Abril Indígena: 2019 – Ano Internacional das Línguas Indígenas

CURSO DE POLÍTICAS LINGUÍSTICAS 1O professor Paulo de Tássio Borges da Silva, do Campus Paulo Freire (CPF/UFSB), comenta o Ano Internacional das Línguas Indígenas e conta um pouco de suas experiências na pesquisa e na extensão. Abaixo, contribuição esclarecedora de autoria do docente.

O ano de 2019 foi escolhido pela UNESCO como o ano Internacional das Línguas Indígenas. Há uma estimativa de que no mundo existam aproximadamente 7 mil línguas indígenas. No Brasil, segundo o IBGE, são faladas 274 línguas indígenas, incluindo a língua de sinais Kaapor Urubu, estando algumas em processo de revitalização ou retomada linguística, como o Povo Pataxó, um dos povos dos territórios onde a UFSB está instalada. No entanto, a contagem e a classificação de estudos linguísticos vêm apontando que a informação dada pelo IBGE é problemática uma vez que é contada a partir da declaração do informante, não havendo investigações linguísticas para dizer se essa língua informada é mesmo uma língua ou um dialeto (variação de uma língua). Essa questão pode ser ilustrada pelos Guarani, que se dividem nos grupos Kaiowa, Mbyá e Nhandewa, e falam a língua Guarani com variações linguísticas, sendo possível haver três dialetos: o Guarani Kaiowa, o Guarani Mbyá e o Guarani Nhandewa. Neste sentido, há no Brasil duas fontes sobre contagem de línguas indígenas: a do IBGE e a dos linguistas.

De acordo com o linguista Arion Rodrigues, na chegada dos portugueses existiam mais de 1000 línguas indígenas sendo faladas no que hoje é o território brasileiro. Neste sentido, a diminuição das línguas indígenas (linguicídio) se deve a empreendimentos que perpassam os períodos colonial, imperial e republicano, dentro do chamado paradigma assimilacionista. Na região Nordeste, somente o Povo Fulniô do sertão pernambucano, retirando aqui as línguas indígenas faladas no Maranhão, possui certa funcionalidade no uso da língua indígena, neste caso a língua Yatê. Sobre a utilização das línguas indígenas no Nordeste, observa-se o movimento denominado de “retomada linguística” por parte de etnias que em seus fluxos culturais deixaram de falar a sua língua. A retomada linguística consiste na recuperação de línguas tidas “perdidas” por algumas etnias, que apoiados ou não por linguistas, desencadeiam a construção de gramáticas e vocabulários, inserindo muitas vezes no âmbito da escola indígena. É o caso do Povo Tupinambá com a língua Tupi, o Povo Pataxó com a língua Patxohã e o Povo Pataxó Hã Hã Hãe com o Patxohã e a língua Baenã, povos que têm suas aldeias próximas aos três campi da UFSB.

Trajetória de pesquisa

Um dos meus primeiros contatos sobre esta questão se deu com os Tupinambá de Olivença e os Pataxó do Território Kaí-Pequi. Com os Tupinambá de Olivença, foi realizado um trabalho de diagnóstico etnolinguístico em 2010, com a parceria do professor tupinambá José Carlos Magalhães, que na época era estudante de Letras da UESC (e hoje é doutorando em Antropologia Social pela UNB), no momento em que a comunidade decidiu revitalizar/retomar a língua indígena. O diagnóstico foi apresentado no I Seminário Internacional de Línguas Indígenas na Bahia em 2010, onde uma equipe de linguistas, ao se reunir com um grupo de Tupinambá, indagou qual língua os Tupinambá gostariam de revitalizar, a língua Tupinambá (Tupi antigo) ou o Nhengatu, sendo alertado ao grupo que a revitalização a partir do Nhengatu ofereceria uma certa funcionalidade, uma vez que outras etnias brasileiras falam a língua, o que seria impossível com a língua Tupinambá. O grupo decidiu pela retomada da língua Tupinambá, iniciando a partir de então, oficinas de revitalização da língua com uma linguista da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), juntamente com professores (as) da escola indígena e demais membros das comunidades Tupinambá. Com os Pataxó, venho trabalhando desde 2006, e no meu primeiro contato o grupo já me apresentou a língua, sendo minha experiência guiada com inúmeras palavras do Patxohã. Essa experiência abrange desde a orientação de monografias do Magistério Indígena – Nível Médio sobre o uso do Patxohã nas escolas, até as tentativas de seminários bilíngues nas comunidades e construção de material didático para as escolas.

