“Deixar de tornar a música acessível é limitar o acesso à arte”

Álbum ‘Mergulho’, de Luiza Caspary, terá músicas com Libras e legendas à comunidade surda

GABRIELLA STARNECK

ESPECIAL PARA O HOJE 

Tornar a arte acessível: essa é a principal proposta do novo trabalho de Luiza Caspary. Para isso, a cantora traz para cada canção do álbum Mergulho, um videoclipe com Libras (Língua Brasileira de Sinais) e Legenda para Surdos e Ensurdecidos (LSE) em tela cheia simultaneamente à interpretação musical. Além do fato de produzir música acessível a surdos e ensurdecidos, outra novidade do trabalho da artista é lançar as nove canções autorais e inéditas que compõem o trabalho uma por vez, mês a mês. 

Em outubro, foi a vez do lançamento de Sinais – canção de estreia do álbum. Especificamente no videoclipe dessa música, a própria Luiza canta e interpreta em Libras ao mesmo tempo. Nas outras faixas, embora a cantora não seja interprete, ela irá dividir o plano principal das cenas com profissionais capacitados para fazer essa tradução. “Por padrão, a Libras é inserida por meio de uma pequena janela no contexto de um vídeo principal. Eu quis que a linguagem de sinais ocupasse toda a tela, e, com isso, se tornasse protagonista daquela narrativa”, explica a artista.

Mergulho

Luiza define o álbum como relato biográfico profundo no qual propõe uma ‘imersão solar e feliz’ no cotidiano das pessoas. “Mergulho é bem introspectivo e bastante autobiográfico, pois traz uma fase da minha vida na qual eu passei por muitas mudanças. Além de eu ter me separado, depois de dez anos de casada, minha avó faleceu – então foi um processo de redescobrir a vida. Foi um trabalho em que eu pensei menos em cantar bonito, e mais com o coração. Digamos que eu coloquei mais a pessoa e menos a cantora”, conta Luiza Caspary ao Essência.

Sonoramente, a Luiza explica que as letras são em português e a melodia transita entre pop, folk, rock, eletrônico e erudito. “Os arranjos são carregados de riffs, mas mantém a essência minimalista de quando criei as composições apenas com voz e violão”, acrescenta. Em relação à estética, todo os videoclipes são filmados em um mesmo cenário, que transmite a dramaticidade da composição e privilegia as linguagens de comunicação dos surdos e ensurdecidos.

No videoclipe de Sinais, a cantora está meditando, em sofá de uma confortável sala de estar, ao mesmo tempo qem ue ela faz a interpretação Libras e a gesticulação labial do canto, em um único plano tela cheia, que ainda traz a legenda descritiva. Nos demais vídeos, que estão para ser lançados, a Libras será conduzida pelas intérpretes Ângela Russo e Naiane Olah, que dividirão o plano principal das cenas com a cantora. Produzido pelo gaúcho Lou Schmidt e distribuído pelo Selo Dafne Music, as canções têm participações dos artistas Jair Oliveira, Juliana Strassacapa, Estevão Queiroga, Necka Ayala e Gabriel Von Brixen.

O trabalho de adaptação das músicas para Libras tem supervisão de Maria Rita de Oliveira e Renata Lé, fãs surdas que acabaram se tornando parceiras profissionais da cantora. A direção dos videoclipes foi feita pela também cantora RhaissaBitta e coordenação de pós-produção da mãe da Luiza, a atriz, locutora e audiodescritora Márcia Caspary, que também é membro da Associação Brasileira de Audiodescrição (Abad).

Cantora

Baiana de nascimento e moradora de São Paulo, Luiza Caspary ingressou na carreira artística aos 8 anos. Ela fez parte de coro infantil da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, musicais no teatro e de mais de sete mil campanhas publicitárias veiculadas com a sua voz. O primeiro disco O Caminho Certo, lançado em 2013, rodou o Brasil e a Europa com canções em português, inglês e espanhol. Inclusive foi a partir da primeira canção dessa álbum que a cantora começou a desenvolver um trabalho inclusivo, e também devido a influência materna – já que sua mãe, Márcia Caspary, havia feito curso de audiodescrição.

Ao tomar conhecimento da experiência que sua mãe teve com a acessibilidade, Luiza teve o desejo de tornar sua música acessível, assim como seu site. “Acredito que esta população tenha aumentado ao longo dos últimos oito anos. E isso nos leva a refletir sobre a quantidade de pessoas que acabam não consumindo arte ou frequentando espaços culturais, na maioria das vezes, pela falta de infraestrutura e do não planejamento de acessibilidade dos espetáculos. Se os espaços fossem pensados para todos, com um desenho universal, as deficiências desapareceriam e a liberdade de ir e vir, que é um direito de todos nós, seria de fato realidade”
, opina a cantora.

Graças a essa iniciativa, Luiza foi premiada durante as Paraolimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, pela W3C, organização responsável pelas diretrizes de acessibilidade da internet. “Conviver com pessoas com deficiência me ajudou a compreender que são pessoas que querem ter liberdade e independência. Eu os vejo e a empatia me fez mergulhar nesse universo de silêncio em que eles vivem”, reflete a artista. E para falar mais sobre a iniciativa de tornar sua música acessível, Luiza Caspary participou de um bate-papo com o Essência. Confira a entrevista ao lado.  

