Reis de Angola apresentam cultura Bantu ao Brasil
Chamado de “IV ECOBANTU” – Encontro Internacional das Tradições Bantu, o evento junta no país sul-americano o rei do Bailundo, Armindo Francisco Ekuikui V, o chefe do Lumbu, Afonso Mendes, e o rei do Ndongo, Buba N`vula Ndala Mana.
Walmir Damasceno, organizador do festival, explicou que a ida ao Brasil já está já confirmada e o objectivo é recuperar as ligações entre os afrodescendentes brasileiros e aos seus povos de origem.
“Da tradição africana pisaram em solo brasileiro reis oriundos da Nigéria e do Benin. Nunca se teve notícia aqui sobre a vinda de algum rei bantu. Desde 2015 pedimos que o Ministério da Cultura e o da Administração do Território de Angola criassem condições para que eles viessem para cá”, disse Walmir Damasceno.
“Tentamos em 2015, mas não foi possível por causa da queda do preço do petróleo. Numa ida recente à Angola tive um encontro com a ministra Carolina Cerqueira e ela determinou que fossem criadas as condições necessárias para que três soberanos da tradição bantu venham ao Brasil”, acrescentou.
Walmir Damasceno explicou que a vinda dos soberanos angolanos tem um grande simbolismo porque os negros do Brasil não conhecem muito bem sua matriz africana.
“A presença deles no Brasil e na América Latina vai criar um clima de revitalização histórica destas tradições [africanas] e fazer com que os descendentes brasileiros dos povos bantu possam conhecer melhor a sua origem, a sua língua e a sua história”, afirmou.
Os povos bantu chegaram ao Brasil escravizados pelos colonizadores portugueses trazidos principalmente das colónias de Angola, Moçambique e do Congo.
Os reis tradicionais de Angola não governam o país, mas actuam como intermediários entre o povo e o governo central, canalizando informações dos governadores provinciais para o povo.
Além das autoridades tradicionais, o IV Ecobantu contará com a presença do Presidente do Gabão, Ali Bongo, que deve deslocar-se ao Brasil com uma delegação diplomática.
Durante o encontro, serão realizados debates sobre a cultura bantu com especialistas do Brasil, África e América Latina, uma feira de artesanato e gastronomia, apresentações de danças tradicionais e “shows” musicais.
Um dos palestrantes internacionais presentes será o porta-voz a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (Ametramo), Fernando Romão Mathe, que segundo informações divulgadas pelos organizadores na rede social Facebook irá falar sobre a medicina tradicional que contribui e reforça o Sistema Nacional de Saúde de Moçambique.
O historiador e professor angolano Patrício Batsîkama e o director de desenvolvimento institucional do Banco Sol, Andrade Katanga Brás também estão confirmados nos debates.
Entre as atracções musicais destacam-se apresentações das cantoras brasileira Margareth Menezes e Ana Mametto, e do rapper angolano Naice Zulu.
O IV Ecobantu – Encontro Internacional das Tradições Bantu, irá decorrer nos dias 4, 5 e 6 de Maio na Fundação Memorial da América Latina, em São Paulo, no Brasil.
Uma muito secular história
Os bantus são provavelmente originários dos Camarões e do sudeste da Nigéria. Por volta de 2000 a.C., começaram a expandir o seu território na floresta equatorial da África central. Mais tarde, por volta do ano 1000, ocorreu uma segunda fase de expansão mais rápida, para o leste, e finalmente uma terceira fase, em direcção ao sul do continente, quando os bantos se miscigenaram. Os bantos misturaram-se então aos grupos autóctones e constituíram novas sociedades.
Os bantus distribuem-se, no continente africano, no sentido oeste-leste, desde os Camarões e o Gabão às ilhas Comores; no sentido norte-sul, do Sudão à África do Sul, cobrindo toda a parte meridional da África, onde somente os bosquímanos e os hotentotes têm línguas de origens diferentes.
Enquanto os bosquímanos e hotentotes eram nómadas caçadores e pastores, os bantos eram agricultores sedentários e já conheciam o uso do ferro. Esses avanços permitiram-lhe colonizar um amplo território, ao longo de aproximadamente quatro mil anos, forçando o recuo dos povos nómadas.
Embora não existam informações precisas, o subgrupo etnolinguístico banto mais numeroso parece ser o zulu. A língua zulu é a mais falada na África do Sul, onde é uma das 11 línguas oficiais. Mais da metade dos 50 milhões de habitantes da África do Sul é capaz de compreendê-la; mais de nove milhões de pessoas têm o zulu como língua materna, e mais de 15 milhões falam o zulu fluentemente.
