Uso de cartazes sobre audiências de custódia traduzidos para línguas indígenas é tema de painel apresentado por juíza do TJAM na 1.ª Conferência Amazônica do Clima e do Meio Ambiente
Coordenadora das Audiências de Custódia, a juíza André Jane falou sobre a iniciativa, resultado de parceria que envolve o CNJ, o Escritório das Nações Unidas sobre Doenças e Crime, a Esmam, o TJAM e organizações indígenas.
A experiência do projeto de tradução de cartazes desenvolvido pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) junto a povos indígenas, dentro do “Programa Fazendo Justiça”, foi compartilhada nesta sexta-feira (18/11) em um dos painéis do segundo e último dia da “1ª Conferência Amazônica do Clima e do Meio Ambiente”. O evento é organizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e Esmam tendo como local o Salão Rio Solimões do Palácio Rio Negro.
A apresentação do projeto ocorreu dentro do Painel 1 – “Acesso intercultural à justiça aos povos da floresta: garantindo informação sobre Audiências de Custódia em línguas indígenas no Amazonas” -, com explanação realizada pela juíza de Direito da 5.ª Vara Criminal de Manaus e coordenadora da Coordenadoria das Audiências de Custódia do Tribunal de Justiça do Amazonas, magistrada Andrea Jane Silva de Medeiros.
A comunicação intercultural acontece através de cartazes com uma série de materiais informativos sobre audiências de custódia traduzidos para as respectivas línguas indígenas, baseado na cartilha divulgada em 2021 pelo CNJ para a qualificação das audiências, conforme informou Andrea Jane, que é graduada pela Ufam (1994) e pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela mesma instituição de ensino superior, e em Direito Eleitoral pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
“Nós apresentamos hoje uma das ações resultantes da parceria entre o Tribunal de Justiça, a Escola da Magistratura do Amazonas e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no âmbito do ‘Programa Fazendo Justiça’, do CNJ. Trata-se de um projeto de tradução de cartazes sobre audiências de custódia para as línguas indígenas do Alto Solimões, na língua Tikuna, e Vale do Javari, para as línguas Kanamari, Matis e Marubo. O projeto-piloto foi realizado através do CNJ em abril deste ano, em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, onde foi traduzido também para três línguas. E o Tribunal de Justiça entrou com apoio, diferentemente deste projeto agora, em que ele toma à frente e passa a institucionalizar essa prática”, explicou ela, frisando que, a partir do protagonismo indígena, o CNJ publicou a Resolução CNJ n.º 287/2019, que estabelece procedimentos voltados para a garantia dos Direitos Humanos do indígena que responde a processos criminais.
A partir do projeto-piloto em São Gabriel da Cachoeira, disse a juíza e coordenadora, o Tribunal do Amazonas, que figurava como apoio, passou através da Coordenadoria das Audiências de Custódia, e com a parceria com a Esmam, a institucionalizar a prática com a escolha da região do Alto Solimões e do Vale do Javari. “E a partir desse projeto de institucionalização da tradução dos cartazes para línguas indígenas, foram realizadas inúmeras reuniões e encontros in loco em Benjamin Constant, Tabatinga e Atalaia do Norte, que contaram com a participação do Grupo de Monitoramento Carcerário, com a presença do desembargador Elci Simões, da Coordenadoria das Audiências de Custódia do Amazonas, da Esmam e com as organizações indígenas e indigenistas daquela região. E dessas reuniões chegou-se à necessidade de tradução dos cartazes contendo as informações das audiências de custódia para as línguas indígenas do Alto Solimões. Foi uma escolha natural, mas os indígenas da região foram ouvidos”, informou a magistrada.
A magistrada frisou que, em 2022, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução n.º 254, que estabelece diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito ao acesso ao Judiciário da pessoa e dos povos indígenas. No âmbito do Tribunal de Justiça do Amazonas, com a importante parceria da Esmam, que encampou, na pessoa do desembargador João de Jesus Abdala Simões, esse projeto trata, em sua essência, da promoção e garantia desse direito. Um acesso intercultural. E a tradução de materiais descritos sobre Direito se configura esse passo inicial”, disse Andrea Jane.
De acordo com a coordenadora das Audiências de Custódia, a ação mostra mais uma vez que o Judiciário está antenado às necessidades das populações na inclusão desses povos.
