Paradiplomacy and the International Competitiveness of Cities: the case of Rio de Janeiro, uma entrevista com Marcos Vinícius Isaías e Ariane Roder Figueira

Fonte: IBRI

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Governos subnacionais passaram a ter maior protagonismo nas relações internacionais nos últimos dez anos, o que, no caso brasileiro, pode ser observado pela atuação internacional de cidades e estados. Nesse sentido, o caso da cidade do Rio de Janeiro é emblemático e possui particularidades que valem ser observadas e é isso que o artigo “Paradiplomacy and the International Competitiveness of Cities: the case of rio de Janeiro“, publicado no número 1/2017 da Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), apresenta. Tendo as Olimpíadas de 2016 como evento central catalizador de atividades paradiplomáticas, os autores desenvolvem o argumento de que governos subnacionais de maneira geral são atores das relações internacionais e que o Rio de Janeiro é um caso de destaque no Brasil.

A partir do desenvolvimento teórico, com revisão abrangente da literatura de paradiplomacia, apresentada no marco do processo de globalização, os autores apresentam conceitos como o de “global civil society” e propõem compreender o caso da capital fluminense como uma contribuição importante para as Relações Internacionais, assim como pretendem destacar o papel dos grandes eventos na propulsão da paradiplomacia.

A divisão do artigo em quatro seções que exploram as cidades como atores globais, a literatura sobre paradiplomacia, a experiência dos governos subnacionais brasileiros e o caso particular do Rio de Janeiro, expõe os desafios que essa agenda de pesquisa apresenta. O debate acerca da inserção internacional de governos locais em geral, e dos brasileiros em específico, está longe de consensos ou de conclusões definitivas, e o artigo de Marcos Vinícius Isaias Mendes e Ariane Roder Figueira adiciona à discussão um elemento de relevo, que são os grandes eventos, suscitando dessa maneira novas questões a uma agenda que merece ser mais explorada pela academia brasileira de Relações Internacionais.    

1 – No artigo, vocês apresentam o conceito de “global civil society” para debater a redefinição do papel do Estado nas Relações Internacionais e a emergência dos governos subnacionais como atores no sistema internacional. Como vocês avaliam o impacto dessa visão no desenvolvimento de novas abordagens teóricas para a disciplina?

A ideia de “sociedade civil global” é frequentemente associada ao processo de globalização, marco a partir do qual acentuaram-se os debates sobre a perda de autonomia no âmbito doméstico em face ao surgimento de atores transnacionais de crescente relevância. Nesse contexto, pelo menos duas interpretações são possíveis para o papel do Estado: sua gradual obsolescência ou sua coexistência com outros atores globais, porém com seu papel redefinido. Nesse segundo cenário, que Brenner nomeia de reescalonamento do Estado, o poder desse agente passa a ser constrangido por instituições e atores supranacionais, dotados de instrumentos regulatórios acima do nível nacional, e regionais/locais, em busca de estratégias de desenvolvimento e acumulação. Dados esses constrangimentos, não raro os governos subnacionais são estimulados à atuação internacional, em busca de ações mais concretas de desenvolvimento local. 
Esse processo sem dúvida traz impactos consideráveis para a área de Relações Internacionais. Uma primeira perspectiva seria um maior foco dos pesquisadores de RI para os processos que ocorrem “dentro” do Estado. Não apenas com um olhar para aspectos da diplomacia do governo central, como é de praxe nas visões mais tradicionalistas da Análise de Política Externa, mas com enfoque nos governos subnacionais e aí, talvez, dialogando mais intensamente com disciplinas como a Administração Pública e a Sociologia Política. Outro aspecto estaria relacionado à elaboração de novos métodos de pesquisa para as RI. Abordagens como a Análise de Redes (sociais, políticas, internacionais) são ainda incipientes no Brasil, e a atuação internacional de governos subnacionais abre um amplo leque de possibilidades para aplicação desse método. Um exemplo seria o estudo de redes internacionais de cidades, as quais têm adquirido crescente ativismo internacional nos últimos anos.

2 – No caso do federalismo brasileiro, municípios e estados dividem com a União a categoria de entes federativos. Assim, como vocês analisam, no caso do Rio de Janeiro, a ligação entre município e estado no processo de promoção internacional no marco das Olimpíadas?