Entrevista: Luiza Caspary 

Sobre a acessibilidade das músicas, como surgiu a ideia de criar videoclipes com Libras e LSE?

O meu envolvimento com a acessibilidade vem desde 2011, antes mesmo de eu lançar meu primeiro álbum. Minha mãefez um curso de audiodescrição, em 2010, e mudou muito a vida dela, como atriz e locutora. Quando ela fez esse curso, minha mãe entendeu que usaria a voz não só como comunicadora, mas também ajudando a mudar a vida das pessoa, levando acessibilidade. Ela me contagiou muito com isso. Então, em 2011, eu tinha uma música gravada, com o nome do meu primeiro disco (O Caminho Certo), e nós resolvemos usar o clipe como cobaia para fazer audiodescrição. Fizemos, foi um trabalho pioneiro, e tomou uma proporção que não imaginávamos – tanto que esse clipe é usado em Universidades como exemplo. Esse foi só o primeiro passo que dei, e acabei me apaixonando, porque conheci pessoas com deficiência visual, e depois comecei a pensar em um público com deficiente auditiva, aí veio essa vontade de incluir todos os recursos possíveis no meu show, para que todas as pessoas pudessem entender a mensagem da música da mesma forma.  O meu site profissional é acessível, para vários tipos de deficiência.

Em sua opinião, qual a importância de trazer essa acessibilidade nas canções, principalmente pelo fato de não vermos muito isso no cenário musical?

Eu acho que, quando a gente faz arte, música, a intenção é compartilhar ideais, sentimentos, momentos da nossa vida. E o público com deficiência no Brasil é muito grande. A partir do momento que deixamos de colocar acessibilidade, limitamos o acesso à nossa arte. Então incluir acessibilidade é chegar a um número maior de pessoas. Libras é outra língua mesmo, é muito lindo esse processo de traduzir do português para libras – é realmente um trabalho de pesquisa. Toda vez que desenvolvo isso conto com apoio de uma grande equipe. Eu acho que essa iniciativa tem que partir do artista. Muitos cantores não entendem esse recurso, a questão de dividir o palco com um interprete, até por uma questão de ego. Mas eu gosto que o interprete de Libras esteja no palco, comigo, e acredito que tenha que ser assim, porque eu interpreto com a voz e o profissional com a língua de sinais. Então, quanto mais o interprete estiver aparecendo, melhor. Mas também precisamos entender que é algo novo, as pessoas estão se acostumando com isso. O intérprete realmente chama atenção, porque é uma coisa nova, mas sensibiliza, faz a pessoa olhar para essa questão (acessibilidade).

As canções desse novo álbum são autorais. As letras trazem algo referente à acessibilidade?

Eu não levanto nenhuma bandeira explicita sobre isso nas músicas, mas elas falam muito sobre quem a gente é, sobre olhar o outro, sobre liberdade. E, para mim, a acessibilidade é equivalente à liberdade, porque a pessoa que tem deficiência, se ela tem recursos a sua disposição, ela se liberta, porque não fica dependente de ninguém – então tem tudo a ver na verdade. Eu falo sobre isso de forma metafórica e poética. Eu gosto de enfatizar que eu não faço música para pessoas com deficiência; faço para todos. Desde o princípio, eu penso em todos. Mas foi bem interessante você ter me perguntado isso, porque confesso que não tinha pensado nessa relação da letra com a temática (risos), e eu acabei de te responder tendo essa nova visão.

No primeiro single do álbum, Mergulho, você aparece fazendo a Língua de Sinais. Como foi essa experiência?

Foi bem desafiador para mim, porque eu tinha que cantar em português, mas também interpretar em Libras. Então eu tive que encarar a Libras como uma ‘coreografia’ – para eu conseguir fazer as duas coisas ao mesmo tempo –, e foi muito legal!

Por que você optou em Mergulho lançar um single por mês ao invés do álbum completo? 

Eu parto do principio que, hoje, a gente está com a internet tão ‘fastfood’, digamos assim, que as pessoas não costumam mais ouvir um álbum inteiro. Entendendo essa demanda, por que não compreender que as pessoas estão ouvindo e consumindo um trabalho musical de um jeito diferente, e entregar um single por mês? Eu acredito que, desta forma, o aproveitamento é maior, porque as pessoas absorvem uma música de cada vez. Além disso, eu sempre tenho novidades! São nove meses gerando conteúdo e, ao final, as pessoas entendem o álbum como um todo. Eu acho que está sendo bem interessante! A primeira música, que foi lançada em outubro, já está tendo um resultado muito bonito! 

Fonte: O Hoje

Deixe uma resposta

IPOL Pesquisa
Receba o Boletim
Facebook
Revista Platô

Revistas – SIPLE

Revista Njinga & Sepé

REVISTA NJINGA & SEPÉ

Visite nossos blogs
Forlibi

Forlibi - Fórum Permanente das Línguas Brasileiras de Imigração

Forlibi – Fórum Permanente das Línguas Brasileiras de Imigração

GELF

I Seminário de Gestão em Educação Linguística da Fronteira do MERCOSUL

I Seminário de Gestão em Educação Linguística da Fronteira do MERCOSUL

Clique na imagem
Arquivo
Visitantes