O projeto de acesso intercultural à Justiça, do “Programa Fazendo Justiça”, conta com a atuação conjunta, além do TJAM, Esmam e CNJ, também do Escritório das Nações Unidas sobre Doenças e Crime (UNODC), União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Projeto Agro Vida, Museu Magüta, Conselho Indigenista Missionário e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)..
Opiniões indígenas
Pertencente à etnia Kambeba, Melquíades Ventura Neto era um dos indígenas presentes na plateia da 1.ª Conferência Amazônica do Clima e do Meio Ambiente. Natural de uma aldeia do Município de São Paulo de Olivença, no Alto Solimões, ele destacou a iniciativa do CNJ e do Poder Judiciário do Amazonas para com seus parentes das etnias Matis, Kanamari, Marubo e Tikuna.
“A importância desse projeto para os meus outros parentes Marubo, Matis, Kanamari e Tikuna é que ele representa o fortalecimento para nós. Hoje estamos vendo, presencialmente, que há uma preocupação com a língua materna, com a nossa cultura e com os nossos costumes e modo de viver. É muito bom enxergar que a educação se avança em prol de nós, indígenas. Iniciativas como essas nos fazem sentir valorizados pelo Poder Judiciário. Nós sentimos muito felizes por estarem nos enxergando e valorizando a nossa língua materna, trazendo fortalecimento”, declarou.
Para a liderança indígena Marcivana Sateré Mawé, coordenadora da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), e natural de Maués (distante quilômetros de Manaus), no Baixo Amazonas, a explanação da juíza Andrea Jane sobre os cartazes relativos às audiências de custódia em línguas indígenas no Amazonas “é uma iniciativa muito significativa, uma vez que nesses territórios nos quais estão sendo desenvolvidas essas ações a maioria dos indígenas é falante somente da língua materna nas regiões de Atalaia do Norte, Alto Rio Negro”.
Segundo Marcivana, a ação possibilita que o indígena se faça entender diante daquilo que é questionado. “Então, nos facilita esse entendimento, o diálogo, embora em línguas diferentes. Com certeza é uma valorização para nós, uma vez que um dos grandes desafios que nós temos enquanto indígenas é justamente esse, da vitalização das nossas línguas maternas, e isso só pode ser feito de fato, se fortalecida, com iniciativas como essas, que possamos falar na nossa língua materna, porque é o português que predomina. Além da questão do Direito, também no fortalecimento cultural dos povos”, declarou ela.
Outros paineis
O painel com a juíza Andrea Jane Silva de Medeiros foi antecedido pela abertura do evento por parte do juiz de Direito e secretário-executivo da Enfam, Jorsenildo Dourado do Nascimento e pelos paineis dos palestrantes ministro Herman Benjamin (com a temática “Panorama da Jurisprudência Ambiental do STJ”); Tasso Alexandre Richetti Pires Cipriano (“Logística Reversa e Economia Circular: Desafios e Iniciativas a partir da Agenda 2030”); Tiago Fensterseifer (“O Regime de proteção climática na Constituição Federal de 1988”) e; palestrante Girolamo Domenico Treccani (“Transparência das informações agroambientais na promoção do desenvolvimento sustentável”).
No período da tarde, encerrando o evento, houve grupos de trabalho (GT) enfatizando o “Respeito à autodeterminação dos povos indígenas, comunidades tradicionais e extrativistas e a garantia ao direito à consulta prévia, livre e informada” e “Capacitação continuada e permanente dos agentes de Justiça para atualização e aperfeiçoamento funcional com uso de novas tecnologias e metodologias inovadoras”.
GT do CNJ debate percentual de cotas para indígenas no Judiciário
O grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que estuda a regulamentação de cotas para indígenas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos no Poder Judiciário concluiu que deve ser assegurada reserva de vagas para essa população.
De acordo com o coordenador do grupo, conselheiro Sidney Madruga, os integrantes entenderam que a resolução que irá assegurar esta reserva deve contemplar a necessidade de ampliação da presença de indígenas para 5% do quadro. Atualmente, há somente 13 juízes no país que se autodeclaram indígenas. “Temos indígenas graduados, mestres e doutores que podem, sim, ingressar na magistratura de forma mais igualitária”, considerou.
Outra proposta do grupo é de que a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) incorpore no curso de formação uma disciplina acerca dos povos indígenas, a exemplo da iniciativa do Comitê de Pessoas com Deficiência no Âmbito do Judiciário, que enviou ofício à ENFAM sugerindo a criação de uma disciplina sobre os direitos destas pessoas.
