Ronaldo Tenório, empreendedor digital: “O surdo vive como estrangeiro dentro de seu país”
Alagoano, escolhido pelo Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) um dos jovens mais inovadores do mundo, veio ao Rio para seminário no Museu do Amanhã.
“Tenho 31 anos, moro em Maceió e sou publicitário, com especialização em Comunicação Estratégica. Sempre gostei de misturar tecnologia e comunicação. Na faculdade, tive a ideia de facilitar a comunicação com os portadores de deficiência auditiva. Criei um aplicativo que faz a tradução para a Língua Brasileira de Sinais.”
Conte algo que não sei.
No Brasil, 70% dos deficientes auditivos têm dificuldade com o português. A gente aprende a ler e escrever pela fonética: vai ouvindo, falando e escrevendo. Como o surdo não tem a fonética, encontra dificuldades para relacionar a escrita ao som, e as palavras viram coisas soltas. A experiência da comunicação visual faz muito mais sentido.
As pessoas acham que o surdo sabe fazer leitura labial.
Sim, e também imaginam que, como ele enxerga, pode ler. Mas é questão de dificuldade de aprendizado. E 90% dos surdos nascem em famílias de ouvintes. Os pais também não estão preparados para se comunicar com eles. Existem casos de filhos com 20, 30 anos que não conseguem se comunicar. A primeira coisa que os pais fazem é tentar fazer o surdo entender o que eles querem dizer. Quando percebem que é impossível, o filho já perdeu muita coisa, está atrasado na escola, tem relacionamento ruim em casa e fora dela. O surdo vive como um estrangeiro dentro de seu próprio país.
Como você está ajudando a resolver este problema?
A ideia surgiu no primeiro semestre do curso de Comunicação. Pesquisei junto às pessoas com deficiência e percebi a barreira de comunicação entre surdos e ouvintes. E surgiu a ideia de um tradutor automático para fazer a intermediação da comunicação em Libras.
Como funciona?
O Hand Talk é um tradutor de bolso para a linguagem de sinais. Você pode digitar ou falar algo no celular, e o Hugo traduz automaticamente. Hugo é nosso intérprete virtual. A gente achava que ia ajudar os deficientes, mas muitos beneficiados são os ouvintes que querem se comunicar com eles. Uma senhora baixou o aplicativo para dizer que amava o filho. Foi a primeira vez que percebeu que ele conseguiu entender o que ela queria dizer. Eles se abraçaram. Há 30 anos ela não tinha boa comunicação com o filho!
Em quanto tempo conseguiu pôr a ideia em prática?
A ideia estava guardada há quatro anos quando participamos de desafio de startups em 2012, em Alagoas. Fizemos um protótipo e ganhamos. Recebemos um investimento anjo e a brincadeira ficou séria. Tínhamos de entregar o que prometemos! Ganhamos um prêmio no Rio em 2012 e, em fevereiro de 2013, ganhamos em Abu Dhabi o prêmio da ONU de melhor aplicativo social do mundo, contra 15 mil trabalhos de cem países. Foi o momento da virada! Em 2016, veio a escolha do MIT.
Você sabia o tamanho dessas dificuldades de comunicação?
Até hoje a gente não tem essa dimensão. O aplicativo já teve 1,5 milhão de downloads, 1,5 milhão de famílias impactadas, você não imagina o que isso significa! Na verdade, a gente acha que beneficiou cerca de 6 milhões, porque não existe só o app, há também o tradutor de sites, já em uso por empresas. O surdo clica no botão de acessibilidade no site, abre o Hugo, clica nos textos, e o Hugo vai traduzindo tudo para Libras.
Recebeu muitas histórias de pessoas que usam o Hugo?
Teve o caso de um médico que usou o aplicativo para atender garota surda que se queixava de dores de cabeça, e conseguiu salvá-la de sangramento intracraniano. Ganhamos mais de dez prêmios, a emoção é gigantesca. Mas quando ouço a pessoa dizer: “Obrigado, o relacionamento com meu filho está bem melhor”… Eu me emociono, para mim é o maior prêmio.
Leia mais: O Globo
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