ter para promover as suas línguas indígenas.
“No Brasil, a luta pelas línguas indígenas não começa nessa década. Esse é um chamado dos nossos ancestrais pela sobrevivência das línguas maternas. O Nordeste todo já está em retomada, línguas que já não eram mais faladas e estão sendo acordadas em rituais, línguas assobiadas, línguas assopradas, todas são línguas indígenas e estão em diferentes processos de retomada revitalização e revitalização”, disse Altaci.
Norteado pela participação efetiva dos povos indígenas na tomada de decisões, o GT movimenta-se em três frentes de trabalho: Línguas Indígenas Orais, Línguas Indígenas de Sinais e Português Indígena. Com base no Plano de Ação para a Década Internacional das Línguas Indígenas, encaminhado à Unesco em 17 de julho de 2021, o GT estabeleceu princípios que embasam a concepção indígena sobre as línguas, como forma de liderar a discussão.
Anari Bomfim, indígena do povo Pataxó do extremo sul da Bahia, militante da educação indígena, professora, linguista e pesquisadora do Grupo de Pesquisadores Pataxó – Atxohã, é representante do Nordeste no GT Nacional. A pesquisadora explicou que, de dois em dois anos, uma das cinco regiões do Brasil irá assumir a coordenação nacional, começando pela região Norte, como forma de garantir a participação integral de todos. “Temos parceiros para apoiar nossos projetos, mas quem está a frente somos nós, os indígenas, porque estamos seguindo esse lema Nada Para Nós Sem Nós. Essa década das línguas indígenas só tem sentido se for feita integralmente por nós”, diz.
O encontro ocorreu no mesmo mês em que o Censo de 2023 do IBGE mostrou que a população indígena do País dobrou. São 1,7 milhão de pessoas. Amazonas é o Estado com maior número de pessoas indígenas: 490.854; a capital Manaus é o município com maior presença indígena, com 71,7 mil pessoas. (…siga)
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