Txai Suruí conta como os povos indígenas da Amazônia usam a tecnologia para defender seus territórios
Ativista indígena participa da noite de abertura do Web Summit Rio, evento que acontece entre hoje (1) e quinta-feira (4) no Riocentro
Por Lia Hama, Época Negócios –
“Na época em que meu avô Marimop Suruí era o chefe maior do povo Paiter Suruí, as armas que eles tinham para defender seu território eram o arco e a flecha. Hoje temos os drones, os satélites do Google, as câmeras de vídeo, os celulares e as redes sociais para denunciar as invasões às nossas terras na Amazônia”, afirmou à ÉPOCA Negócios a ativista indígena Txai Suruí.
Em 2021, a estudante de Direito atraiu os holofotes do mundo inteiro ao discursar na abertura da 26ª Conferência da ONU sobre o Clima em Glasgow. Hoje, aos 26 anos, é uma das vozes mais potentes na defesa dos povos indígenas do Brasil. A ativista acumula as funções de coordenadora-geral da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé (que trabalha com 21 povos indígenas da Amazônia), coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia e conselheira da WWF-Brasil e do Pacto Global da ONU no Brasil.
Txai também é produtora-executiva do documentário “O Território”, que narra a luta do povo Uru-eu-wau-wau e da indigenista Ivaneide Bandeira, mãe de Txai, contra a invasão de terras indígenas em Rondônia. Dirigido por Alex Pritz, o filme levou os prêmios de Público e Especial do Júri para Obra Documental no Festival de Sundance em 2022. Boa parte das imagens foram feitas por Bitaté Uru-eu-wau-wau, líder indígena que aprendeu a usar o drone e o GPS para denunciar o avanço de fazendeiros em seu território.
Txai participa hoje (1/05) da noite de abertura do Web Summit Rio, edição brasileira do festival de tecnologia e inovação. Também estarão no palco: Paddy Cosgrave, fundador e CEO do evento; Ayo Tometi, cofundadora do movimento Black Lives Matter; David Vélez, fundador e CEO do Nubank; os apresentadores Luciano Huck e Maju Coutinho; Eduardo Paes, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, e outros convidados. O festival acontece até quinta-feira (4/05) no Riocentro, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
Na entrevista a seguir, Txai fala sobre as políticas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o uso das tecnologias para a defesa dos territórios indígenas, a parceria pioneira feita por seu pai, o cacique Almir Suruí, com o Google Earth, o assassinato do amigo Ari Uru-eu-wau-wau e as ameaças de morte recebidas pela família.
ÉPOCA NEGÓCIOS – Você se tornou conhecida no mundo inteiro como porta-voz dos povos indígenas no Brasil. Como você avalia as políticas adotadas pelo governo Lula nessa área?
TXAI SURUÍ – Esse governo começou com algo histórico, que foi a criação do Ministério dos Povos Indígenas. É um exemplo para outros países, porque até então os povos originários não estavam representados. Há muito tempo vínhamos denunciando a situação dos Yanomamis e ninguém fazia nada a respeito. Agora temos um ministério que não deixa isso ser invisibilizado, que luta por essas questões, que são de direitos humanos. Claro que há um caminho longo pela frente, mas existe um olhar novo em relação aos povos indígenas e à floresta.
Você é produtora-executiva do filme “O Território”, sobre a luta por sobrevivência do povo Uru-eu-wau-wau em Rondônia. O documentário mostra jovens indígenas usando drones para fiscalizar o território. Quando essa tecnologia chegou para vocês e qual é a sua importância?
Essa tecnologia veio como uma forma de responder às ameaças e invasões. Os últimos seis anos foram muito difíceis para nós, indígenas. Houve uma militarização muito grande, tanto da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) quando da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Colocaram pessoas que não gostam de indígenas nesses órgãos que deveriam zelar pelo nosso bem-estar. Quando denunciávamos o que estava acontecendo, falavam: “Vocês estão mentindo, só acreditamos se trouxerem provas”. Então, junto com a Associação Kanindé e a WWF, levamos os drones para as aldeias e formamos jovens para lidar com a tecnologia, fortalecendo assim o monitoramento e a proteção do território. Também usamos esses equipamentos para fazer o levantamento da fauna e da flora e realizar a análise das mudanças do clima da região.
O filme mostra duas visões opostas: a dos indígenas que vivem na floresta e a dos invasores, que acham que progresso é derrubar árvore para plantar soja e criar gado. Como conciliar essas visões?
Não adianta fazer a desintrusão, que é a retirada dos invasores, e não oferecer outro caminho para a pessoa seguir. É preciso mostrar que é possível proteger a floresta e ganhar dinheiro com isso. Não gosto de falar em termos financeiros, mas é preciso conversar sobre alternativas de renda para essas pessoas. Existem soluções que são baseadas na natureza. É possível, por exemplo, fazer reflorestamento e participar do mercado de carbono. Eles podem ganhar mais dinheiro com isso do que com a criação de gado.
Você poderia citar um exemplo de projeto bem-sucedido com uma solução baseada na natureza?
