Políticas Linguísticas no Brasil: o reconhecimento das línguas brasileiras e as demandas por ações articuladas e inovadoras

A implantação, pela primeira vez no Brasil, de uma política nacional de reconhecimento das línguas brasileiras através do Inventário Nacional da Diversidade Linguística, INDL (Decreto 7.387, de 09 de dezembro de 2010), aliada à crescente política de cooficialização de línguas por municípios em diferentes regiões do país – atualmente temos 09 línguas cooficiais em 11 municípios, sendo 5 indígenas e 4 de imigração, marcam um novo papel do Estado no trato de suas línguas e daqueles que as falam, e ao mesmo tempo suscita um salutar debate sobre os desafios que se colocam para a construção de políticas públicas participativas, que respeitem e promovam o direito às línguas em sua diversidade.

Considerando estes desafios, o texto A Carta de Maputo e as Políticas Linguísticas no Brasil. argumenta sobre a necessidade de se pensar iniciativas articuladas e de largo alcance, vindo a dialogar ativamente com todos os interessados em ações de promoção das línguas.

Leia o texto na íntegra:

A Carta de Maputo e as Políticas Linguísticas no Brasil

Rosângela Morello
Coordenadora do IPOL Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística
Coordenadora do Inventário da Língua Guarani Mbya

          A Carta de Maputo (cf. www.iilp.org.cv) pode ser considerada um marco na condução das políticas linguísticas no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Consensuada pelos participantes do Colóquio sobre a Diversidade Linguística nos Países da CPLP, realizado em Maputo de 12 a 14 de setembro de 2011 e promovido pelo Instituto Institucional da Língua Portuguesa (IILP), esta carta ratifica as inciativas de reconhecimento e promoção das línguas implementadas pelos Estados membros da CPLP e por organismos internacionais, tais como a Unesco e a ACALAN e faz recomendações visando a contribuir com a Segunda Conferência Internacional sobre o Futuro do Português no Sistema Mundial, a realizar-se em outubro de 2012 e ao Plano de Ação de Lisboa para a Promoção, Difusão e Projeção da Língua Portuguesa.

          Como se pode ler na Carta, as ações recomendadas ao IILP e a CPLP abrangem desde o reconhecimento das línguas por meio de políticas de cooficialização e a implementação de politicas bi ou plurilingues nos sistemas de ensino e pesquisa até a criação e/ou ampliação dos espaços para os usos das línguas nas instituições e nos sistemas de informação e comunicação. Entre as estratégias, a elaboração do Atlas das Línguas da CPLP propõe fundamentar o planejamento consistente de ações que visem a potencializar as dinâmicas sociopolíticas e econômicas estruturadas e simbolizadas pelas diferentes comunidades linguísticas.

         Indo além das ratificações e recomendações, a Carta de Maputo sintetiza, por outro lado, uma perspectiva conjunta e ampliada para a gestão das línguas da CPLP e seu futuro no contexto dos blocos econômicos e da sociedade do conhecimento. Por essa característica, revela-se profundamente inspiradora para que aprofundemos, em nossos países, os espaços de diálogos visando à construção de políticas linguísticas articuladas e consistentes.

          No Brasil, um dos oito países mais plurilíngues do mundo atual, esta articulação tanto é desejada como necessária. Após atravessarmos um longo período de interdição de línguas em prol da construção de um Estado Nacional que reconheceu somente a língua Portuguesa como língua oficial, vivemos, no presente, um momento inaugural de promoção da diversidade linguística, com políticas de reconhecimento das línguas brasileiras e de fortalecimento de sua presença em variados âmbitos sociais.

          No rastro dos direitos educacionais e culturais garantidos aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988, o Brasil chega ao novo milênio implementando, entre outras, duas políticas linguísticas extremamente inovadoras: a cooficialização de línguas (Decretos Municipais) e o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (Decreto nº. 7.387/2010).

  1. Regulada por medidas municipais, a cooficialização reconhece e promove uma ou mais línguas amplamente faladas e culturalmente relevantes nos contextos locais e regionais. Temos hoje, no Brasil, 8 línguas cooficializadas em 11 municípios, e duas em tramitação em dois outros.
  2. A Patrimonialização e o Registro instituídos pelo INDL propõem inverter os processos de minorização e extinção de línguas, caracterizando-se como iniciativas de salvaguarda e promoção daquelas consideradas referências culturais do país. Neste caso, não se prevê oficialização em nível nacional de nenhuma língua inventariada, uma vez que estão distribuídas em vários pontos do território, e nenhuma é amplamente falada em todo o país. A exceção é a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, falada por quase seis milhões de pessoas e já nacionalmente cooficializada (IBGE, 2000).

          Paralelamente a estas duas políticas, outras ações aprofundam as demandas. Vale citar o Projeto de Lei (PLS 9/08) instituindo um programa nacional de preservação, recuperação e transmissão de línguas indígenas, em processo de tramitação governamental e discussão em audiências públicas. Teremos ainda as demandas por educação pública bi ou plurilíngue que requerem do Conselho Nacional de Educação instruções para seu reconhecimento e funcionamento.

          Este quadro, não exaustivo, mostra a urgente necessidade de uma conferência pública que articule estas iniciativas. Poderemos, desde já, notar que a articulação entre a proposta de preservação de línguas indígenas do projeto de Lei 9/08 e o Decreto do INDL pode iluminar a configuração de um novo quadro para a promoção das línguas brasileiras. Em vez de apenas as tradicionais políticas para grupos de línguas específicas – indígenas, de sinais, de imigração, etc, – poderemos traçar linhas de ações que sejam para todas as línguas brasileiras, observando as especificidades das diversas comunidades linguísticas. Assim, uma língua indígena e uma língua de imigração, por exemplo, em contexto de periferia histórica e simbólica, podem demandar ações de promoção na mídia e em outros espaços de circulação social dos falantes que se assemelham e que podem ser planejadas conjuntamente. Do mesmo modo, podemos ter demandas inovadoras, construídas conjuntamente por comunidades de línguas diferentes, mas territorialmente próximas.

          Diante deste panorama, a consolidação social e política da noção de línguas brasileiras com vistas a potencializar seus desdobramentos para o fortalecimento das diversas comunidades linguísticas e dos territórios linguísticos pode ancorar a abertura de um profícuo debate para estabelecermos políticas linguísticas de mais largo alcance para o Brasil. Uma discussão articulada, com a participação do governo, das comunidades linguísticas e de instituições parceiras, permitirá, sem dúvida, darmos um passo essencial para a definição de políticas articuladas que nos conduzam a escrever, nós também, uma Carta do Brasil para suas línguas e seus cidadãos.

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