Inúmeras têm sido as experiências do Patxohã nas suas distintas aldeias pelo Brasil. Em seus estudos, Anari Pataxó aponta que a inserção doPatxohã nas comunidades e escolas Pataxó ocorreu a partir dos Pataxó que vivem em Minas Gerais, que já faziam o processo de retomada linguística em suas comunidades, trazendo a experiência de suas comunidades para a Bahia por meio de visitas, sendo estas experiências no campo musical. Entre os Pataxó do Território Kaí-Pequi, observei que as paisagens linguísticas do Patxohã têm tido maiores ressonâncias também a partir das músicas. Para Jukunã, Pataxó que orientei no Magistério Indígena, a música Pataxó, juntamente com o ritual do Awê, tem possibilitado um maior aprendizado das crianças, dos jovens e dos adultos da língua pataxó.

Os Pataxó vêm com o grupo de pesquisa Atxohã organizando e recriando o léxico do Patxohã em encontros com professores (as) de cultura das distintas comunidades e escolas. Em análises mais recentes, tenho pensado o processo de retomada linguística perseguido pelos Pataxó com o aporte da linguística queer. Embora a linguística queer tenha se preocupado até então em como os falantes administram performances linguísticas, desafiando discursos de heteronormatividades, julgo ser potente analisar as paisagens híbridas do Patxohã como constrangimentos às normalizações em torno das línguas indígenas, uma vez que estes queerificam paisagens linguísticas o tempo todo na (re) invenção de sua língua.

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Iniciativas emancipadoras

Acerca da comemoração do Ano Internacional das Linguas Indígenas no Campus Paulo Freire, temos tentado preencher os quadrimestres do ano letivo de 2019 com palestras, minicursos e oferecimento de disciplinas. No quadrimestre 2019.1, contamos com o minicurso “Políticas Linguísticas Indígenas e Interações Transculturais”, ministrado pela professora Beatriz Protti do setor de Linguística e Línguas Indígenas do Museu Nacional, UFRJ. O minicurso aconteceu na aldeia Kaí, no Território Indígena Pataxó Kaí-Pequi, contando com a participação de professores (as) e lideranças Pataxó, bem como estudantes da Licenciatura Interdisciplinar de Linguagens e professores do IHAC – Paulo Freire e da UNEB – Campus X de Teixeira de Freitas.

Promover eventos em comemoração ao Ano Internacional das Línguas Indígenas é marcar e apoiar politicamente a luta que esses povos vêm construindo na revitalização de suas línguas. É dizer que não vivemos em um país monolíngue, é afirmar a diversidade linguística indígena, que inclusive compõe o português brasileiro. Recentemente, tivemos em um município vizinho que faz fronteira com a Bahia, Bertópolis – MG, a inclusão da língua Maxakali no currículo escolar das escolas não indígenas. É um exemplo a ser seguido por municípios que têm populações indígenas e a Universidade tem um papel fundamental na construção e apoio de experiências como essa.

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Sobre o autor

O professor Paulo de Tássio Borges da Silva defendeu sua tese de doutorado, intitulada “Paisagens e Fluxos Curriculares Pataxó: processos de hidridização e biopolítica” neste ano, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ele é graduado em Pedagogia: Docência e Gestão dos Processos Educativos pela Universidade do Estado da Bahia- UNEB, tem Especialização em Educação Infantil pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB, Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Sergipe e Doutorado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – ProPED/UERJ. Além disso, atualmente, cursa o Mestrado em Linguística e Línguas Indígenas no Museu Nacional – UFRJ. Compõe o grupo de pesquisa “Currículo, Cultura e Diferença” da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ e o grupo “Territórios Étnicos” da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. É docente lotado no CPF/UFSB e professor convidado na Licenciatura Intercultural Indígena – Prolind/UFES, tendo experiência docente nas áreas de Pedagogia e Licenciaturas, bem como na formação inicial e continuada de professores (as) indígenas, especificamente nas disciplinas: Currículo, Didática, Estágio Supervisionado, Conhecimento e Interculturalidade, Pesquisa e Prática Pedagógica. Atuou como conselheiro pedagógico na equipe executora do projeto de extensão “Edições Zabelê: produção de materiais didáticos em escolas indígenas” do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências – IHAC do Campus Paulo Freire da Universidade Federal do Sul da Bahia- UFSB. Seus temas de interesse são: Educação Escolar Indígena e Educação Indígena, interculturalidade, revitalização linguística, diferença, currículo, gênero, sexualidades, crianças e infâncias.

 

Fotos: Paulo de Tássio Borges da Silva

Fonte: UFSB

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