O dialeto esquecido
Comunidade no sul do país usou português para completar as lacunas do dialeto alemão que usa há mais de 180 anos
Cena do documentário “Walachai” (2009), de Rejane Zilles: dialeto como afirmação de uma cultura.
No Rio Grande do Sul, a 100 quilômetros de Porto Alegre, fica Walachai, um povoado de origem alemã que sempre viveu à margem. Na pequena comunidade rural, localizada na Serra Gaúcha, as pessoas falam um dialeto alemão chamado Hunsrückisch – também conhecido como “hunsriqueano” – e ainda vivem como se vivia cem anos atrás. Não por acaso, Walachai quer dizer “lugar distante, onde o tempo parou” em alemão antigo, expressão que faz jus ao seu clima bucólico. O dialeto hunsriqueano, com origem na região do Hunsrück, no sudoeste da Alemanha, é uma das línguas minoritárias mais faladas no Brasil. Por “língua minoritária” entenda-se o idioma de uma minoria étnica situada numa dada região. O dialeto hunsriqueano representa uma das trinta línguas trazidas ao país por imigrantes, ao lado de aproximadamente 180 línguas indígenas existentes no Brasil. Embora não haja um levantamento preciso sobre o número de pessoas que falam o dialeto, sabe-se que estão espalhados em 38 localidades, a maioria no sul do país – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – onde os primeiros alemães se concentraram, no início do século 19.
O distrito de Walachai ficou conhecido quando um professor local, João Benno Wendling, decidiu registrar a história de seu povoado em livro, ao qual teve acesso a diretora de cinema Rejane Zilles, natural da cidade.Foi o bastante para que ela resolvesse transformá-lo no documentário O Livro de Walachai (2007), mais tarde retomado no longa-metragem Walachai (2009), exibido na 33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro passado. Wendling dedicou toda sua vida à alfabetização em português das crianças do distrito, e suas anotações, mais de 400 páginas escritas à mão, formam um relato minucioso da cultura e dos costumes locais.– Fiquei comovida com a dedicação abnegada deste homem, que durante nove anos, sem nenhum auxílio, se dedicou a registrar a história do nosso povoado. Percebi que tinha ali um ótimo roteiro, mas o tempo urgia, pois o professor na época já tinha 82 anos e a saúde debilitada – conta Rejane.O hunsriqueano é uma espécie de alemão arcaico, recheado de expressões que não encontram mais equivalência na língua alemã atual. Esse dialeto vem sendo transmitido de geração em geração desde a chegada dos primeiros imigrantes alemães, há mais de 180 anos. Por ser essencialmente falado, o hunsriqueano praticado no Brasil não dispõe de uma escrita sistematizada, valendo-se, normalmente, do chamado alemão-padrão (Hochdeutsch) e do português para o registro. Leia Mais
Livro reúne 21 artigos sobre colonização italiana no ES
Kamila é bisneta de imigrantes e teve o primeiro contato com a literatura italiana na universidade.
As manifestações culturais organizadas da colônia italiana começaram na década de 70 do século passado, quando se celebraram, em comunidades do interior, festas pela passagem do centenário da chegada dos imigrantes. Com as festas e sua cobertura na imprensa, começou a publicação de memórias, estudos e relatos
Uma coletânea de textos sobre a imigração italiana no Espírito Santo está em fase de edição e vai trazer visões diversificadas sobre o fenômeno migratório que mais influenciou o Estado do ponto de vista econômico, demográfico, cultural e outros, no final do século XIX. Tem o nome de Adeus Itália, está sendo organizado por Kamila Brumatti Bergamini e reúne trabalhos de 21 autores, inclusive europeus. Confira a entrevista com a pesquisadora.
A diversidade linguística do Espírito Santo
Por: Edenize Ponzo Peres (Ufes)
No século XIX, milhares de imigrantes chegaram ao estado do Espírito Santo, vindos sobretudo da Europa, a qual passava por uma grave crise socioeconômica. Essa situação foi comum aos imigrantes que chegaram às demais localidades brasileiras, mas o Espírito Santo reunia características peculiares: nosso estado, no final daquele século, contava com apenas 190.000 habitantes, que se concentravam no litoral. As serras do interior do estado eram cobertas por densa mata virgem, povoada por animais selvagens.
