Carlos Alberto Faraco: “Devemos alterar o acordo ortográfico de 1990?”

Devemos alterar o acordo ortográfico de 1990?

Carlos Alberto Faraco

Carlos-Alberto-FaracoQualquer pessoa que estuda a história ortográfica das línguas sabe que, por razões econômicas e culturais, não se deve mexer em ortografias estabilizadas. Mudanças “simplificadoras” ou “racionalizadoras”, embora propostas sempre com a maior das boas intenções, resultam, se implantadas, em desastre.

Apesar dessa lição histórica, os filólogos da geração de Antônio Houaiss, portugueses e brasileiros, entenderam que era necessário superar a duplicidade de ortografias oficias do português. Depois de décadas de debates, chegaram ao Acordo Ortográfico de 1990, pelo qual se fizeram pequenos ajustes em cada uma das ortografias vigentes para submetê-las a um único conjunto de princípios. Na proposta desses filólogos, não houve propriamente uma “reforma ortográfica”, na medida em que o núcleo duro das bases da ortografia estabelecidas em 1911 não se alterou.

O AO foi ratificado por todos os países de língua oficial portuguesa, a começar por Portugal, que o fez já em 1991. Houve, depois, alguns Protocolos Aditivos, todos já também devidamente ratificados por todos os países. Falta ainda Angola completar o processo. E a demora não decorre de aquele país recusar o Acordo (afinal é um de seus signatários), mas do seu entendimento de que, antes da ratificação, precisa definir formas para melhor adaptar graficamente as inúmeras palavras das línguas bantu que enriquecem o português daquele país.

O AO está inteiramente implantado no Brasil desde 2009; está em avançado processo de implantação em Portugal e em progresso nos demais países. Assim, dizer, como se lê vez por outra na imprensa, que o AO fracassou é desconhecer a realidade ou, pior, querer ignorá-la.

A questão que se levantou no Brasil no fim de 2013 é se devemos alterar os termos do AO. Como o questionamento vinha de membros da Comissão de Educação do Senado, o governo federal decidiu, ex abrupto e sem maiores consultas, prorrogar a vigência definitiva do Acordo para 2016 (antes prevista para 01/01/2014).

Alegou-se, na ocasião, que com isso fazíamos um gesto de cortesia a Portugal, emparelhando nosso calendário ao de lá. E, paralelamente, ganhávamos tempo para propor alterações em aspectos do Acordo que supostamente precisam ser ajustados ou “mais bem acordados”.

Não há, porém, nenhum bom argumento que justifique mexer no Acordo. Os poucos pontos que geram alguma dúvida são marginais e, no fundo, estão sendo equacionados tecnicamente na elaboração do Vocabulário Ortográfico Comum (VOC).

Este instrumento, previsto no AO, já conseguiu, pela primeira vez na história da língua, unir numa só plataforma todas as bases léxico-ortográficas portuguesas e brasileiras. Só isso é já um magno acontecimento.

Há, contudo, mais: o projeto do VOC está promovendo a elaboração de Vocabulários Ortográficos Nacionais onde ainda não havia nenhum. O de Moçambique está quase pronto; o de Timor-Leste está em avançado processo de execução. E os demais em andamento.

O VOC deverá estar concluído para ser apresentado na próxima reunião dos Chefes de Estado e Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que vai se realizar no segundo semestre de 2014 em Dili (Timor-Leste).

Com o VOC, teremos à disposição não apenas uma referência comum e segura da ortografia, mas também um rol de acervos lexicais que vão permitir enriquecer substancialmente os dicionários da língua. Por tudo isso, o projeto do VOC tem recebido apoio institucional de importantes centros de pesquisa em processamento automático de línguas naturais, bem como recursos financeiros de diversas fontes como o pagamento de bolsistas do projeto pelo Instituto Camões e o montante de 30 mil euros recentemente dado ao projeto pelo governo de Angola.

Não precisamos, portanto, mexer no AO. Contudo, é importante não esquecer que qualquer retrocesso na implantação do AO no Brasil implicará enormes prejuízos para as editoras nacionais (há alguém interessado em quebrar nosso parque editorial?), além de incalculável e injustificável desperdício de dinheiro público, considerando que todos os milhões de livros do Programa Nacional do Livro Didático têm sido impressos, desde 2010, com a ortografia prevista no AO.

(*) Carlos Alberto Faraco é professor titular (aposentado) de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Paraná e consultor brasileiro do projeto do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa

Fonte: A Tribuna Mato Grosso Digital

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