Entrevista – Conheça o dialeto Plattdüütsk de Westfália/RS

O professor aposentado, escritor, pesquisador e Coordenador do Grupo Amigos do Sapato de Pau, Lucildo Ahlert, 71, é o autor do livro que tem o objetivo de manter vivo o dialeto Plattdüütsk, língua comum entre os moradores de Westfália, Imigrante, Teutônia, Colinas e na Nova Westfália, em Fazenda Vilanova.

Segundo Ahlert a ideia de resgatar o legado dos antepassados entre os descendentes westfalianos, para incentivar a continuidade do uso do dialeto Plattdüütsk entre as novas gerações na região, surgiu  em 1997, quando foi realizado o primeiro encontro do Sapato de Pau, em Linha Schmidt, atual município de Westfália, e ocorreu o lançamento do dicionário “Hasbiärger Plattdüütschket Wöerderbouk, Döönkes un Vertällsel” do empresário alemão, Klaus Dreyer, de Gaste, Alemanha.

“A gramática conterá 334 páginas. A obra apresenta variados tópicos de acordo com o formato de gramáticas de outras línguas. Além da introdução, apresenta doze capítulos com as diversas especificidades da língua, com exemplos práticos em westfaliano, traduzidos para o português, e um capítulo especial no final com termos usuais.”

Ahlert tem formação em Economia, é mestre em Engenharia de Produção e especialista em Ensino e Aprendizagem da Língua Alemã.

(Foto: Paloma Driemeyer Valandro/AI Westfália/Divulgação)

Entrevista

Agora no Vale – O senhor é natural de onde?

Lucildo – Eu nasci na Linha Schmidt, na época pertencente à Estrela, hoje município de Westfália. Vivi lá, ajudando nas atividades agropecuárias dos meus pais, até os 22 anos, quando iniciei minhas atividades profissionais. Quando casei em 1975, fixei residência em Lajeado, onde moro até hoje, exercendo atividades na Souza Cruz até 1998 e na Univates até 2012, quando me aposentei. Continuo exercendo atividades profissionais como consultor de pesquisa, e, desde 2013, presto serviços voluntários na Westfália, como coordenador do Grupo Amigos do Sapato de Pau. Sou, também, escritor, integrante da Alivat – Academia Literária do Vale do Taquari.

Agora no Vale – Quantos anos de pesquisa até conseguir editar a publicação?

Lucildo – A pesquisa iniciou oficialmente em 2013, com a criação do grupo Amigos do Sapato de Pau, mas desde 1997, já ocorreram iniciativas em conhecer trabalhos similares desenvolvidos na Alemanha e Estados Unidos. Ocorreram, também, estudos acadêmicos de estudantes de mestrado e doutorado sobre o tema. Com a criação do grupo, abriu-se a possibilidade de efetivamente criar condições para o estabelecimento de um objetivo claro e exequível para deixar às futuras gerações westfalianas no Brasil a possibilidade de ter acesso a fontes escritas que lhes possibilitem o entendimento da língua trazida e falada pelos seus antepassados, que como primeira etapa constou do lançamento do dicionário da Língua Brasileira Westfaliana em 2019.

Agora no Vale – Qual a importância e objetivo da obra?

Lucildo – Principiando a organização das obras, do dicionário e da gramática, foi desenvolvida uma sistemática de escrita para se tornar usual, respeitando regras da língua alemã e aproveitando especificidades da língua inglesa, aproximando, ao máximo, os fonemas das letras, tendo presente que, na região onde predomina o Sapato-de-pau, são praticadas as línguas portuguesa e alemã, para que não se perca, no futuro, a pronúncia correta das palavras utilizadas na língua westfaliana brasileira. É importante considerar que não se pode pensar em uma escrita, apenas, para os falantes do Sapato-de-pau, mas, de forma ampla, para todas as pessoas que queiram ampliar os conhecimentos, em termos de línguas.

Agora no Vale – Este material é um estímulo para as novas gerações manterem vivo o dialeto?

Lucildo – Sim. O grupo objetivou com esta obra deixar para as futuras gerações westfalianas no Brasil a possibilidade de ter acesso a fontes escritas que lhes possibilitem o entendimento da língua trazida e falada pelos seus antepassados para estudar e praticá-la. Além disso, a Gramática da Língua Westfaliana Brasileira (conhecida como sapato-de-pau) serve de referência aos que queiram aprendê-la para o cotidiano familiar e também, para escrever textos de jornais e revistas, mensagens publicitárias, letras de músicas e obras literárias. Espera-se, assim, que as escolas possam iniciar o processo de incorporação do estudo da língua dos imigrantes na sua grade curricular, para facilitar a compreensão do desenvolvimento histórico das línguas germânicas. A obra possibilita usar o seu conteúdo em sala de aula como conhecimento prévio da língua materna usada no dia-a-dia na sua casa, no estudo das línguas alemã e inglesa, com as quais a língua westfaliana brasileira mantém uma estreita relação.

Agora no Vale – E a estrutura do livro?

