Refugiados ensinam idiomas a partir de experiências
Refugiados ensinam idiomas a partir de experiências
Cursos de francês, inglês, espanhol e árabe valorizam histórias e práticas que vão além dos livros
Vinícius de Oliveira
“Cara, hoje em dia a gente está vendo a importância de aprender de um jeito diferente. Se você percebe que tem pessoas demorando muito para aprender e falar uma língua, significa que tem alguma coisa errada”. É com um português na ponta da língua que Alphonse Nyembo Wanyembo, congolês de 29 anos, se entusiasma ao falar do Abraço Cultural, iniciativa baseada em São Paulo que coloca professores refugiados em contato com brasileiros que buscam aprender um novo idioma.
Para mais informações, viste o site www.abracocultural.com.br e o grupo no Facebook.
No curso intensivo que começa em julho e tem duração de um mês, as aulas de inglês, francês, espanhol e árabe adotam um eixo diferente daquele ditado pelos centros oficiais de ensino presentes em diversas cidades do país e colocam como centro as experiências culturais e a história oral. Assim, o inglês terá foco em cultura árabe e africana, que também será o caminho para ensino de francês. O espanhol vai olhar para América Latina e um professor de árabe vai explorar sua cultura.
Histórias de vida
Junto com o conhecimento teórico, os professores trazem consigo histórias de vida impressionantes. Nascido na região do lago Kivu, na fronteira entre a República Democrática do Congo e Ruanda, Wanyembo veio para o Brasil há três anos, deixando para trás um país em dificuldades econômicas, conflitos por pedras preciosas e ouro, além da perseguição política a estudantes.
A prática para ensinar inglês foi adquirida na formação em letras em uma universidade americana que levava professores para a África. Tão logo desembarcou em São Paulo, buscou revalidar o diploma. Nada feito. Decidiu então estudar engenharia e terminou recentemente um curso técnico de mecatrônica. Hoje divide o tempo entre aulas de francês (seu idioma nativo) e inglês dentro de empresas e o balcão de uma assistência técnica de eletrônicos.
Para Wanyembo, a experiência cultural que tratará de temas como culinária, dança, literatura, cinema, política e história, servirá também para derrubar preconceitos. “Não vai ser só dar aula. Vamos quebrar barreiras e tirar o medo em relação ao estrangeiro, que traz sua cultura e seu conhecimento”. Segundo o professor, a intenção é deixar o ambiente mais dinâmico para que os alunos consigam acompanhar o ritmo das três horas de aula. “Vai ser muito diferente da metodologia tradicional, que usa só livros. A gente quer ensinar pela convivência com a língua para o aluno se sentir livre. Faremos pratos típicos e eles vão poder tirar dúvidas: O que é esse ingrediente? Para que serve? Quando um alguém aprende vivendo, pega gosto e o conteúdo fica gravado”.
A outra turma de inglês, com foco em cultura árabe, ficará a cargo de Wessam Alkourdi, sírio de 33 anos, que morava nas cercanias da capital do país, Damasco, até o dia em que se deparou com a entrada das forças armadas em seu bairro. Alkourdi decidiu que era hora de partir enquanto o país mergulhava na guerra civil entre rebeldes e tropas do governo do ditador Bashar al-Assad. Com a mulher, que estava grávida, foi para a Jordânia e lá ficou por um ano e cinco meses até que o país começou a dificultar a vida de imigrantes sírios. O Brasil apareceu como opção.
Mesmo sem falar nada de português, mudou-se com a família para São Paulo por conta do mercado de trabalho. Hoje frequenta a Mesquita do Brasil, no bairro do Cambuci, na zona sul da cidade, e trabalha em um comércio árabe na região do ABC. Formado em administração de empresas, Alkourdi já morou em Londres e também estudou música na Academia Russa de Damasco. Na pressa de fugir da Síria, acabou deixando o violão para trás, mas pretende levar a música para suas aulas e apresentar instrumentos como a tabla (percussão) aos estudantes brasileiros.
Ideia do projeto
O curso de idiomas começou a nascer após a realização, em 2014, da Copa do Mundo dos Refugiados, uma ação das ONGs Atados e Adus (Instituto de Reintegração dos Refugiados). O evento reuniu imigrantes de diferentes nacionalidades que, por motivos de guerra, perseguição política, religiosa e étnica, deixaram seus países para começar uma nova vida no Brasil.
“Nessa ocasião, muita gente teve um primeiro contato com os imigrantes e se interessou em aprender mais sobre eles. Foi o primeiro estalo que veio na nossa cabeça”, diz André Cervi, fundador do Atados. O curso acabou ganhando forma no começo de 2015, quando Cervi participou, ao lado do parceiro Daniel Morais, de um curso de gestão de projetos colaborativos. “Ali lançamos de novo a ideia e foi formada a primeira equipe a trabalhar com o projeto”.
Eles não são apenas pessoas que precisam de ajuda, mas que têm uma série de traços culturais e uma formação que pode ser aproveitada
Segundo Cervi, a intenção do curso é ajudar refugiados que tem um currículo forte, mas que apesar disso não conseguem um emprego especializado no Brasil. “Existe uma resistência muito grande contra o refugiado. Eles não são apenas pessoas que precisam de ajuda, mas que têm uma série de traços culturais e uma formação que pode ser aproveitada”, diz.
Após essa primeira experiência com o curso intensivo em julho, o Abraço Cultural pretende ampliar seu escopo e oferecer capacitação para outros refugiados para que eles consigam trabalhar na própria instituição ou em empresas. Além disso, de acordo com Cervi, existe a chance de abrir espaço para mulheres oferecerem cursos de culinária.
Para mais informações, viste o site www.abracocultural.com.br e o grupo no Facebook.
Fonte: Jornal do Brasil