Outro dia, o Luciano Huck visitou a nossa aldeia Lapetanha em Cacoal, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia. Ele conheceu nosso trabalho de reflorestamento chamado Pamine, que significa “renascer da floresta”. O projeto acabou de ser premiado com o “Nobel Verde”, o United Earth Amazonia Award. As nossas agroflorestas produzem um café premiadíssimo, vendido para uma das maiores empresas de café do Brasil, a 3 Corações. Plantamos o café junto com bananeiras, cacauzeiros, castanheiras e outras plantas sagradas para nós. Também trabalhamos com etnoturismo, temos as nossas bangalocas (mistura de bangalôs e ocas) para hospedar turistas. Mostramos a eles nosso modo de vida e nossa cultura ancestral. Queremos que as pessoas da cidade entendam por que nós, indígenas, nos entendemos como parte da natureza e porque é tão importante preservá-la.
Quem banca esses projetos?
Às vezes são doadores do Brasil, às vezes são doadores do exterior. O projeto de turismo foi financiado pelo Fundo LIRA (Legado Integrado da Região Amazônica), uma parceria entre o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), a Fundação Gordon and Betty Moore e o Fundo Amazônia.
O filme “O Território” mostra um amigo de infância seu, o Ari Uru-eu-wau-wau, que era um guardião da floresta e foi assassinado. Você tem esperança de que o responsável seja punido?
Não posso perder a esperança. Vamos continuar exigindo justiça para o Ari, para que o que aconteceu com ele não se repita e para que a morte dele não tenha sido em vão. A gente sabe que a pessoa que matou o Ari estava envolvida com as invasões ao território. Até hoje, existem mais de 6 mil cabeças de gado só numa pequena parte do território dos Uru eu-wau-wau.
Quando o filme foi lançado mundialmente em setembro do ano passado, você temia por ameaças de morte contra você e a sua família. Isso aconteceu? Vocês tiveram a segurança reforçada?
O filme mostra como tiveram que subir o muro da casa da minha mãe em Porto Velho, por causa das ameaças recebidas por ela. Em certo momento, tivemos que levá-la para outro lugar. Isso é uma constante em nossa vida. Quando eu tinha 14 anos, tivemos que ficar um ano sendo acompanhados pela Força Nacional por causa das ameaças que meus pais receberam após denúncias sobre invasões e retiradas ilegais de madeira do nosso território. Quando voltei da COP26, essas ameaças ocorreram também, tanto na internet quanto pessoalmente. Fui perseguida mais de uma vez por um carro com vidro escuro em Porto Velho. Passei um período viajando por causa disso, não podia ficar na cidade.
Quem são as pessoas que te inspiram na luta pela defesa dos povos indígenas?
Minha mãe [a indigenista Ivaneide Bandeira Neidinha Suruí], porque é uma mulher forte, batalhadora e corajosa. E meu pai [o cacique Almir Suruí], porque é visionário. Os Paiter Suruí foram o primeiro povo indígena do Brasil a trabalhar com mercado de carbono, por ideia dele. Também veio dele a iniciativa de fazer uma parceria com o Google. Em 2007, ele bateu na porta deles na Califórnia e disse que faltava um projeto da empresa com os povos indígenas. Foi daí que nasceu o Mapa Cultural dos Suruí, no Google Earth.
O cineasta João Moreira Salles está fazendo um documentário sobre você e o seu pai. Como foram as gravações?
João me acompanhou na época das eleições presidenciais do ano passado. Eu estava em Nova York, depois voltei para o Brasil. Uma outra equipe acompanhou meu pai, que estava se candidatando a deputado federal por Rondônia. Para a gente, essas eleições eram uma questão de vida ou morte, assim como era para os Yanomami ou para os Munduruku. O João mostrou o que eu estava vivendo como uma jovem mulher indígena, que tem uma perspectiva de luta diferente das gerações passadas. O povo Paiter Suruí tem 54 anos de contato com não indígenas. Meu avô lutou com arco e flecha para que o nosso território não fosse invadido. Ele mandou meu pai estudar na cidade para aprender como o homem branco vive. Meu pai fez a mesma coisa comigo. Hoje falo inglês, estudo Direito e tenho facilidade em usar novas tecnologias.
Qual é a importância das redes sociais no seu trabalho como ativista?
Uso as redes sociais para denunciar o que acontece em nossos territórios. Outro dia estava agoniada porque, em Rondônia, o povo Tupari estava com cinco aldeias alagadas. As famílias perderam tudo, ficaram sem comida e sem água potável, porque a roça delas foi alagada e o poço foi infiltrado com a lama das enchentes. Não tenho como dormir enquanto meu povo está sofrendo. Meu trabalho é usar as redes sociais, acionar os meios de comunicação e tentar levar ajuda para esses lugares. Até pouco tempo atrás, a gente falava de crise climática como algo do futuro, mas são coisas que já estão acontecendo.
Em que outros projetos você está trabalhando?
Me formo este ano no curso de Direito. Estou tentando escrever um livro infantil e, mais para frente, quero trabalhar em um livro que mostre como é possível viver em harmonia com a natureza. Busco fazer um trabalho decolonial, trazer outra visão sobre a vida. O homem branco diz: “Só existe este caminho a seguir, não existe outra alternativa”. Nós, indígenas, estamos aqui para dizer: “Não é verdade. Dentro desse mundo, existem vários outros mundos. Há muitas outras filosofias, ciências e tecnologias”. Como diz o líder indígena Ailton Krenak, se existe um futuro, o futuro é ancestral.
(A participação de Txai está em 2h14min e 51s … https://www.youtube.com/watch?v=zAWFvYwmc2c)
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