Línguas africanas no ensino e seu estatuto político

Nos dias de hoje, a realidade face à utilização ou não das línguas africanas no ensino é caracterizada pelos seguintes três aspectos: monolinguismo de origem europeia; bilinguismo de origem afro-europeia; monolinguismo de origem africana. As duas primeiras representam as situações existentes nos sistemas escolares africanos, sendo o monolinguismo africano uma excepção.

Joseph Poth, especialista em didáctica de línguas junto do Instituto Nacional de Educação da República Centro Africana, informa-nos que a mera prática pedagógica, permite concluir que “as frequentes referências aos factos psicológicos próprios da criança europeia escondem e deformam a personalidade profunda da criança africana”. Justifica esta sua afirmação no facto de a “(…) criança africana ser marcada, desde o início da sua escolaridade, por uma situação de conflito grave, resultante do facto da sua língua materna, na qual até então se exprimiu e se afirmou correr o risco de ser brutalmente rejeitada.” Acrescenta ainda o seguinte: “Na medida em que a língua materna, na qual até então se exprimiu e se afirmou, corre o risco de ser brutamente rejeitada. Esta língua, embora rica em valores profundos e em meios de expressão, passa a ter, aos olhos da criança, um valor social inferior ao da língua de importação, pelo simples facto de só esta última ser julgada digna de ser ensinada e estudada. O conflito linguístico degenera, facilmente, em conflito cultural porque o estudo exclusivo de uma língua supõe uma referência permanente a uma escala de valores extralinguísticos de ordem cultural e moral”.
O estatuto de “parente pobre” atribuído à sua língua materna leva a criança africana a considerar pejorativo, tudo o que se encontra ligado ao seu património cultural, nomeadamente, o seu próprio património linguístico. Quando uma língua, sob pressão de factores económicos, políticos, ou religiosos é imposta à população adulta de um país ou de uma determinada região, esse mesmo idioma “não se impõe automaticamente às crianças, cujas necessidades (de ordem diferente), podem ser perfeitamente satisfeitas pelo falar materno.”
Na opinião de Joseph Poth, no seu livro “Línguas Nacionais e Formação de Professores em África”, as principais razões para a introdução das línguas africanas no ensino decorrem, essencialmente: “do elevado índice de reprovações que se verificam na escola primária, por falta da necessária competência linguística nas línguas de escolarização de origem europeia; dos avanços alcançados pela linguística, no que se refere aos sistemas de funcionamento das línguas, o que, no plano teórico, acabou por ultrapassar dificuldades consideradas até bem pouco tempo insuperáveis; dos progressos alcançados pela psicologia, que realçou a importância primordial da língua materna no desenvolvimento psicomotor, afectivo, moral e cognitivo da criança; do imperativo de pedagogicamente organizar os programas do ensino e da formação de acordo com a realidade cultural, linguística e humana de África. Tal necessidade justifica, no plano pedagógico, a utilização das línguas africanas nos institutos de formação, mesmo nos casos em que estas línguas não tenham acesso oficial ao ensino primário.”
De realçar, desde logo, que a utilização de línguas africanas na formação, não deverá ser entendida como forma de substituir ou até mesmo excluir a língua oficial e de escolaridade, que vem sendo utilizada. Com efeito, mesmo nos países onde as línguas africanas têm algum estatuto nas instituições de ensino, a língua de difusão internacional permaneceu, geralmente, como um meio preponderante dos curricula.
Contudo, refere Jorge Morais Barbosa, em “A Língua Portuguesa no Mundo”, que só a partir de 1921 (através do Decreto nº 77, do Governador Provincial de Angola, Norton de Matos, publicado pelo Boletim Oficial de Angola, nº 5, 1ª série, de 9 de Dezembro), passava a ser obrigatório o ensino da língua portuguesa nas missões e deixava de ser permitido o ensino das línguas estrangeiras e das línguas africanas. Estas últimas, sob o protesto de poderem vir a prejudicar a ordem pública e a liberdade ou a segurança dos cidadãos portugueses e das próprias populações africanas: “As disposições (…) não impedem os trabalhos linguísticos ou quaisquer outras de investigações científicas, reservando-se porém ao governo o direito de proibir a sua circulação quando, mediante inquérito administrativo, se reconhecer que ela pode prejudicar a ordem pública e a liberdade ou a segurança dos ‘cidadãos’ e das populações indígenas” (artº 4).
Após a independência houve, de facto, vontade de valorizar o papel sócio-cultural das línguas africanas em Angola, passando a designá-las por “línguas nacionais”, sem que, até ao momento, a Constituição da República de Angola se tenha debruçado sobre a definição do estatuto político de cada uma delas: Quais as nacionais (mesmo que sejam transnacionais)? Quais as regionais? Quais as locais? Até que haja uma definição política sobre este assunto e sobre as implicações decorrentes de cada um dos estatutos linguísticos atribuídos, continuamos, tão somente, perante línguas étnicas.

Fonte: Jornal de Angola

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