Os europeus, para chegarem a seus lotes, tiveram que subir as serras a pé, fazendo picadas na mata. Por fim, depois de instalados, verificaram que suas terras não eram tão férteis como lhes havia sido prometido e também não receberam a assistência que esperavam receber
As particularidades da imigração no Espírito Santo, somadas às características geográficas do estado, propiciaram o isolamento da maioria das comunidades de imigrantes, ao passo que outras, instaladas às margens de importantes rodovias federais – a BR 101 e a BR 262 –, tiveram um contato mais estreito com brasileiros a partir da primeira metade do século XX.
Livro: jurisprudência Latino-Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas
Novo livro compila jurisprudência Latino-Americana sobre os direitos dos povos indígenas à posse da terra e de recursos, participação e consulta dos povos.
O texto sistematiza e analisa uma seleção de frases tribunais em nove países da América Latina. Decisões paradigmáticas e o reconhecimento no avanço dos direitos dos povos indígenas, muitos deles entregues em contextos políticos adversos.
A coleção é organizada por assunto e reproduz trechos de decisões judiciais de tribunais internacionais e os tribunais constitucionais e supremos tribunais em nove países da América Latina: Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Guatemala, Nicarágua, Panamá e Peru.
Poder e preconceito
Valorização da diversidade linguística brasileira também passa pelo combate ao preconceito às variações no português criadas no país
Línguas indígenas. Línguas de origem africana faladas nos terreiros de candomblé e umbanda. Diversas comunidades de descendentes de imigrantes japoneses, alemães, italianos. O Brasil possui um rico cenário lingüístico e não é um país de uma única língua: os brasileiros não falam somente o português, como muitos gostam de imaginar. A polêmica é que, para muitos lingüistas, é preciso reconhecer e valorizar não só essas diversas línguas, além do português, faladas no Brasil, mas também as variações no próprio idioma, um patrimônio menosprezado.“Nossa identidade enquanto brasileiros passa pela valorização das variedades geográficas do português e também pelo reconhecimento das variedades sociais”, afirma Marta Scherre, linguista e professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os sotaques regionais. As gírias e expressões criadas por jovens e outros grupos. Os empréstimos e as recriações de outras línguas no interior da “língua de Camões”. O “você” que vira somente “cê”, dentre milhares de outras palavras e expressões criadas pelos brasileiros no seus falares cotidianos. Língua é identidade e cultura e a valorização desses diferentes modos de se falar o português depende do combate a um fenômeno pouco debatido na sociedade brasileira: o preconceito linguístico.
Preconceito linguístico
O que seria? Ele existe? Se sim, qual a sua natureza? Na sua coluna de dezembro, o linguista Sírio Possenti caracteriza o preconceito linguístico, apresenta elementos factuais para desqualificar suas bases e questiona o sentido de ‘falar bem’.
Um dos debates mais quentes do ano foi sobre um livro didático acusado de ensinar regras de português erradas (na verdade, ninguém leu o livro; foram lidas algumas frases soltas de uma das páginas de um dos capítulos). A acusação mereceu diversas manifestações de especialistas, que tentaram mostrar que uma língua é um fenômeno mais complexo do que parece ser quando apresentada apenas em termos prescritivos.
Fonte: Ciencia hoje
Um dos pequenos avanços da mídia (que, no quesito, representa grande parte da sociedade instruída) foi reconhecer que as teorias e as pesquisas linguísticas têm legitimidade. Mas acha que devem restringir-se à universidade. Para um linguista, tal posição equivale a sustentar que só se deve ensinar reprodução na universidade. Até o fim do colegial, deve-se ensinar aos alunos que as crianças são trazidas pela cegonha.
Um dos itens do debate foi o preconceito linguístico; questionou-se sua existência. Chegou-se a afirmar que a ‘defesa’ de traços da fala popular produziria como um dos efeitos um preconceito às avessas, contra os que falam corretamente. Foi uma das leituras mais desastrosas que a mídia conseguiu fazer da questão.