Fanuel Melo Paes Barreto: Mattoso Câmara e a linguística no Brasil

Fanuel Melo Paes Barreto é professor de Língua Portuguesa e Linguística/Unicap

Publicado em: 10/11/2017 06:58 Atualizado em:

Não anima estas linhas outro sentimento que não o apreço pela obra de Joaquim Mattoso Câmara Jr. (1904-1970). Coube a ele o que mais se aproxima do papel de um “founding father” da linguística no Brasil. Segundo o especialista em línguas indígenas Aryon Rodrigues, Mattoso Câmara “não foi apenas o pioneiro, mas o propugnador constante e imbatível dos estudos linguísticos sérios, cientificamente bem fundados”. Seu pensamento e sua atuação se desenvolveram em um ambiente onde “o estudo da linguagem era uma contradança tranquila que reunia de um lado a Gramática sobrevivente, e sempre prestigiada, e do outro lado a Filologia, gloriosa e fáustica…”, no parecer do ex-ministro da Educação Eduardo Portella. Embora outros, antecessores ou contemporâneos, tenham buscado renovar os estudos da linguagem no Brasil, foi Mattoso Câmara quem, efetivamente, quer pela atividade docente contínua, quer pela extensa bibliografia, revolveu o solo e lançou as sementes para o florescimento da linguística moderna no campo científico e acadêmico nacional.

 Após uma breve experiência no ensino de Linguística, assumiu ele, pioneiramente, a partir de 1948, a regência regular da disciplina na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro. Já então, era o autor do primeiro manual sobre o assunto em língua portuguesa, Princípios de linguística geral, cuja publicação, em 1941, assinala, na avaliação do linguista Silvio Elia, o nascimento da ciência linguística no Brasil “e quiçá no mundo de língua portuguesa”. Mattoso vinha de uma temporada de estudos nos Estados Unidos, onde vivenciara, de 1943 a 1944, o clima de pensamento estruturalista americano e travara conhecimento com luminares como Roman Jakobson e Leonard Bloomfield. Até 1960, foi seu o único curso de Linguística no Brasil; somente em 1962, o Conselho Federal de Educação decidiria pela inclusão obrigatória da matéria nos cursos superiores de Letras.
Suas publicações cobriram um amplo espectro temático, da teoria e historiografia linguísticas à análise da estrutura e estilística do português, passando pelo estudo das línguas indígenas brasileiras. A leitura desses trabalhos revela duas facetas importantes do autor: a de expositor, evidenciada em compêndios como os já referidos Princípios ou sua póstuma História da linguística (de 1975), e a de pesquisador, expressa, por exemplo, na análise seminal que propôs para o sistema de sons do português, na tese de doutorado Para o estudo da fonêmica portuguesa, defendida em 1949. A Introdução às línguas indígenas brasileiras, de 1965, testemunha seu interesse pelas relações entre a linguística e a etnografia, de que resultou uma produtiva colaboração com a Divisão de Antropologia do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, onde Mattoso organizou o Setor Linguístico com o objetivo de promover a investigação sobre as línguas indígenas e os falares portugueses no Brasil.
Apesar da qualidade científica e do significado institucional, a contribuição de Mattoso Câmara encontrou uma recepção marcada pela ambivalência. No plano internacional, obteve expressivo reconhecimento, ao ponto de ser ele indicado como o único representante da América Latina no Comitê Internacional Permanente de Linguistas e, em suas palavras, ser “aceito pacificamente por uma assembleia de 1.500 linguistas do mundo inteiro”. Tal reconhecimento, contudo, não foi correspondido no plano acadêmico nacional. Entre outras frustrações, Mattoso amargou a de não ver sua disciplina dignificada com uma cátedra na Faculdade Nacional de Filosofia; seu posto máximo ali foi o de professor adjunto, e “por antiguidade”. Para Eduardo Portella, a contradição se explica pela surpresa com que a universidade brasileira recebeu as inovadoras propostas teóricas e metodológicas trazidas por Mattoso Câmara. Não obstante os entraves, como ressaltou o ex-ministro, “a sua ciência se impôs e a sua lição expandiu-se”.

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