“Arabraico”: idioma comum para árabes e judeus?

Por Daniela Kresch

“Yesh!”, gritou entusiasmada a microbióloga Nof Athmana ao ser aceita no programa culinário “MasterChef”, da TV israelense, que escolhe o melhor cozinheiro do país. Apesar de ser muçulmana e falar árabe como língua materna, a concorrente de 32 anos não hesitou antes de comemorar a escolha bradando a palavra hebraica que, no contexto, significa algo como “oba”. Como muitos dos 1,5 milhão de árabes que moram em Israel, Nof mistura árabe e hebraico no dia a dia, falando uma espécie de nova língua, que alguns especialistas já apelidaram de “arabraico” ou “árabe-israelense”

Em Israel, influência mútua entre duas línguas oficiais do país já se nota no dia a dia, despertando esperança mas também críticas

O novo idioma reflete a influência mútua entre as duas línguas semíticas em Israel, palco de uma violenta disputa territorial que parece interminável entre árabes e judeus. Dois povos que não se entendem diplomaticamente compreendem cada vez mais uns aos outros em termos linguísticos. Há quem reze para que esse entendimento recíproco leve a uma harmonia também política. Mas, por enquanto, o resultado dessa mescla é mais visível no campo idiomático.

Em termos mundiais, o árabe é muito mais falado do que o hebraico. São 250 milhões de pessoas que têm o árabe como língua materna, contra cerca de 6,5 milhões que falam hebraico desde que nasceram. Mas, em Israel, os árabes são minoria (20%). Eles usam diariamente palavras em hebraico, como ramzor (“sinal de trânsito”), beseder (“tudo bem”), cohavit (“asterisco”) e pelefon (“telefone celular”) — que, aliás, pronunciam belefon, pois a letra “p” não existe em árabe. É um fenômeno que está sendo cada vez mais estudado por especialistas e linguistas.

— Quando dois povos vivem juntos, sempre a minoria é influenciada pela maioria — afirma o professor Abdul Rahman Merai’i, especialista em literatura hebraica da Faculdade Beit Berl, autor do recém-publicado livro “Walla, beseder” (algo como “Nossa, tudo bem”, numa mistura idiomática que soa engraçada). — Os jovens árabes falam palavras em hebraico como se elas fossem uma espécie de cola entre as frases. Mas também podem falar frases completas em hebraico.

As duas línguas são oficiais em Israel. Mas os árabes-israelenses aprendem hebraico obrigatoriamente a partir da 3ª série do ensino básico. Fora isso, eles estão o tempo todo expostos ao hebraico: nos supermercados, nos hospitais, nos shopping centers, na rádio, na TV. Nas universidades e faculdades, alunos árabes-israelenses estudam com livros em inglês e hebraico, e muitas vezes precisam escrever trabalhos e provas em hebraico. No mercado de trabalho, jovens árabes-israelenses também precisam dominar a língua da maioria para serem aceitos.

— A exposição ao hebraico acontece no campo cotidiano, através do contato com a população judaica. Acontece nas instituições públicas, nos escritórios do governo, nos locais de trabalho, nas feiras, nos shoppings. A exposição às palavras hebraicas aumentou através da imprensa escrita e eletrônica — explica Abdul Rahman.

Na opinião do linguista Mohammed Amara, da Universidade Bar Ilan, o fenômeno é menos simpático de que parece. Ele acredita que se trata de uma forma de “imperialismo cultural”, parte de um processo abrangente e proposital para que a minoria árabe se inspire na cultura judaica e deixe de lado sua identidade nacional — incluindo seu apoio aos palestinos (esses também influenciados pelo hebraico, mesmo que em menor escala). No livro “Política de educação linguística: a minoria árabe em Israel”, Amara afirma que a “linguagem é usada não só para comunicar informações, mas também para definir e expressar identidade”.

“Por um lado, é extremamente importante que a minoria árabe estude hebraico para se integrar na vida do país, dominada pela cultura da maioria judaica. Mas, por outro lado, é do interesse israelense que os estudantes árabes estudem hebraico, para que sejam expostos à cultura e à herança do povo judaico e para desenvolver sua cidadania israelense”, escreve o autor na obra.

Mas o fato vai se consolidando num país onde 75% dos cidadãos são judeus e falam a língua dominante, no caso, o hebraico. Fora isso, a influência linguística é uma rua de mão dupla: desde antes da criação do Estado de Israel, em 1948, os judeus que moravam na antiga Palestina já falavam hebraico com toques de árabe. Metade deles imigrara de países do Oriente Médio ou da Espanha, então, já compreendiam a língua. Mas mesmo a outra metade, que desembarcou de outros países do Norte da Europa, adotou expressões em árabe para deixar para trás a imagem do “judeu de gueto”, adotando costumes, roupas e a linguagem dos nativos.

Hoje em dia, centenas de palavras em árabe já fazem parte oficial do hebraico — tanto da língua coloquial como da erudita. Não há um judeu israelense que não use expressões em árabe como yalla (no sentido de “vamos embora”), halas (“chega”), kef (“diversão”), fadiha (“vergonhoso”), mabsut (“feliz”) ou dgifa (“sujeira”).

Hebraico e árabe têm alfabetos totalmente distintos. As letras do árabe são arredondadas e ligadas umas às outras. Já as do hebraico são mais quadradas e separadas. Em árabe, não há letras que parecem fundamentais, como “p” ou “e”. Já o hebraico não contempla fonemas como “th” ou “ph”. Mas as duas línguas milenares também têm muito em comum. Ambas são escritas da direita para a esquerda, têm tempos verbais parecidos e são baseadas em “raízes”. Além disso, muitas palavras são iguais, e a gramática é parecida.

O resultado dessa mescla idiomática já rendeu piadas aos árabes-israelenses, que veem seu dialeto se diferenciar pouco a pouco do resto do mundo árabe. O linguista e tradutor Rubik Rosenthal conta que um casal de árabes de Israel foi visitar o Egito e pediu mitz (“suco”) num quiosque do Cairo. “Vocês são árabes de verdade?”, quis saber o vendedor, que não entendeu a palavra, em hebraico, apesar da insistência dos clientes.

Fonte: O Globo

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