Durante as entrevistas, ficou claro que existia um alinhamento entre o estado do Rio de Janeiro e o município no que concerne às ações de promoção internacional, particularmente no contexto olímpico. Exemplo disso foi a criação da Autoridade Pública Olímpica (APO), consórcio público formado por governo federal, estado e município com o intuito de coordenar esforços governamentais para a entrega das obras. No entanto, quando questionados sobre ações mais específicas de coordenação/cooperação entre o Governo do estado e a Prefeitura do Rio para a promoção de ações paradiplomáticas e de promoção internacional, os entrevistados limitaram-se a atestar o bom relacionamento entre o prefeito e os dois governadores que atuaram no período 2009-2016, Luiz Fernando Pezão e Sérgio Cabral. Evidentemente, não se pode desconsiderar o fato de esses três políticos serem de um mesmo partido, o PMDB, o que certamente influenciou essa interação harmoniosa. 
Outro ponto levantado nas entrevistas foi o papel da Subsecretaria de Relações Internacionais do Governo do estado do Rio, que atua majoritariamente com estados e províncias internacionais, ao passo que a Coordenadoria de Relações Internacionais do município do Rio encarrega-se das interações a nível municipal e com redes internacionais de cidades. Conforme o paper demonstra, no contexto olímpico as interações internacionais ocorreram predominantemente com outras cidades e redes de cidades, o que sugere que a ação municipal tenha sido muito mais acentuada que a ação estadual no que tange à promoção internacional no marco temporal olímpico.

 

3 – Uma parte importante do artigo é dedicada a apresentar outras experiências paradiplomáticas brasileiras. Partindo desse cenário, na opinião de vocês, qual a projeção que pode ser feita para os próximos anos em relação à atuação internacional de governos locais brasileiros? E da cidade do Rio de Janeiro? Quais serão os maiores desafios e oportunidades?

Os estudos analisados no paper sugerem um crescente ativismo paradiplomático no Brasil nas últimas décadas. Dentre as causas apontadas para essa tendência estão a virada democrática dos anos 1980s, e a percepção de cidades e estados como agentes de desenvolvimento econômico. Sendo assim, ainda que o processo se dê de forma mais enfática nas regiões de fronteira e nas mais economicamente privilegiadas, a paradiplomacia vem adquirindo crescente relevância no país. Além disso, é importante mencionar que o papel central do país na América do Sul influencia positivamente no ativismo paradiplomático de suas cidades e regiões, especialmente apoiadas pelos mecanismos de auxílio à integração regional, como FCCR, CODESUL, CRECENEA, ZICOSUR, FLACMA, dentre outros. Logo, existe um terreno relativamente fértil para o incremento da paradiplomacia dos governos locais brasileiros.

Quanto à cidade do Rio de Janeiro, embora seja inviável prever um padrão de comportamento internacional nos anos futuros, é possível que seu ativismo internacional seja reduzido.  Principalmente porque existia um interesse bastante destacado da gestão Eduardo Paes, prefeito do Rio entre 2009 e 2016, pelos assuntos internacionais, fator ainda não identificado na gestão de Marcelo Crivella. Como exemplos disso, o artigo explora os megaeventos de porte internacional ocorridos de forma contínua na cidade entre 2010 e 2016, e o papel de destaque de Paes como presidente da rede internacional de cidades C40.

Nesse sentido, dentre os principais desafios para o Rio estão o reconhecimento, por parte da gestão Crivella, da importância das ações paradiplomáticas para o desenvolvimento local, e o esforço para a conversão dessas ações em políticas públicas concretas para o município. Por outro lado, como oportunidades, podemos identificar as redes de contatos internacionais, como cidades-irmãs e redes de cidades, ampliadas durante a gestão anterior, e o know-how adquirido pela aparelhagem da prefeitura, vis-à-vis o uso de melhores práticas, mecanismos e processos de integração internacional.

 

4 – Os dados apresentados no artigo demonstram que os jogos olímpicos tiveram impacto significativo no aumento da participação da cidade do Rio de Janeiro em redes internacionais de cidades, o que isso significa para os cidadãos da cidade?

