Criado para exigir a permanência do ensino de Língua Espanhola nas escolas do Rio Grande do Sul, o movimento #FicaEspanhol se tornou exemplo para outros Estados brasileiros e vem ganhando apoio de vereadores, deputados e, até, de escritores e artistas. A mobilização iniciada por professores das instituições federais responsáveis pela formação em Espanhol luta para reverter pelo menos nas instituições de ensino gaúchas uma das mudanças propostas pelo Ministério da Educação com a reforma do Ensino Médio, que determina apenas a língua inglesa como obrigatória. A lei foi sancionada no ano passado por Michel Temer, mas a regulamentação segue em discussão no Conselho Nacional de Educação. Depois de regulamentada, haverá um prazo de até dois anos para que as alterações sejam colocadas em prática.

— Somos favoráveis ao plurilinguismo, não à exclusão de uma língua para dar exclusividade ao inglês. Afinal, vivemos num Estado que faz fronteira com dois países de língua espanhola e o Brasil tem fronteira com sete países que falam espanhol — justifica o professor de espanhol Marcus Fontana, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), um dos fundadores do movimento iniciado em 2016.

Depois de buscarem sem sucesso o apoio de senadores e deputados federais para a revogação da Lei do Novo Ensino Médio, o grupo — formado por docentes em Língua Espanhola da UFRGS, junto com as federais de Santa MariaPelotasRio GrandeUnipampa, Federal da Fronteira Sul e os Institutos Federais e o Colégio de Aplicação da UFRGS — ganhou a atenção da deputada estadual Juliana Brizola (PDT). Em março deste ano, ela apresentou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 270/2018 determinando que o ensino do idioma conste como disciplina obrigatória nos currículos das escolas de Ensino Fundamental e Médio do Rio Grande do Sul, mas optativa para o aluno.

— A partir da nossa união, outros Estados começaram a fazer o mesmo. Na Paraíba, por exemplo, um movimento parecido já conseguiu manter o espanhol no currículo escolar. Também fomos procurados por representantes de Santa Catarina, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro, que começaram a se mobilizar. Nossas redes sociais não param de ganhar seguidores que apoiam a nossa causa — conta, entusiasmada, a professora do Instituto de Letras da UFRGS, Mônica Rodriguez, responsável pelas redes sociais do #FicaEspanhol.

Entre as justificativas citadas pela PEC proposta por Juliana Brizola estão questões envolvendo economia e cultura: o mercado produtor gaúcho em 2017 teve quatro países de língua espanhola (Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai) entre os 10 principais destinos de exportação, o Brasil faz fronteira com sete países que têm o espanhol como língua oficial, 27 cidades do Rio Grande do Sul fazem fronteira com o Uruguai e com a Argentina, o espanhol é a língua oficial em 21 países e as línguas oficiais acordadas entre Brasil e os países membros do Mercosul são o português, o espanhol e o guarani.

— Nunca é demais lembrar que garantir a oferta de ensino de línguas estrangeiras revela conhecimento da realidade linguística plural e, ainda, propicia vantagem sociocultural para aqueles aos quais a aprendizagem de tais línguas é garantida. O mundo do trabalho, associado às facilidades de comunicação e locomoção internacionais vai sempre beneficiar aqueles alunos com melhor acesso ao ensino qualificado, o que certamente inclui o conhecimento da maior diversidade possível de línguas — argumentou a parlamentar na justificativa do projeto.

A proposta tem a assinatura de 36 parlamentares, ganhou moções de apoio de 43 câmaras de vereadores e está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa para ser avaliada em 7 de agosto. Se aprovada por sete dos 12 deputados que fazem parte da CCJ, a proposta irá a plenário.

O #FicaEspanhol promete acompanhar de perto a avaliação dos membros da CCJ, no próximo dia 7. Até lá, segue mobilizando a sociedade por meio das redes sociais. O jornalista e escritor Aldyr Garcia Schlee e o músico Pirisca Grecco estão entre os simpatizantes e até o Guri de Uruguaiana publicou um vídeo no Youtube demonstrando apoio ao movimento no Estado.

Antes da reforma, a Lei 11.161/2005 previa a oferta obrigatória de Língua Espanhola no Ensino Médio, ainda que com matrícula facultativa por parte do aluno. Esta lei foi revogada no ano passado. Com a reforma, o inglês torna-se a única língua estrangeira obrigatória a partir do 6º ano do Ensino Fundamental. As demais, entre elas o espanhol, são indicadas sem obrigatoriedade. As alterações no Ensino Médio seguem em discussão no Conselho Nacional de Educação (CNE). O texto da Base Nacional Comum Curricular foi apresentado pelo Ministério da Educação em abril deste ano e a previsão do governo federal é aprová-lo ainda neste ano.

