México leva ao ar primeira novela no idioma maia

Acredita-se que existam aproximadamente seis milhões de pessoas no México e na América Central que falam a língua maia, o idioma associado a uma das principais civilizações da chamada Mesoamérica. Mas somente agora, pela primeira vez na história, eles poderão acompanhar uma novela nessa língua.

Baktún (o título da novela), significa em maia um ciclo, uma passagem de tempo que não se finda, apenas muda. Esse é um conceito chave da cultura maia: a história nunca termina, apenas se renova.

O tema da novela também representa o reinício da recontagem do calendário maia (o mesmo que chegou ao fim em dezembro passado, o que originou o mito no ocidente de que o mundo acabaria) e da oportunidade que as pessoas têm de se reencontrar consigo e suas raízes.

Com este fio condutor, a telenovela mexicana Baktún será falada em maia e em inglês, e estreia nesta quarta-feira na televisão do estado de Quintana Roo, que fica no sul do México.

A história

Baktún conta a história de Jacinto, um jovem maia que trabalha em um restaurante de Nova York. Mas ele só fala inglês, pois deixou para trás sua origem e com ela sua língua nativa.

Mas a notícia da morte de seu pai o obriga a regressar para sua comunidade e assim começar um doloroso e libertador processo de se reencontrar com as raízes.

Jacinto rejeitou seu passado maia. Ele não se interessou em saber nada sobre sua cultura.

Assim, o personagem começa sua jornada na novela, para tentar reconquistar o amor de sua infância, salvar a própria comunidade, resgatar seu irmão envolvido em uma fraude em uma companhia multinacional, aprender de novo a própria língua, os costumes e, acima de tudo, aceitar-se novamente como um maia.

Bruno Cárcamo, diretor e produtor da novela, disse que o objetivo é abrir uma janela para a verdadeira essência da cultura mesoamericana. Uma das primeiras sequencias da produção mostra o funeral do pai de Jacinto. A cena foi filmada durante um funeral de verdade de uma das comunidades.

“O que se vê é integralmente autêntico, não colocamos nada na cena, nenhuma representação ou reprodução de coisa alguma. As cenas que já temos – o funeral, o batismo, a bênção da terra – fomos buscando o que aconteceu na vida real. O que fazíamos era pedir permissão para que nos deixassem incorporar as cenas”, contou Cárcamo, em entrevista à BBC.

As imagens reais (documentais) também mostram uma festa de vaqueríaque, de acordo com o criador da trama, é uma das festividades mais importantes para os maias, na qual adolescentes de 12 a 18 anos dançam com meninas da mesma idade.

“Eles vêm para dançar com as ‘vaqueiras’, que são mulheres adolescentes, ao redor de um santo padroeiro. Aí se estabelecem os matrimônios. O noivado é um conceito que não existe em sua cultura”, explica Cárcamo.

Tabus

Somente os protagonistas são atores, sendo o resto do elenco pessoas comuns que vivem nas comunidades. Elas também participam da novela relatando os problemas de suas vidas.

A novela, assim como o documentário feito sobre a produção, são falados em maia e em inglês e serão transmitidos com legendas em espanhol.

A transmissão da novela será feita primeiramente no estado mexicano de Quintana Roo, onde existe uma grande população que ainda fala a língua maia. Depois disso, a produção poderá alcançar outros estados.

No roteiro existia uma cena na qual Jacinto beijaria seu amor de infância. No entanto, baseado em informações das pessoas da comunidade, esse beijo não poderia acontecer na tradição maia, o que fez a cena ser retirada.

Cárcamo ressalta que isso não foi um problema: “Queríamos tralhar em uma história que fosse universal, mas que operasse dentro dos valores e costumes do povo maia. Os beijos e as carícias não entram. (Isso) Resulta do fato de não existir noivado na cultura maia. Ele não pode ir de mãos dadas com ela pela rua. Tudo acontece na presença de ‘chaperones’ (acompanhantes) e dentro da casa da mulher”.

“Isto impediu que tivéssemos coisas comuns de telenovela, como pessoas mestiças, beijos, carícias etc. Em vez disso, retiramos essas sequências e usamos a tensão dramática ou sexual para refletir esta parte amorosa e assim atingir o mesmo efeito”, explica o diretor.

A colaboração de documentaristas e historiadores de instituições acadêmicas e do governo resultaram em uma pesquisa sólida que ajuda a entender a natureza e o objetivo de Baktún.

O resgate da língua

No México, estima-se que certa de 800 mil pessoas falam o idioma maia como língua nativa. E língua que não é utilizada, desaparece. Por isso o diretor de Baktún se dedicou em manter viva essa língua.

“As pessoas das comunidades podem ver que sua língua é tão válida e tem a mesma capacidade de contar uma história como o espanhol e ao mesmo tempo gerar interesse nas pessoas que não falam maia para conhecerem mais essa cultura”, conclui Cárcamo.

Os 21 capítulos da novela duram de 8 a 10 minutos e são semanais. A produção é transmitida por um sinal de um canal do governo do estado de Quintana Roo e também é distribuído na internet.

A novela e o documentário sobre a produção foram financiados pelo governo de Quintana Roo e produzidos por Bruno Cárcamo.

Fonte: BBC Brasil

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