“A China é o país onde se aprende mais português”, afirma linguista
“A China é o país onde se aprende mais português”
Catarina Domingues
O linguista e investigador português João Malaca Casteleiro acredita que a China é um dos principais contribuidores para a globalização da língua portuguesa. A terminar uma missão de cinco anos como examinador externo do Instituto Politécnico de Macau, o especialista lamenta que Portugal não tenha mais “recursos financeiros para um apoio mais forte e mais constante” na promoção da língua portuguesa.
PLATAFORMA MACAU – Está ligado à promoção da língua portuguesa em Macau há mais de 30 anos. Que avaliação faz da presença atual da língua portuguesa na região?
JOÃO MALACA CASTELEIRO – Estou a acompanhar este processo desde 1982, a primeira vez que vim a Macau. Durante um certo período de tempo estive envolvido nos cursos de mestrado na Universidade de Macau e formámos muitos professores de português que agora lecionam nas universidades da China. Tenho acompanhado este processo ao longo destes 32 anos. Quando vim na altura em que já se pensava na transição da administração de Macau, havia muito descrédito em relação ao português: as pessoas pensavam que o português ia acabar, que não havia mais interesse pelo português e que, com o desaparecimento da língua, ficaria também afetada a cultura de matriz portuguesa. Eu sempre fui muito contra essa ideia e sempre acreditei que a língua portuguesa fosse uma língua de grande projeção internacional. É uma língua que se fala em quatro continentes: Europa, África, Ásia e América. São oito países espalhados pelo mundo que têm o português como língua oficial. E depois vê-se que existe uma aprendizagem do português por todo o mundo, portanto sempre acreditei que a língua portuguesa ia vingar.
Em Macau, não é uma língua que se fale na rua, primeiro fala-se o cantonês e depois o inglês, que é a língua internacional. Papel que, aliás, o português já teve. O português já exerceu esse papel de ser língua internacional nos séculos XVI, XVII, e até meados do XVIII. Depois foi substituído pelo francês, que foi até meados do século XX a língua internacional. Após a II Guerra Mundial, com a emergência dos Estados Unidos, o inglês passou a assumir o papel de língua franca internacional. Mas para ir diretamente à sua pergunta, o português continua aqui presente como língua oficial. O vosso jornal é uma prova disso. Há aqui uma situação de bilinguismo em que o português é uma língua que a administração e os funcionários da administração conhecem. Além disso, há instituições onde o português é lecionado, há muitos alunos a aprenderem português. Não podemos esquecer outro aspeto muito importante: no Continente chinês já há 28 universidades que têm curso de português; segundo as últimas informações que me deram, 22 delas têm cursos de licenciatura em Estudos Portugueses.
PM – Com a evolução das relações entre a China e os Países de Língua Portuguesa, considera que a China está a ser um dos grandes globalizadores da língua portuguesa?
J.M.C. – A China está a contribuir extraordinariamente para a afirmação internacional da língua portuguesa. A China é o país onde mais se aprende português hoje em dia e o número de instituições onde se aprende português está a aumentar. Há pouco só falei das universidades, mas para além destes estabelecimentos de ensino superior, há outras instituições onde se leciona o português. Disseram-me que nestas 28 universidades estudam o idioma à volta de 1.400 alunos, o que é substancial. É verdade que a China é um país imenso, mas digamos que num ciclo de tempo que tem 15 anos – desde a transferência da administração – tem sido um progresso impressionante o que a língua portuguesa tem conseguido nesta parte do mundo.
PM – Não deveria também ser um desígnio de Portugal? Acredita que Lisboa está a fazer o suficiente na exportação da língua portuguesa?
J.M.C. – Creio que Portugal faz o possível, porque exportar uma língua e apoiar o seu ensino a nível planetário exige muitos recursos financeiros e recursos humanos. Nós temos recursos humanos, mas infelizmente não temos é recursos financeiros para um apoio mais forte e mais constante. Mas mesmo assim há leitores de português espalhados por todo o mundo que apoiam o ensino da língua portuguesa e há também outros países lusófonos, como o Brasil, que também tem leitores espalhados pelo mundo e que também apoia o ensino da língua portuguesa. Depois temos África; Angola e Moçambique também já começam a apoiar o ensino da língua portuguesa.
