O termo “Ikuêbo” tem a tradução de “córrego da cor das estrelas” e vem do dialeto Bororo. Era a etnia indígena que habitava a região da Prainha à época da chegada dos bandeirantes no Centro-Oeste do Brasil, no século XVIII, mestre na pescaria com arpão e arco e flecha.

“O sentido provavelmente era para descrever o brilho do sol nas águas do córrego. ‘A cor das estrelas’ era o reflexo do sol, para um povo que era mestre na pescaria e habitava as margens do córrego”, diz a doutora em antropologia do imaginário, Cristina Campos.

Mas, também havia o espectro do ouro na região, o qual seduziu os bandeirantes na entrada da mata e os fizeram esquecer o objetivo da missão: capturar indígenas para a mão no litoral do País, onde estavam instaladas as capitanias hereditárias, neste período, em fase de declínio.

Chegada dos bandeirantes Manoel Bicudo e Bartolomeu Bueno pelo rio Cuiabá, no século XVII. A busca por mão de obra escrava foi esquecida com a extração de ouros (Reprodução Facebook)

Por aí ficaram e ficou junto o som forte que acrescenta as letras “d” e “t” na pronúncia de algumas palavras – tchuva, cadju, catchorro. Esse jeito de falar tem origem na região norte de Portugal, de onde vieram os bandeirantes que lideraram a marcha para o interior Brasil mais de 200 anos após chegada dos europeus no litoral da América do Sul.

“Esse pessoal tinha influência de outras partes próximas ao continente europeu. A cultura mulçumana está presente na própria fundação de Portugal”, explica o escritor cuiabano Moisés Martins.

“Codjibó” é uma palavra do dialeto indígena Macro-Jê que significa “o rio dos peixes”. Hoje, a palavra transferida para a língua portuguesa via o dialeto cuiabano dá nome bairro, a uma grande área e a um rio – “Coxipó”.

“Quando os bandeirantes vieram para a região central do Brasil, foram guiados por índios Guarani, que falavam outro dialeto. E mais: os índios que habitavam a região hoje conhecida como a baixada cuiabana – Bororos, Guarani, Guatós e Bacairi, por exemplo – se comunicavam por meio de uma língua geral, que era diferente”, diz a doutora Cristina Campos.

O regionalismo

“Minina, num tê conto nada! Foi um ranca rabu (briga) danadu. Cumadre Filó pinxou (jogou) as vela qui tava nas mons e partiu prá riba de Ritinha, que empeitô (enfrentou) a cumadre”. (Trecho do livro “A força da fala no dizer cuiabano”)

A formação do dialeto cuiabano nasce da confluência de várias línguas e outros dialetos. O escritor Moisés Martins, autor de “A força da fala no dizer cuiabano”, explica que a língua espanhola em diversas variações e a língua portuguesa (de Portugal) estão na matriz, além dos dialetos indígenas.

“Algumas palavras espanholas também têm o som chiado do nosso ‘ixpia’. É o mesmo som que os cariocas falam nas palavras com ‘s’. O ‘tchuva de cadju’ tem traços do português mouro, e também aparece em outras regiões do Brasil”.

A regionalidade cuiabana aparece no sotaque e na invenção de outras palavras. “Nós não podemos dizer que Cuiabá tem língua própria, porque não é uma língua oficial a exemplo do português e do espanhol. Temos um dialeto riquíssimo que adaptaram para o regional”.

“Nosso corno é puramente português, cuiabano tem uma versão que pode parecer mais chula, mas faz sentido para quem vive aqui e não vê problema nisso. Por exemplo: ‘puta merda’ para falar que algo está bonito ou bem feito”, complementa.

A pesquisadora Cristina Campos diz ainda que outros traços marcam o jeito cuiabano de falar está na “indistinção de gêneros” e na troca do “l” pelo “r”.

“É característico de cuiabano falar ‘vô lá no mamãe, vô no mamãe. Não tem a distinção de gêneros como é feito na língua formal. E quando respondem a alguma coisa, ao invés de dizer ‘claro’, se diz ‘craro’”.

Processo cultural

A difusão da comunicação de massa, junto com o boom progressista na década de 1970, modificou o linguajar nascido na era colonial.

Conforme Cristina Campos, o dialeto cuiabano começou a ter fortes influências com a chegada de migrantes vindo da região do Brasil, a partir da década de 1970. Para ela, o dialeto que ainda estava em construção começou a ser relegado por causa da rejeição.

“As pessoas que vieram para Mato Grosso na década 1970, dentro do programa Marcha para o Oeste, chegaram e acharam tudo muito feio, do cerrado e a mata no interior do Estado ao jeito de falar do cuiabano. E um dialeto que ainda estava em construção, em formação começou a se perder porque era considerado horrível, estranho”.

Em seu artigo “O linguajar cuiabano”, ela explica que o esmaecimento da fala cuiabana começou a ser notado por pesquisadores na década de 1980, e com a expansão da comunicação de massa, as características externas se acentuaram.

“Com a influência do rádio, da televisão e do mundo globalizado as particularidades linguísticas encontradas na baixada cuiabana vão desaparecendo e abrindo espaço para a unificação prosódica dos brasileiros”, pontua.

“Algumas comunidades mais isoladas do centro de Cuiabá falam fortemente o linguajar cuiabano e se orgulham disso, o que é importante. Elas buscar preservar o linguajar que aprenderam e que é falado no meio em que vive. O modo de falar para sobreviver precisa ser falado”.

Alguns termos cuiabanos, compilados por Moisés Martins

Abeíudo – curioso
Arca-caída – doença regional
Baguá – metido a valente
Bamu tchegá – convite para se aproximar
Banbeá – afrouxar
Cacoá – debochar
Canhá- evitar doação
Desimbestô – saiu correndo
Distrinchano – explicando
Imbuchada – grávida
Incafifado – incutido
Ladino – esperto
Leitero – puxa-saco
Malemá – mais ou menos
Mequetrefe – sem valor
Na bucha – na presença da pessoa
No ôio – no centro

Fonte: Circuito MT