Carta de natureza

Com a aprovação unânime polo Parlamento da Galiza da “Lei Paz-Andrade para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a Lusofonia” durante a sessão plenária de 11 de março o galego “extenso e útil”, em palavras de Castelão, conhecido polo mundo adiante como “português” ganhou carta de natureza a Norte do Minho inaugurando um novo período para a língua.

Por Joam Evans Pim

JoamOs temporais das últimas semanas desvendaram um velho vapor português que naufragara frente as praias de Fisterra em 1927. O barco levava o nome de Silva Gouveia, reconhecido escultor portuense que imortalizou Eça de Queiroz em bronze. Um dia depois de que a comunicação social portuguesa anunciasse a redescoberta do navio, apareceu outro inesperado achado trazido pola maré, desta vez uma maré de mais de 17.000 pessoas.

O achado apareceu num prédio de Compostela cuja instância principal contém uma formosa vidreira na que se pode lêr “GALLAECIA”. Sob a forma de texto legal, este casco inconcluso fora abandonado no mesmo lugar em 20 de abril de 1983, quando a separação forçosa de galego e português foi imposta por decreto. Se naquela altura se defendia que “não interessa que nos entendam em Angola, Moçambique ou Brasil”, hoje o vento mudou e queremos rearmar o navio para aproveitar a “vantagem competitiva da cidadania galega”.

Com a quilha colocada em seu lugar, a Lei Paz-Andrade representa um primeiro passo para reflutuar a nossa língua. Para além dos aspectos pragmáticos e imediatos que se apresentam no articulado, a exposição de motivos da Lei faz justiça orgulhando-se da origem galaica da língua portuguesa e reconhecendo publicamente a Comissão Galega do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, cujo vicepresidente é homenageado. Merecida homenagem, pois a Comissão foi responsável de que por primeira vez o nome da Galiza estivesse, por direito próprio, na abertura de um Tratado internacional.

A Comissão Galega do Acordo Ortográfico, presidida por Ernesto Guerra da Cal, iniciativa cívica como a própria Comissão Promotora desta ILP, participou nas reuniões de negociação celebradas no Rio de Janeiro em 1986 e em Lisboa em 1990. Fruto dessa participação, a Galiza foi reconhecida (mesmo que como observadora) como parte do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, tratado assinado, ratificado e publicado nos diários oficiais dos sete países signatários e que, simbolicamente, inclui entre os exemplos das suas bases palavras netamente galegas como “lôstrego” ou “brétema”. Um dos membros daquela delegação de observadores da Galiza, o conhecido Isaac Alonso Estraviz, representou a continuidade desse trabalho na própria Comissão Promotora da ILP Paz-Andrade.

A crispação do conflito entre normas e modelos de língua naquela altura fez com que a importância desse facto e oportunidade fosse desatendida. Agora, três décadas depois, um novo contexto social e político permite que reconsideremos esse modelo. O reconhecimento da importância estratégica para a Galiza da língua portuguesa e do relacionamento com a Lusofonia representa uma importante abertura no discurso institucional sobre a língua. Mesmo que cuidadosamente redigida para não ferir nenhuma sensibilidade, a nova lei representa um exemplo de legislação única no nosso contexto jurídico, dando ‘carta de natureza’ ao português na Galiza, não como língua estrangeira mas como fala próxima e intercompreensível.

Reconstruir o velho navio, entre todas, não é tarefa simples. Requer de consensos amplos e de nunca mais voltar a excluir as propostas concorrentes. Reencontramos o casco que acháramos se tinha perdido há tanto tempo e chegou a hora de fazer com que volte ao mar. As principais propostas da Lei Paz-Andrade (ensino, relacionamento com a Lusofonia e presença de conteúdos audiovisuais nas outras variedades da nossa língua) são um bom plano para começar os trabalhos. Precisamos também, sem abrir feridas, questionar a deriva dos últimos 30 anos e, desde a autocrítica, elaborar conjuntamente o rumo que podemos traçar nos mares da língua.

Fonte: IILP.

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