Lucildo – Os capítulos que envolvem aspectos gramaticais referem-se à fonética, artigos, substantivos, adjetivos, pronomes, verbos com a sua conjugação, advérbios, preposições, conjunções, interjeições e sintaxe. Em cada capítulo são apresentadas listas com as palavras mais utilizadas, em quatro línguas: westfaliano, português, alemão e inglês.  Por fim, em um capítulo especial são apresentadas palavras, cujo conteúdo refere-se ao vocabulário básico utilizado na vida cotidiana dos westfalianos também em quatro línguas. Esse conteúdo serve para as escolas organizarem oficinas de estudo para iniciantes se familiarizarem com a segunda língua oficial de Westfália – a língua westfaliana brasileira. Além disso, a partir dessa sistematização, o ensino das línguas alemã e inglês, pode utilizar o material para fazer comparações entre a língua estudada com aquela falada por muitos no dia a dia nas suas residências.

Agora no Vale – De onde surgiu o dialeto sapato de pau?

Lucildo – O dialeto Plattdüütsk, ou Sapato-de-Pau, como é conhecido no Brasil (dialeto falado pelas pessoas que usavam um sapato de pau totalmente de madeira) foi uma língua falada por muitos séculos na Europa e que teve o seu apogeu no período da Liga Hanseática.  Essa língua era usada, tanto nos negócios como nas comunicações em suas residências, de forma falada e escrita.

Agora no Vale – Quantas pessoas na região ainda preservam este hábito?

Lucildo – Não há mensuração desse dado, sendo isso um dos nossos objetivos e também do Conselho Estadual do Plurilinguismo do Estado do Rio Grande do Sul do qual sou membro, para todas as expressões linguísticas minoritárias existentes. Sabe-se que a presença do dialeto em famílias é maior no município de Westfália, e principalmente nas localidades de Berlim e Paissandú. Mas, existem falantes e que entendam o dialeto em outras localidades do município e, também, em Imigrante, Teutônia, Colinas e Nova Westfália, em Fazenda Vilanova. Esperamos que num futuro próximo possamos levantar o número de falantes no município de Westfália.

Agora no Vale – Qual o papel da escola no contexto de preservar a língua?

Lucildo – Até hoje, esta tarefa era dos pais, mas como os filhos cada vez mais cedo são levados à escola, onde a língua materna das famílias é ignorada, e os meios de comunicação cada vez mais fazem parte do dia-a-dia das famílias, isso se torna quase impossível. Por isso, precisamos que a escola mude a sua estratégia e estimule a criança a valorizar a sua cultura. Para aprender não é preciso substituir e sim somar.

Agora no Vale – O senhor também é autor do dicionário da Língua Westfaliana Brasileira. São quantas palavras, páginas e capítulos?

Lucildo – O dicionário, lançado em 2019, tem 498 páginas e é dividido em seis capítulos: Regras de escrita; Vocabulário da língua westfaliana brasileira na ordem alfabética do westfaliano; Vocabulário da língua westfaliana brasileira na ordem alfabética de português; História da imigração e características da cultura e do município de Westfália; Provérbios característicos, pensamentos; Contos com humor do cotidiano do povo westfaliano. Os capítulos referentes ao vocabulário, de mais de 6 mil palavras, são apresentados de forma trilíngue : westfaliano, alemão e português. Como o lançamento da Gramática está sendo feito com recursos arrecadados de forma solidária através de famílias e empresas westfalianas, a Prefeitura de Westfália está fazendo uma impressão adicional, já que a primeira edição de 500 exemplares está praticamente esgotada.

Agora no Vale – Qual a sensação de resgatar uma parte tão importante da história do município e da colonização alemã no Vale do Taquari?

Lucildo – É uma sensação de uma intensa realização, cujo valor não é mensurável financeiramente. Só quem já fez algo similar consegue saber como é este sentimento. É saber que nós somos passageiros neste mundo, mas as obras ficam e podem servir às futuras gerações para poderem se conectar ao passado distante.

Agora no Vale – Quais são os próximos projetos?

Lucildo – Com a base principal da língua westfaliana resgatada e organizada, a próxima etapa é resgatar e descrever usos e costumes dos antepassados westfalianos. Já temos muitos textos escritos por autores alemães que foram adaptados à nossa realidade e foram lidos nos encontros mensais. Além de continuar na adaptação de textos da Alemanha, estamos, atualmente, produzindo, também, textos próprios, que relatam aspectos envolvidos em eventos típicos westfalianos, na região do Vale do Taquari.

Agora no Vale – O senhor gostaria de acrescentar algo?

Lucildo – Desenvolver um trabalho de resgate dos principais termos usados no Sapato-de-pau representou uma tarefa árdua, que exigiu ousadia, muita dedicação, determinação e superação. Foram necessárias muita empatia e imaginação, para regredir no tempo e sentir-se vivendo com os antepassados. Tudo isso para forçar o cérebro a resgatar, na memória mais profunda, os dias vividos desde a infância, para lembrar-se de palavras e da pronúncia. Contar, para isso, com um grupo de pessoas extremamente leais, interessadas e colaboradoras foi uma experiência ímpar, que ficará na memória para sempre.

PoR Agora no Vale

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