Brasil tem apenas 10 municípios com línguas indígenas oficiais

Projeto de lei de cooficialização das línguas indígenas chegará ao plenário da Câmara dos Deputados com pedido de regime de urgência

m São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, no Amazonas, fala-se tukano, baniwa, nheengatu… e português. Duas décadas depois do primeiro município brasileiro ter línguas indígenas cooficializadas, o que abriu espaço para outras cidades com forte presença de populações indígenas replicarem a lei no país, apenas oito línguas indígenas já foram cooficializadas em sete municípios do Brasil – de um total calculado em 180 línguas indígenas faladas por etnias do país. A última a entrar na lista foi a língua mebêngôkre, falada em São Felix do Xingu, no Pará: cooficialização ocorreu em 2019.

Com o estatuto de língua cooficial em relação à Língua Portuguesa, os povos indígenas garantem o ensino da língua nos seus município, assim como documentos oficiais e todos os tipos de sinalizações e orientações em repartições públicas. A cooficialidade é um reconhecimento que o Brasil é país um plurilinguístico. Apenas 10 municípios têm línguas indígenas cooficializadas: além de São Gabriel (AM), onde o ianomani também foi oficializado, e São Félix (PA), Bonfim e Cantá, em Roraima, oficializaram macuxi e wachipana; Tocantínia (TO) reconhece xerente;  em Tacuru, no Mato Grosso do Sul, o guarani é língua oficial; Barra do Corda, no Maranhão, reconheceu tenehara/guajajara; em Santo Antônio do Içá, no Amazona, o tikuna tornou-se língua cooficial; o terena é reconhecido em Miranda (MS); no município cearense de Monselhor Tabosa, o tupi-nheengatu é língua cooficial ao lado do português.

Na Câmara dos Deputados, depois de aprovado nas comissões de Cultura e de Direitos Humanos e Minorias, o projeto de lei 3074/19, do deputado Federal Dagoberto Nogueira (PDT/ MS), segue para a Comissão de Constituição de Justiça, presidido pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL/DF); o projeto estabelece que, em todos os municípios com comunidades indígenas, a língua da etnia deve ser cooficial. “A cooficialização das línguas indígenas nos municípios que possuem comunidades indígenas significa dar visibilidade e, consequentemente, a garantia de direitos aos seus falantes”, defende o parlamentar.

Escola indígena no município de Tacuru, em Mato Grosso do Sul: guarani como língua cooficial (Foto: Prefeitura de Tacuru)
Escola indígena no município de Tacuru, em Mato Grosso do Sul: guarani como língua cooficial (Foto: Prefeitura de Tacuru)

Por ter sido aprovado por unanimidade nas duas comissões, Nogueira acredita que não terá dificuldades de ver seu projeto de lei passar na Comissão de Constituição de Justiça. “Espero que também seja aprovado por unanimidade”, avalia o parlamentar, antecipando que, ao chegar no plenário, ele pretende encaminhar um pedido de urgência ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL). “Esse projeto de lei não é político e nem ideológico. Não acredito que venha sofrer resistência nem mesmo dos mais conservadores”, argumenta, lembrando que o primeiro deputado indígena eleito no país, Mario Juruna, chegou à Câmara dos Deputados pelo PDT.

O critério para cooficializar uma língua indígena é o número de falantes. Por esse critério, o munduruku deveria ser a próxima língua indígena a ser cooficializada. O total de falantes é de aproximadamente 10 mil pessoas. Enquanto espera ter a língua indígena cooficializada, a Terra Indígena Munduruku, em Jacareacanga, no Pará, virou alvo de garimpo ilegal e palco constante de conflitos envolvendo garimpeiros, Polícia Federal e polícia do Ibama. De acordo com o Instituto Socioambiental, 25 línguas indígenas são usadas por mais de cinco mil pessoas –

A aprovação do PL deve tirar da gaveta um projeto antigo no Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior população indígena do país. A Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) pretende abrir um curso de graduação em língua terena, a exemplo de outros idiomas oferecidos no Curso de Letras. No estado, a Lei Maria da Penha já circula no formato bilíngue: português e terena. A lei foi traduzida para as etnias guarani e terena, e distribuída para cerca de 60 mil mulheres indígenas do estado.

Ao oferecer um curso de pós-graduação para os terena, Marlon Leal, coordenador do Número de Estudos em Análise do Discurso (NEAD/UEMS), comentou sobre a importância da cooficialização das línguas indígenas: “Nós invertemos a lógica. Normalmente a academia oferece e os índios vão se adaptando. Dessa vez fizemos o contrário, eles nos procuraram, montamos com eles o projeto. Com professores mestres e doutores, ouvindo a comunidade e isso já é um avanço metodológico que vai resultar numa outra representação: ter aulas com professores terena, para os terena”.

Para Leal, a cooficialização das línguas indígenas é bem mais do que uma dívida histórica: “Se considerarmos que a língua é um espaço de constituição de identidade dos falantes, uma vez que nela estão os registros das histórias, do cotidiano, dos mitos, das lendas e dos fatos imponderáveis da vida, neste sentido a perda da língua acarreta não apenas a impossibilidade de preservar um patrimônio da humanidade, mas também parte da história do povo, suas referências, que compõem sempre a história de um grupo maior, nesse caso do povo brasileiro”.

Resultado de um trabalho de pesquisa, documentação e divulgação de línguas indígenas em parceria com a Unesco, o Museu do Índio hospeda a plataforma de dicionários em línguas indígenas Japiim – nome de uma ave considerada poliglota das florestas por imitar o canto de outros animais. Ao todo, 13 línguas indígenas ganharam dicionários.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) publicou em parceria com outras instituições, uma cartilha em quadrinhos: Os Direitos das Pessoas Indígenas em Conflito com a Lei na língua Guarani Mbya. É a segunda tradução para a língua indígena. A primeira foi realizada na língua Kaingang. As duas cartilhas são consequência de uma decisão de 2019, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução sobre a necessidade de que tribunais cadastrem intérpretes indígenas das diferentes etnias para lidar com pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade. O CNJ também estabeleceu a necessidade de cursos de capacitação e atualização para servidores da esfera jurídica e penitenciária considerando princípios de igualdade e não-discriminação.

Por Liana Melo | ODS 16

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