Dissertação investiga cooficialização das línguas indígenas como mecanismo jurídico de proteção do patrimônio cultural e instrumentalização da descolonialidade do saber
Línguas indígenas e descolonização do saber
Ozorio Fonseca
Neste artigo, Ozorio Fonseca ainda fala sobre conhecimento tradicional, desenvolvimento, economia e miséria socializada
Nessa segunda-feira, 21 de setembro, fui membro da Banca de Avaliação da Dissertação de Mestrado em Direito Ambiental (Universidade do Estado do Amazonas-UEA) escrita por Brenda Reis dos Anjos cujo título é: “A cooficialização das línguas indígenas como mecanismo jurídico de proteção do patrimônio cultural e instrumentalização da descolonialidade do saber”. O orientador é o Prof. Dr. Edson Damas da Silveira e o co-orientador o Prof. Dr. Alfredo Wagner Berno de Almeida.
A autora foi minha aluna na disciplina “Pensando a Amazônia” – que ministrei no Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da UEA – cujo título também é o de um dos meus livros editado pela Valer, em 2001. Nessa obra, na Nota de Rodapé no 12 (p.66) escrevi: “um marco importante da luta pela valorização da cultura indígena no Estado do Amazonas foi a aprovação da Lei Municipal no 142/2000 do Município de São Gabriel da Cachoeira que co-oficializou as línguas nheengatu, baniwa e tukano à língua portuguesa naquele município.
Conhecimento Tradicional e Desenvolvimento
Tenho propugnado a substituição do modelo econômico da Zona Franca – que está em franca decrepitude – por um modelo de desenvolvimento orientado para uma economia verde como indicado pelo documento “The Future we want” resultante da Conferência Rio +20. O uso dos recursos naturais, especialmente os recursos genéticos é o único e sólido alicerce para um programa de desenvolvimento e não apenas de crescimento econômico.
Na realidade, a economia do modelo Zona Franca foi apenas um remédio temporal para tirar o Amazonas do caos social em que foi mergulhado após o segundo ciclo da borracha, porem os efeitos colaterais da concentração de renda e distribuição de pobreza, nunca foram objeto de análise vertical, substituída por discursos teoricamente vazios. A demonstração dessa assertiva é irrefutável, pois os números do Produto Interno Bruto do Estado, em 2012, foi de R$64.119.834.000,00 com 76,14% gerado em Manaus enquanto os demais 61 Municípios só contribuíram com 23,86%.
A desigualdade cruel se clarifica com os emblemáticos e dramáticos exemplos dos Municípios de Juruá, Anamã, Amaturá, Itamarati e Japurá cuja participação percentual foi de 0,09, 0,08, 0,08, 0,07 e 0,06, respectivamente.
Economia x Desenvolvimento
Se o PIB – que é um índice criado por economistas que tem o preço de tudo e o valor de nada mostra uma desigualdade espacial inaceitável, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) repete essa desumanidade e um Atlas de Desenvolvimento Humano publicado sem data (que barbaridade) pelo Governo do Estado e Prefeitura de Manaus mostra que a cidade de Manaus, que é a 6ª economia das cidades brasileiras, ao ser dividida em 81 Unidades de Desenvolvimento Humano (UDHs) mostrou que, no Vieiralves, o IDH era de 0,943 (similar ao da Noruega) enquanto o bairro de São José o índice só atingiu 0,658.
A Miséria Socializada
A socialização da miséria advinda do modelo Zona Franca se repete, no IDH dos municípios, com Manaus atingindo 0,747 enquanto Ipixuna se dissolve no índice de 0,487. Os “economistas” do governo e da classe política nunca perceberam que nenhum modelo econômico persiste indefinidamente e que muito mais que prorrogar a ZFM, era preciso repensá-lo, dar-lhe novos rumos, novos contornos, novas perspectivas.
Um caminho assentado na biotecnologia foi elaborado e entregue ao estado, mas a visão dos economistas continuava falando em proteção da floresta, como se houvesse um modelo win-win na relação homem-meio ambiente e/ou sociedade-natureza. Além disso continuaram insistindo no infantilismo teórico do desenvolvimento econômico, uma expressão que, em 1974, foi desmoralizada pelo economista brasileiro Celso Furtado e em 2000 por Amartya Sen – economista indiano, Prêmio Nobel de Economia 1998. Nesse elenco de economistas notáveis deve ser citado o paquistanês Mahub Ul Haq que junto com Amartya Sen criou o IDH assentado em três critérios: educação, longevidade e renda.
Para atingir um bom padrão de desenvolvimento é necessário ter uma cara econômica sustentável e essa cara tem duas faces: biodiversidade e conhecimento tradicional. O trabalho de Brenda Reis dos Anjos traz uma grande contribuição das ciências jurídicas para a busca de um modelo de desenvolvimento que só será atingido quando nossas amazonidades estiverem fazendo parte do chão das fábricas e do balcão de pesquisa das academias locais voltadas para garantir qualidade de vida digna para todos os amazonenses.
Fonte: Portal Amazônia