O grupo de trabalho também tratou sobre a inclusão de representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) no colegiado e a nomeação de um conselheiro para a presidência do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e efetividade das demandas relacionadas aos povos indígenas e tribais (Fonit), instituído pela Resolução n. 453/2022, que tem o objetivo de elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento do sistema judicial quanto ao tema.
O procurador regional da República Felício de Araújo Pontes Junior, coordenador-executivo do grupo; o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Jônatas Andrade; a antropóloga Jane Felipe Beltrão, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA); e o procurador da República Onésio Soares Amaral, que também participa do grupo de trabalho sobre as cotas étnico-raciais da Procuradoria Geral da República, contribuíram com os debates da reunião.
No encerramento dos debates, os participantes reconheceram também a importância de que a questão dos quilombolas e povos tradicionais seja tratada em foros específicos. A previsão é de que o próximo encontro do grupo aconteça no início de novembro.
FONTE: Agência CNJ de Notícias
Informações sobre audiência de custódia chegarão ao Amazonas em línguas indígenas
Traduzidos em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e com o Instituto Socioambiental a partir das versões em português lançadas em 2021, os cartazes informativos serão lançados em São Gabriel da Cachoeira.
Na próxima sexta-feira (29/04), representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estarão em São Gabriel da Cachoeira (AM), considerada a cidade mais indígena do Brasil, para lançar materiais informativos sobre audiências de custódia nas línguas Nheengatu, Baniwa e Tukano. Os oito cartazes foram traduzidos em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e com o Instituto Socioambiental (ISA) a partir das versões em português lançadas em 2021. A ampliação da tradução para outras línguas já está em debate.
O lançamento terá a presença de lideranças dos 23 povos indígenas que compõem a FOIRN, representantes do ISA, do CNJ, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) e de outros órgãos do sistema de Justiça e do Poder Executivo. Além de informações sobre os passos desde o momento da prisão até a audiência de custódia, os cartazes abordam temas como direitos das pessoas presas, medidas cautelares, monitoração eletrônica, trabalho, renda e educação, saúde, moradia e benefícios socioassistenciais e prevenção a maus-tratos e a violência. Na mesma visita, serão discutidas questões relativas à privação de liberdade na região com lideranças indígenas e autoridades locais.
A ação de qualificação e expansão das audiências de custódia integra o programa “Fazendo Justiça”, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública para incidir em desafios no campo da privação de liberdade. As ações sobre audiência de custódia têm a especial participação e assistência do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Desde 2015, quando foram iniciadas no Brasil, o CNJ contabiliza pelo menos 900 mil audiências de custódia realizadas no País.
Construindo pontes
Segundo dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil tem cerca de 670 mil pessoas privadas de liberdade, sendo 3,1 mil pessoas indígenas. No entanto, em regiões com população predominantemente indígena – como é o caso de São Gabriel da Cachoeira, com 74% de população indígena segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – a barreira linguística foi identificada como uma das maiores dificuldades para a promoção dos direitos de pessoas custodiadas.
“Eliminar barreiras linguísticas aos povos indígenas vai além do respeito à diversidade, representando um necessário alinhamento a normativas nacionais e internacionais para que essas brasileiras e esses brasileiros conheçam os seus direitos”, explica o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, conselheiro Mauro Martins. Em 2019, o CNJ aprovou a Resolução n.º 287/2019 sobre pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade que, entre outras coisas, aborda a necessidade de intérpretes em diferentes etapas processuais.
Além de apoiar os poderes públicos locais a qualificarem a porta de entrada do sistema prisional, o CNJ atua por meio do programa Fazendo Justiça em ações orientadas para diferentes etapas do ciclo penal e do ciclo socioeducativo. Essas iniciativas incluem ação nacional de identificação civil para fins de documentação, programas de fomento ao trabalho, leitura, esportes e lazer e ações voltadas a pessoas egressas de ambos os sistemas, assim como desenvolvimento e ampliação de sistemas informatizados para gestão de processos judiciários.
Missão conjunta
Entre 2 e 6 de maio, será realizada a missão conjunta da Corregedoria Nacional de Justiça e do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ no Estado do Amazonas, conforme determina a Portaria Conjunta n.º 1/2022. As equipes estarão em Manaus e alguns municípios do interior do Estado, sendo a questão de pessoas indígenas privadas de liberdade um dos pontos de interesse da visita.
#PraTodosVerem – a foto que ilustra a matéria mostra detalhe de indígenas (da cintura para baixo) usando roupas tradicionais e coloridas no que parece ser uma dança em ritual de sua cultura.