CPLP é “invisível” na imprensa brasileira: investigador defende que elite brasileira tenta apagar vínculo do Brasil com África
Os primeiros 20 anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) no Brasil foram invisibilizados pelos principais jornais do país, à imagem da elite brasileira “que sempre tentou apagar o vínculo com África”, disse à Lusa um investigador.
Sob o argumento de que a CPLP foi “apagada” dos noticiários brasileiros, o jornalista Cristian Góes desenvolveu a sua tese de doutoramento, que deu origem ao livro “A comunidade invisível: jornalismo, identidades e a rejeição dos povos de língua portuguesa no Brasil”, editado pela Ponte Editora, e cujo lançamento foi marcado para esta sexta-feira em Portugal e no Brasil.
Através de uma extensa análise jornalística, o autor encontrou relação entre o racismo na sociedade brasileira e a rejeição a vínculos com os países africanos.
Ao longo de quatro anos, Góes analisou ao pormenor todo o acervo de dois dos maiores jornais brasileiros impressos – Folha de S.Paulo e O Globo -, em busca de notícias ou referências sobre a CPLP, desde a sua criação, em 1996, até 2016, quando completou duas décadas da sua fundação.
Após mais de 7.000 edições analisadas, o investigador brasileiro concluiu que a CPLP, e os assuntos envolvendo a lusofonia, “simplesmente não estavam presentes nesses jornais”: “em 20 anos de CPLP, a Folha de S.Paulo publicou 80 e O Globo 81 pequenas notícias sobre a comunidade, o que dá uma média de cerca de quatro raros textos por ano nessas duas décadas”, frisou.
Na sua tese, Cristian Góes identificou que os jornais aplicaram duas formas de “apagamento”, sendo que a primeira foi a “invisibilidade por ausência”, que é quando existe um assunto, facto ou acontecimento, mas não é feita a sua divulgação propositadamente.
“Não é um lapso ou esquecimento, não é isso. Mesmo quando o Brasil comandou a secretaria executiva da CPLP, e as cimeiras foram realizadas em Brasília, com a presença de Presidentes da África lusófona e de Portugal, nem isso fez com que os dois jornais publicassem informações sobre esses factos”, indicou o jornalista, após concluir que “não foi escrita nenhuma linha” sobre o tema.
Essa invisibilidade levou o investigador a questionar-se sobre os motivos, e a perceber que ambos os jornais, apesar de serem de grupos empresariais diferentes, tratavam a CPLP como um “bloco económico pobre africano”.
Nas poucas notícias redigidas sobre a CPLP, os jornais indicavam que o Brasil deveria ter uma posição “quase neocolonialista”, de tutor dos países pobres, perdoando alguma dívida, fazendo parcerias de saúde e agricultura e, em troca, o Brasil deveria pedir aos países africanos um voto para uma cadeira permanente no conselho de segurança das Nações Unidas.
Outra constatação de Góes é de que o Brasil era tratado por essa imprensa como o “primo rico” e os países lusófonos de África como os “primos pobres”, sendo que os africanos estavam sempre associados à miséria, pobreza, tráfico de drogas, ameaças devido à mobilidade facilitada, corrupção e ditadura.
Mas mais do que invisibilidade, o investigador verificou que a rejeição acabava por ser ainda mais forte, e onde se encontrava o segundo tipo de “apagamento”: “por presença”, em que as menções à CPLP tinham sempre uma conotação negativa.
“Em resumo, os jornais abordam a CPLP como uma comunidade invisível, baseada fortemente na indiferença e na rejeição. Se um leitor destes jornais lê fielmente essas notícias, pode ser que faça essa mesma leitura, porque nunca viu nenhuma outra abordagem à CPLP”, avaliou o investigador, que fez parte do seu doutoramento na Universidade do Minho, em Braga.
Numa análise mais profunda, em que os jornais em foco são o reflexo de parte significativa da elite brasileira, Cristian Góes vê nesta rejeição “resquícios da colonização, da não aceitação das dívidas com a história do Brasil, especialmente com as questões africanas”, assim como o “racismo dessa elite nacional” que tenta apagar a herança africana no país.
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