A base define aquilo que os alunos das escolas públicas e privadas devem aprender durante a Educação Básica. A parte da Educação Infantil e do Ensino Fundamental foi aprovada no ano passado, e a do Ensino Médio segue em análise.

Em nota, o Ministério da Educação diz que “o ensino do espanhol não foi retirado do currículo escolar. A Lei do Novo Ensino Médio foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Ela trouxe a obrigatoriedade do inglês como língua estrangeira, por ser necessário para inserção no mundo de trabalho, além de ser a mais disseminada e a mais ensinada no mundo inteiro. Além disso, a lei permite que as redes de ensino ofertem outras línguas estrangeiras modernas, preferencialmente o espanhol, como está na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Dessa forma, qualquer escola brasileira pode, sem prejuízo algum, oferecer o espanhol. A Lei do Ensino Médio não proíbe o ensino do espanhol. Destacamos que o modelo antigo do Ensino Médio tornava obrigatória apenas a oferta do espanhol por parte da escola. No entanto, não havia obrigatoriedade para que o aluno assistisse às aulas, cabendo a ele optar por outra língua, o que acarretava em aumento de custo para a escola, que deveria oferecer o espanhol, mas, na maior parte do país, a opção dos alunos era pelo inglês, mesmo sem ser obrigatório”.

RS tem quase 10 mil professores de espanhol

Segundo a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), o Estado tem 9.822 professores de Espanhol e 1.263 escolas ofertando a língua. De acordo com a assessora de Línguas do Departamento Pedagógico da Seduc, Juliana Grieger, o órgão tem acompanhado a distância a mobilização do #FicaEspanhol.

— É de conhecimento da Seduc, que o percebe como legítimo, haja vista que o Estado faz fronteira com diversos países, cuja língua espanhola é predominante — ressalta.

Juliana explica que a Seduc tem orientado as escolas para que seja implementado, gradativamente, o ensino da Língua Inglesa. Ela ressalta também que as escolas devem considerar a escolha das comunidades acerca de uma segunda língua estrangeira a ser ofertada, de caráter optativo. Não há orientação da secretaria para remanejamento de professores de espanhol para outras disciplinas.

— A própria Constituição Estadual do Rio Grande do Sul defende o pluralismo de idiomas, considerando as demais culturas e etnias que constituem parte da sociedade. A parte diversificada da matriz das escolas é ofertada de acordo com a regionalização e a proposta pedagógica da escola e da comunidade em que está inserida. A imposição de uma Lei que prioriza um determinado idioma em detrimento de outros, vai de encontro à autonomia pedagógica defendida pela Rede Pública Estadual, que considera a opinião e o desejo da comunidade em que as escolas encontram-se inseridas — finaliza Juliana.

  Entenda o caso

– O Congresso Nacional alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação por meio da Lei 13.415/17 — Reforma do Ensino Médio.

– A Lei do Plano Nacional de Educação estabeleceu que haverá uma base nacional comum curricular — BNCC — que define aquilo que os alunos das escolas públicas e privadas devem aprender durante a Educação Básica.

– A lei da Reforma do Ensino Médio foi sancionada pelo presidente Michel Temer em fevereiro do ano passado, após aprovação, pelo Congresso Nacional, da MP 746/16.

– A parte da BNCC que regulamenta a Educação Infantil e do Ensino Fundamental foi aprovada no final do ano passado pelo Conselho Nacional de Educação e deverá ser implementada pelas escolas brasileiras até o início do ano letivo de 2020, sendo revisada a cada cinco anos.

– A BNCC do Ensino Médio segue em análise no Conselho Nacional de Educação e vem encontrando resistências por parte das entidades representativas dos educadores e pesquisadores da área.

– Entre os pontos criticados na BNCC do Ensino Médio está o currículo definido com base em competências, tirando a centralidade do conhecimento. No documento de BNCC não estão definidos os objetivos de competências específicos para as linhas de aprofundamento (itinerários formativos), ou seja, a parte que os alunos  poderiam escolher estudar, caso seja ofertado pelo sistema de ensino. A Lei da reforma do Ensino Médio não obriga que cada escola ofereça os cinco itinerários, logo, não haverá escolha por parte do estudante. De acordo com a reforma do Ensino Médio, aprovada no ano passado, parte do currículo será comum a todos e, outra, será definida de acordo com cinco itinerários formativos escolhidos pelo sistema de ensino para os estudantes: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e educação profissional.

– Após a aprovação da BNCC, haverá um prazo de até dois anos para que seja colocada em prática.

Fonte: GauchaZH