Todos os subgrupos étnicos falam línguas pertencentes à mesma família linguística, a das línguas bantus, a qual, por sua vez pertence à família linguística nígero-congolesa. Em muitos casos, esses subgrupos têm costumes comuns.
Os negros da África do Sul foram, às vezes, chamados oficialmente “bantus” pelo regime do apartheid.
Decorria o reinado de D. José I, quando, em 12 de Fevereiro de 1761, a escravatura foi abolida por Marquês de Pombal na Metrópole e na Índia. Contudo, só pelo Decreto de 1854, os primeiros escravos a serem libertados foram os do Estado e mais tarde os da Igreja pelo Decreto de 1856.
E, com a lei de 25 de Fevereiro de 1869 proclamou-se a abolição da escravatura em todo o Império Português, até ao termo definitivo de 1878:
“Fica abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa, desde o dia da publicação do presente decreto.
Todos os indivíduos dos dois sexos, sem excepção alguma, que no mencionado dia se acharem na condição de escravos, passarão à de libertos e gozarão de todos os direitos e ficarão sujeitos a todos o deveres concedidos e impostos aos libertos pelo decreto de 19 de Dezembro de 1854.”
Angola e a harmonização das línguas bantu
Angola pretende harmonizar a escrita das línguas bantu nacionais com as dos restantes países africanos com origens naquele grupo étnico, mas o processo, iniciado em 2002, tem sido dificultado pela fonética e diferentes grafias existentes.
Em declarações à imprensa, o director-geral do Instituto de Línguas Nacionais angolano, José Domingos Pedro, explicou em Novembro de 2014 que têm sido realizados seminários, com a participação de especialistas estrangeiros, como os da vizinha Namíbia, para estudar diferentes experiências nesta matéria.
“Outros países que integram a zona bantu já fizeram esse trabalho e Angola é que até agora ainda não tem essa situação resolvida”, admitiu o responsável.
Com a Namíbia, país com o qual Angola partilha algumas destas línguas, nomeadamente o oxikwanhama, oxiherero e o san, existe “um caso flagrante” dessa divergência. É o caso da oxikwanhama com um som que os namibianos escrevem com ‘fh’ e os angolanos com a letra ‘x’.
O mesmo tipo de situação vive-se internamente, o que levou aquele instituto, enquanto “órgão reitor da política linguística em Angola”, a decidir “reunir todos os utilizadores das línguas nacionais”, entre profissionais de rádio, televisão, instituições religiosas, Ministério da Educação ou Faculdade de Letras, para discutir as divergências detectadas.
O português é a língua oficial de Angola, herdada de 500 anos de colonização por Portugal, mas o país tem quase duas dezenas de línguas nacionais, estando já oficializadas seis, casos do umbundu, kimbundu, kikongo, tchokwe, oxikwanhama e mbunda. Além destas, aguardam ainda por oficialização as línguas nganguela, oxiherero, nyaneka entre várias outras.
Entretanto, a preocupação prende-se com as inúmeras divergências entre as línguas, sendo por vezes um som escrito de duas maneiras, de acordo com o alfabeto português, ou com o alfabeto das línguas africanas.
“Neste momento, estamos a ouvir os vários utilizadores, as reacções das discussões, só depois é que vamos tomar uma posição e fazer um relatório para submeter ao Conselho de Ministros”, explicou José Domingos Pedro.
Os técnicos angolanos têm contado com o apoio de vários investigadores da região africana, nomeadamente da universidade Eduardo Mondlane, de Moçambique, da Faculdade de Letras e Ciências Humanas, da Universidade Marien Ngouabi, na República Democrática do Congo, e do Centro Avançado de Estudos Africanos.
“É preciso compreender que cada uma dessas línguas nacionais desdobra-se num certo número de variantes ou dialectos. Às vezes fica difícil fazer a diferença entre língua e variante. Noutros é simples, porque há muita semelhança e o que muda é apenas a maneira de falar, mas há entendimento”, comentou José Domingos Pedro.
Entretanto, a Igreja Católica já manifestou alguma preocupação sobre a intenção de se harmonizar a ortografia das línguas bantu “sem ter em conta a fonologia de cada grupo linguístico”, pelo que recomenda “maior profundidade e abertura na análise deste caso, respeitando as características típicas de cada língua enquanto veículo da identidade cultural de cada povo”.
Fonte: Folha 8 com Lusa
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