PM – Do ponto de vista dos recursos humanos, o coordenador do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do Instituto Politécnico de Macau (IPM), Carlos Ascenso André, disse ao nosso jornal que existe alguma resistência dos doutorados em Portugal à mobilidade. Considera que este pode ser um problema na promoção do ensino da língua portuguesa em Macau?
J.M.C. – O coordenador Carlos Ascenso André conhece muito bem o meio universitário português porque está lá dentro e foi diretor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra durante vários anos. Está agora a dirigir este novo centro criado pelo IPM, que tem objetivos muito importantes para a promoção da língua portuguesa e que estão realmente a desenvolver um projeto muito interessante.
Mas, realmente, esse é um aspeto que eu também notei. Por exemplo, na Universidade de Macau, tivemos algumas dificuldade em trazer professores doutorados para virem lecionar aqui. Cursos curtos de 15 dias ou de um mês não era difícil, mas conseguir fixar aqui doutorados portugueses é mais complicado.
Apesar de tudo, na Universidade de Macau estão entre três ou quatro colegas, para além de haver também professores brasileiros. Penso que, com as dificuldades que neste momento as universidades enfrentam em Portugal do ponto de vista da carreira docente, esta situação vai modificar-se e haverá gente mais empenhada e interessada em colocar-se nesta parte do mundo.
O Homem do Acordo
Linguista, investigador e professor universitário, João Malaca Casteleiro foi um dos principais mentores dos trabalhos que conduziram ao Acordo Ortográfico de 1990. Fez parte da delegação portuguesa ao Encontro de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, realizado na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro.
Nasceu a 29 de agosto de 1936, na Covilhã. Em 1981, venceu o Grande Prémio Internacional de Linguística Lindley Cintra, da Sociedade de Língua Portuguesa, e, cinco anos mais tarde foi agraciado pelo Governo Francês com o grau de Cavaleiro das Palmas Académicas.
Licenciado em Filologia Românica e doutorado em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Malaca Casteleiro lecionou no ensino secundário antes de seguir carreira na docência universitária.
O linguista, que em 1979, ingressou na Academia das Ciências de Lisboa, é autor de uma série de obras dedicadas à língua portuguesa: “A Língua e a Sua Estrutura”, “A Língua Portuguesa e a Expansão do Saber” e “A Língua Portuguesa no Oriente: Do Séc. XVI à Atualidade”.
“Houve uma melhoria substancial do ensino em Macau”
PLATAFORMA MACAU – Termina agora o seu trabalho no Instituto Politécnico de Macau como examinador externo do curso de tradução da Escola de Línguas e de Tradução do IPM. Que balanço faz desta missão de cinco anos?
JOÃO MALACA CASTELEIRO – Eu faço um balanço extremamente positivo, porque ao longo destes cinco anos houve uma melhoria substancial do ensino, quer dos programas, quer dos métodos, quer dos professores. Houve realmente um esforço muito grande no sentido de tornar este curso de tradução mais eficaz e preparar melhor os alunos para a vida profissional.
PM – Quais eram os maiores problemas quando iniciou este trabalho há cinco anos?
J.M.C. – Os problemas mais prementes passavam pela necessidade de estabelecer programas com objetivos muito claros, ambiciosos e com a descriminação das matérias da língua portuguesa, de forma a que os professores, ao longo dos anos de formação, pudessem obter melhores resultados e conseguir uma melhor preparação dos alunos. Era necessário estabelecer programas sequenciais, de grau de dificuldade progressiva e de complexidade crescente das matérias, de modo a que os novos licenciados ficassem com uma boa preparação em língua portuguesa.
PM – E isso aconteceu?
