Em algum lugar, num edifício envidraçado a quilômetros de San Francisco, um computador está tentando imaginar uma vaca.

O software visualiza vacas de tamanhos diversos e em posições diferentes. Em seguida, desenha versões digitais rudimentares, não uma coleção de fotografias, mas sim o produto de sua “imaginação”.

A tecnologia foi desenvolvida pela Vicarious FPC Inc., uma empresa novata quase secreta financiada pelos primeiros funcionários do Facebook Inc. FB -0.25% e outros investidores que fazem parte do mundo da inteligência artificial, que está em rápida expansão. A empresa está unindo pedaços de código inspirados no cérebro humano, com o objetivo de criar uma máquina que pode pensar como os seres humanos.

Um software tão poderoso ainda está a anos de ficar pronto, se é que algum dia vai ficar, e levanta todos os tipos de questões éticas. Mas as possíveis aplicações dele — como traduzir línguas estrangeiras perfeitamente, identificar objetos em fotografias e conduzir automóveis que dirigem sozinhos através de cruzamentos movimentados — são tão atraentes que gigantes da tecnologia como o Facebook e o Google Inc. GOOG -0.52% estão investindo pesado em inteligência artificial.

                                 

Uma série de imagens de uma vaca criadas pelo software de inteligência artificial da Vicarious.

Há duas semanas, o Google anunciou que adquiriu a Deepmind, uma empresa pequena de Londres semelhante à Vicarious, por mais de US$ 500 milhões, de acordo com duas pessoas a par do assunto. O Facebook estava supostamente interessado na Deepmind e, dois meses atrás, contratou Yann LeCun, professor da Universidade de Nova York que é considerado um dos maiores especialistas na área, para digirir um laboratório novo de inteligência artificial.

A ideia de criar computadores mais inteligentes baseados no cérebro circula há décadas em meio ao debate dos cientistas sobre o melhor caminho para a inteligência artificial. A abordagem ganhou fôlego novo nos últimos anos graças a processadores de computador muito superiores e aos avanços nas metodologias de aprendizagem para computadores.

Uma das tecnologias mais populares nessa área inclui um software capaz de aprender a classificar coisas tão variadas como animais, sílabas e objetos inanimados.

O campo ainda é tão especializado que a Vicarious compartilha um investidor com a Deepmind — o Founders Fund, dirigido por Peter Thiel, investidor do Facebook— e as duas novatas chegaram brevemente a pensar em criar uma única empresa em 2010, antes de decidir seguir adiante independentemente, de acordo com um dos fundadores da Vicarious, D. Scott Phoenix.

A Vicarious captou desde então US$ 16 milhões do Founders Fund e atraiu várias pessoas que trabalharam no Facebook durante os seus primórdios, incluindo Dustin Moskovitz, um dos fundadores da rede social, e Adam D’ Angelo, ex-diretor de tecnologia.

A empresa está envolta em mistério, uma característica muitas vezes citada pelos céticos. Assim como a Deepmind, ela ainda não divulgou qualquer produto e pode estar longe disso. E alguns dos investidores da Vicarious, como Aydin Senkut, chefe da Felicis Ventures, nunca viram o laboratório da empresa. Os fundadores dizem que fica em algum lugar na Baía de San Francisco e não revelam onde para protegê-lo do ataque de hackers.

A Vicarious foi fundada por Phoenix e Dileep George, que tem um Ph.D em Stanford e estudou modelos hierárquicos do cérebro. A premissa deles era focar no aspecto sensorial do cérebro, principalmente na função crucial da visão nos estágios iniciais do desenvolvimento humano. A empresa tentou se distanciar mais de seus pares ao criar um sistema com um alto grau de interatividade entre os receptores visuais básicos do software, os “olhos” dele, e as altamente sofisticadas partes de processamento de informações. Esse ciclo de realimentação permite que o equipamento, por exemplo, imagine os contornos de um gato que está parcialmente escondido numa caixa.

Como uma criança, o software da Vicarious começou com o básico, primeiro aprendendo a reconhecer formas simples, como texto. Agora, ele está começando a compreender texturas e luz. Os pesquisadores da Vicarious esperam que o software aprenda mais tarde a se mover no mundo físico e a compreender relações de causa e efeito.

A equipe da Vicarious conta com oito pessoas e é mais conhecida por ter alegado que conseguiu passar no Captcha, um teste que procura diferenciar pessoas e computadores na internet. O teste, que normalmente aparece em websites antes que o internauta se registre ou faça qualquer pagamento (para se certificar de que é realmente uma pessoa e não um computador que está executando a tarefa), mostra uma série de números e letras disformes que dificultam a leitura por um computador. Em outubro do ano passado, a Vicarious anunciou que seu software conseguia identificar os caracteres apresentados pelo Captcha em 90% das vezes.

O anúncio irritou alguns acadêmicos, que questionaram o poder do software e a falta de dados verificáveis.

LeCun, do laboratório de inteligência artificial do Facebook, escreveu num post on-line que o anúncio da Vicarious era “um exemplo clássico de propaganda de inteligência artificial da pior espécie”. Ele diz que a Vicarious precisa divulgar mais informação a respeito da tecnologia dela por meio de trabalhos acadêmicos ou testar seus algoritmos contra conjuntos de dados amplamente aprovados.

Já George, o cofundador da Vicarious, defende os resultados. Ele diz que a equipe é conservadora em relação a quanta informação divulgar por causa da concorrência e para evitar que pessoas mal-intencionadas copiem o software.

Apesar de ter passado o Captcha, o software de visualização da Vicarious ainda precisa ser aperfeiçoado. No exemplo das vacas, as imagens saem granuladas e em tom de cinza. Embora o software tenha conseguido criar vacas em posições diferentes a partir do conhecimento da imagem de uma vaca e do conhecimento do comportamento de outros animais, algumas delas ficaram distorcidas. Uma das vacas desenhadas pelo software, por exemplo, tinha um pescoço longo demais.

“Não resolvemos o problema da percepção”, disse Phoenix.

Embora a pesquisa ainda seja nova, gigantes de tecnologia já estão sonhando com um grande futuro para a inteligência artificial.

Numa teleconferência recente de divulgação de resultados, o diretor-presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, disse que está interessado na inteligência artificial que pode ajudar o Facebook a entender melhor seus usuários. A tecnologia talvez ajudasse o Facebook a entender os objetos presentes nas fotografias dos usuários, como bolsas ou comida, o que poderia aumentar o número de propagandas direcionadas.

A DeepMind, de Londres, outra empresa novata misteriosa cuja tecnologia foi demostrada com computadores jogando videogames, poderia teoricamente ajudar o Google a melhorar seus resultados de busca.

Num mundo mais distante, pode-se imaginar robôs, ao estilo do desenho “Os Jetsons”, que poderiam realizar testes médicos ou consertar reatores nucleares.

As empresas estão cientes dos riscos sociais. A DeepMind, como condição para sua aquisição, forçou o Google a criar um conselho interno de ética. A Vicarious foi formada há quatro anos como uma empresa de propósito flexível, o que exige que ela tenha uma função social. Os fundadores da Vicarious, por exemplo, dizem que nunca vão criar ou vender software que possa ser usado em ataques militares com drones.

Por enquanto, os sonhos da empresa estão bem longe. A Vicarious afirmou que precisa de outros cinco ou dez anos e mais engenheiros. Mas se ela conseguir ir além das vacas granuladas, a recompensa pode ser enorme.

“Se você inventar inteligência artificial, essa é a última invenção que você terá de inventar”, diz Phoenix.

Fonte: Wall Street Journal.