As redes internacionais de cidades são um reflexo relativamente recente da emergência das cidades como atores expressivos nas Relações Internacionais. Elas consistem em grupos formalizados de municípios que, embora dispersos pelo globo, buscam aproximação com finalidades que variam desde cooperação para facilitação de negócios, mitigação de mudanças climáticas, intercâmbio de políticas de segurança pública, saúde e cultura, até redes focadas em integração regional ou com propósitos filantrópicos. Diante dessa multiplicidade de perfis, e de seu impulso recente, as redes de cidades consistem num objeto de estudo complexo, intrincado ainda mais pela possibilidade que trazem de alteração da governança global, conforme evidenciado por muitos autores contemporâneos.  

Contudo, se sob a perspectiva acadêmica essas redes trazem dificuldades evidentes, sob o prisma da implementação de políticas públicas elas podem incitar maior pragmatismo e objetividade. De fato, conforme bem representado pelo mote “while nations talk, cities act”, as negociações no âmbito das cidades têm maior potencial para converterem-se em ações concretas, relativamente aos tradicionais diálogos diplomáticos entre Estados nacionais. Contribuem para isso o fato de prefeitos estarem hierárquica e fisicamente mais próximos dos cidadãos, reverberando em maior capacidade de fiscalização e cobrança por parte do povo, e ao processo consideravelmente mais simples de implementação de políticas municipais em comparação com políticas nacionais.  

Levando isso em conta, pode-se avaliar como positivo para os cidadãos cariocas o fato de a cidade ter ampliado a sua participação nesse tipo de redes nos últimos anos. Até o final de 2016, a cidade participava de 15 redes internacionais de cidades, incluindo redes para a integração regional, como a Mercociudades, redes de cidades de Língua Portuguesa, como a UCCLA, além de redes com foco ambiental, como o ICLEI e a C40. O paper aborda algumas das ações implantadas no Rio, iniciadas ou facilitadas por algumas dessas redes.

 

5 – Os jogos olímpicos não foram promovidos como um evento “brasileiro”, mas sim como “carioca”, o que nesse sentido gerou críticas inclusive em relação à cerimônia de abertura. Como essa simbologia opera na promoção internacional da cidade e do país?

Desde o processo de candidatura olímpica o Rio foi retratado como o grande protagonista, o que é usual no caso das Olimpíadas, megaevento que tipicamente promove a cidade mais destacadamente que o país. Nesse sentido, até mesmo na literatura acadêmica sobre as Olimpíadas, verifica-se a predominância de estudos que avaliam a cidade, quer seja analisando as transformações urbanas ocorridas em virtude do evento, ou examinando sua inserção internacional, geralmente sob a égide da city branding. Sendo assim, é fato que o evento proporcionou majoritariamente a inserção internacional da cidade em detrimento do país. Porém, uma vez que se trata do maior evento esportivo internacional, é evidente que ele também traz repercussões importantes para a imagem do país.

Nesse quadro, é possível extrair algumas consequências plausíveis para o país, em termos de sua promoção internacional. Primeiro, como são delegações nacionais (e não municipais) que competem, um resultado destacável do país sede pode alçar positivamente sua visibilidade internacional, por exemplo, em termos de políticas públicas relacionadas ao Esporte. Infelizmente, esse não foi o caso do Brasil nas Olimpíadas Rio 2016. Segundo, uma vez que toda a mídia internacional tem seus olhos voltados para a cidade olímpica, é natural que peculiaridades do país sejam também evidenciadas internacionalmente.

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Mendes, Marcos Vinícius Isaias, & Figueira, Ariane Roder. (2017). Paradiplomacy and the International Competitiveness of Cities: the case of Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Política Internacional60(1), e012. Epub April 27, 2017.https://dx.doi.org/10.1590/0034-7329201700103

About the Author

Ana Carolina Evangelista Mauad é doutoranda no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL – UnB) e membro da equipe editorial da Revista Brasileira de Política Internacional (mauad.anacarolina@gmail.com).

Como citar este artigo

Secretaria IBRI, “Paradiplomacy and the International Competitiveness of Cities: the case of Rio de Janeiro, uma entrevista com Marcos Vinícius Isaías e Ariane Roder Figueira,” in Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 02/05/2017, http://www.ibri-rbpi.org/?p=15960.

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