J.M.C. – Eu acho que sim. Este foi o último ano deste ciclo que vim agora encerrar. O balanço é muito positivo, quer do lado do aproveitamento dos alunos, quer do lado do nível de proficiência que os alunos conseguiram, quer das próprias classificações. Os inquéritos que foram feitos aos próprios alunos, no sentido de fazerem uma autoavaliação dos cursos, foi extremamente positivo.
PM – Que desafios deixa agora para o seu substituto?
J.M.C. – O desafio fundamental é continuar este processo e ir sempre tentando melhorar e aperfeiçoar, porque no ensino não podemos cair na rotina. Temos de pensar em novos materiais escolares, temos de pensar em métodos mais eficazes. É um percurso que deve ser sempre melhorado e aperfeiçoado.
O Instituto Politécnico de Macau é uma instituição com uma dinâmica extraordinária e com uma vontade enorme de promover e apoiar o ensino da língua portuguesa. Nesse sentido, criou o Centro Pedagógico e Cientifico da Língua Portuguesa, colocando à frente uma pessoa dinâmica e empreendedora com uma preparação magnífica, que vai de certeza levar este projeto por diante e muito longe no sentido de apoiar o ensino de qualidade da língua portuguesa na China.
Muitas vezes, um jovem licenciado que acaba o curso não tem a formação específica para o ensino, tendo duas formas de a completar: ou adquire na prática e com erros, que se podem tornar nefastos, ou então tem cursos de formação específicos para promover esse ensino. O IPM tem contribuído de uma forma extraordinária para o apoio ao ensino português, nas várias instituições do Continente chinês. Tem também trabalhado na promoção de materiais didáticos adequados para essa função e tem desenvolvido um trabalho magnífico nesse domínio.
PM – A falta de materiais didáticos continua a ser um grande problema na China?
J.M.C. – Há já muita produção de materiais adequados e os professores têm sempre a possibilidade de recorrer a materiais de Portugal ou de outros países de língua portuguesa, e têm também facilidade de recorrer à internet, onde é possível encontrar muita informação útil para as aulas.
No IPM desenvolvemos paralelamente um processo de produção de materiais com o nome de “Português Global”, que vai agora entrar no terceiro volume, que está praticamente pronto.
Macau entre duas grafias
João Malaca Casteleiro, um dos principais promotores do acordo ortográfico, defende que está na hora das autoridades de Macau tomarem uma posição em relação à aplicação do acordo ortográfico. “Deve haver uma intervenção política do Governo, uma determinação legal que leve à aplicação do acordo ortográfico por toda a comunidade e por todos os órgãos de comunicação social.”
Macau, que não faz parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, esteve desde o início à margem desta discussão. Apenas alguns dos estabelecimentos de ensino de língua portuguesa adotaram as novas regras ortográficas.
No Instituto Politécnico de Macau (IPM) “alguns dos professores adotaram o novo acordo ortográfico, enquanto outros não o fizeram porque oficialmente Macau ainda segue a grafia antiga”, nota Choi Wa Hao, diretor da Escola de Línguas e Tradução do IPM.
“Ao integrar a função pública, os nossos alunos vão trabalhar segundo a antiga ortografia, mas por outro lado, os licenciados que quiserem trabalhar nos países de língua portuguesa devem dominar o novo acordo”, explica o diretor, que defende a criação de uma “política de língua” para a RAEM e de uma entidade que estude a aplicação do acordo ortográfico no território.
O acordo foi assinado em 1990 com o objetivo de criar uma ortografia unificada para a língua portuguesa. Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe subscreveram o tratado. Timor-Leste juntou-se em 2004, já depois da independência do país.
E faz sentido estender a aplicação deste acordo a Goa e a Malaca, áreas onde o português é falado por uma minoria da população? João Malaca Casteleiro acredita que sim: “O acordo é sobretudo para as novas gerações – não para as antigas – e vejo perfeitamente a aplicação no ensino nessas regiões. Não precisamos de o impor a todos os que escrevem mas podemos fazer a sua introdução nas escolas.”
Fonte: Plataforma Macau