O suíço-alemão da Pensilvânia: uma língua que persistiu

As comunidades Amish e Menonitas não sãos as únicas que falam dialetos suíço-alemães hoje, nos Estados Unidos. Para Douglas Madenford que falou o suíço-alemão da Pensilvânia a vida toda, uma recente tendência para recuperar a língua tradicional é uma prova de sua riqueza e durabilidade.

Um trator e o reboque em um campo de cultivo na Pensilvânia, Estados Unidos
Uma terra de tradições mantidas pelos antigos colonos: trator e o reboque em um campo de cultivo na Pensilvânia, Estados Unidos.

(AFP)

“Guder Mariye, liewe Kinner!” (Bom dia, crianças queridas!)

Começo quase todo os dias com essas quatro palavras. O mais interessante sobre essa declaração é que eu sou americano. Minha família imigrou para a colônia da Pensilvânia nos anos 1700 e ficou por aqui até hoje. Doze gerações depois, ainda falamos a língua que nossos antepassados trouxeram quando cruzaram o Atlântico: o suíço-alemão da Pensilvânia (Pennsylvaanisch Deitsch, ou PD).

Há pouquíssimas línguas de imigrantes que passaram no teste de permanência, nos Estados Unidos. Muitos imigrantes deixam de usar a língua materna dentro de um período de uma ou duas gerações, na tentativa de assimilar a cultura e a sociedade americanas. Meus antepassados decidiram que sim, a assimilação é importante, mas que continuaríamos a manter nosso idioma.

Raízes não sectárias

A maioria das pessoas não familiarizada com a cultura PD a associa
com os grupos Amish ou Menonita. Eles ainda usam o PD como como primeiro idioma e o falam em casa e no dia a dia. O que muita gente não sabe é que eles foram apenas uma parte do PD que veio para os Estados Unidos.

Nos séculos 18 e 19, imigrantes do Vale do Reno, do Palatinado no sudoeste da Alemanha, e também de regiões suíças, fugiram por razões econômicas e religiosas. A língua que trouxeram é que ainda falamos hoje. Entre essas pessoas estavam os grupos religiosos perseguidos, como os das igrejas Amish e Menonita.

Outros vieram em busca de terra e oportunidades econômicas, para escapar da pobreza ou da guerra. Os últimos eram protestantes e incluíam luteranos, reformados (calvinistas), huguenotes e outras igrejas protestantes. Esses grupos normalmente são chamados de “igrejas suíço-alemãs”, ou não sectárias, categoria a qual minha família pertence.

Por mais de 300 anos, nossa língua e cultura sobreviveram nos Estados Unidos em crescimento. Nos isolamos em certas regiões geográficas, principalmente no sudeste da Pensilvânia. Ali estivemos em fazendas, trabalhando na agricultura da mesma forma que era feita no país de origem.

Enquanto os Amish e os Menonitas se distinguem de outros americanos pela escolha do vestuário e práticas religiosas, nós, os não sectários, mantivemos apenas a língua e tradições culturais. Acredito que é por isso que a língua tenha persistido: é o elemento principal sobre quem fomos e quem ainda somos.

Durante esses anos, assimilamos a sociedade americana, ao contribuirmos de forma significativa com o crescimento e o sucesso do novo país que se tornou nossa casa. Lutamos nas guerras, desenvolvemos a economia e influenciamos essa cultura.

Rápido avanço para o século 20. Nos anos 1900 havia milhares de falantes de PD não sectários. Nossa língua sofreu dois grandes abalos durante as Guerras Mundiais. Claro que não era muito elegante falar uma língua germânica durante a guerra com a Alemanha. De certa forma, apesar disso, a língua sobreviveu. O impacto maior ocorreu nos anos após a Segunda Guerra. Muitos falantes de PD decidiram não ensinar o idioma às crianças. Cada família tinha suas razões para fazer essa escolha.

Conectando uma geração excluída

Muitas pessoas da geração dos meus pais cresceram escutando os pais e os avós falando PD, mas raramente a palavra lhes era dirigida nesse idioma. Mas para quem cresceu nos anos 80 e 90, ainda era normal encontrar muitos não sectários falando PD. Cada saída para fazer compras com meus avós, incluía com frequência muitas paradas para falar com velhos amigos – não em inglês, mas em PD. O problema é que todos eles eram “velhos”. Eu não tinha com quem falar minha língua. Mas sendo eu um teimoso suíço-alemão, me recusei a deixar de falar meu idioma. Isso significava uma grande parte do que eu era como pessoa.

Hoje, continuo pensando da mesma maneira. Como estudei alemão na faculdade, descobri a importância da preservação da língua e o valor da educação na área de idiomas. Dediquei minha vida pessoal e profissional para a sobrevivência da minha língua, um velho dialeto trazido de uma esquina do mundo até chegar em terras americanas.

A internet foi uma ajuda enorme para minhas façanhas. Mantenho um blog em PD, um canal bastante ativo no YouTube com vídeos educacionais, e utilizo as mídias sociais para me conectar com outros falantes do idioma. Encontrei rapidamente muitas pessoas que vieram da geração que ficou excluída. Eles também procuravam uma conexão com a língua falada pela família quando eram crianças, mas que nunca aprenderam. Conheci pessoas que sabiam que eram PD, mas nunca ouviram ninguém falar o idioma. Todos estavam tentando se conectar ou reconectar com suas raízes, e a língua era o elemento principal para isso.

Renascimento da língua

Recentemente, a Pensilvânia experimentou um ressurgimento do PD. Estabelecimentos locais estão usando palavras PD na publicidade ou nas lojas e pequenas cervejariasLink externo estão dando nomes em PD às cervejas. Acampamentos de verão para crianças usam o idioma durante os eventos. Acho que agora é descolado falar/ser PD.

A onda do PD voltou a se espalhar na Alemanha. Recentemente participei de um documentárioLink externo sobre as semelhanças e diferenças entre o Palatinado e o PD. O filme mostra em detalhes o que mantivemos nos Estados Unidos e as conexões diretas que ainda temos com nossa região de origem. Enquanto filmava na Alemanha, era capaz de falar PD o tempo todo e não tive problemas para me comunicar com ninguém que conheci.

Em casa, falo PD com meus dois filhos. Por sorte, minha mulher me apoia completamente nesse empenho. Quando falo com eles, é como se meus avós estivessem falando por meu intermédio. Sei que meus filhos vão crescer sabendo palavras e frases que os antepassados usaram por muitas gerações e espero que isso seja um motivo de orgulho para eles quando forem mais velhos. Ninguém sabe o que o futuro reserva, mas no que depender de mim, vou continuar a dizer todas as noites essa frase aos meus filhos: “Schlof gut un siesse Draame” (durmam bem e tenham bons sonhos).

Número de falantes

Dados precisos sobre o suíço-alemão da Pensilvânia nos Estados Unidos são escassos. Estimativas sobre o número de falantes Amish e Menonitas conservadores – que hoje vivem na Pensilvânia e nos estados do meio oeste como Ohio, Indiana e Wisconsin – ficam entre 300 e 350 milLink externo. Ainda mais difícil de estimar são números confiáveis de falantes de PD, quase todos residentes na Pensilvânia, mas acredita-se que são menos de 40 milLink externo, provavelmente entre 10 e 20 mil.

Aqui termina o infobox

Adaptação: Heloisa Broggiato, swissinfo.ch

Fonte: swissinfo.ch

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