A África do Sul e o estatuto das suas línguas

A República sul-africana (RSA) é uma sociedade multicultural e plurilingue, tal como a grande maioria dos Estados africanos. Mas, contrariamente a muitos outros, consagrou o multiculturalismo e o plurilinguismo na sua Constituição e passou a estar comprometida com estes dois princípios em todos os domínios da sua vida pública, procurando superar possíveis problemas relacionados com o uso das suas línguas maternas: conflitos étnicos; restrições, por razões linguísticas, de acesso dos cidadãos aos direitos e privilégios em todos os domínios importantes da vida em sociedade (participação política, desenvolvimento educativo, oportunidades económicas e mobilidade social); possibilidade de alienação; morte cultural e linguística. Contudo, devemos salientar, que já existiam experiências bilingues na instrução primária desde o tempo do apartheid, já que nas chamadas “escolas negras”, a língua materna era usada, durante os primeiros quatro anos de escolaridade, em cooperação com mais uma das duas línguas oficiais da altura: o inglês e o africkaans.

Apesar do legislado na Constituição sul-africana há ainda obstáculos de ordem política, económica e sociocultural, que procuram impedir a implementação dos princípios do multiculturalismo e do plurilinguismo de forma completa e efectiva. Vic Weeb, em “Ensino Multicultural da Língua”, afirma que “os políticos parecem mais preocupados em obter e reter o poder e privilégios que servir os interesses dos seus povos e não parecem ter a vontade política de mudar radicalmente o pensamento nacional. Muitos líderes aceitam os mitos: que o multiculturalismo é uma barreira para a integração nacional, que a unidade nacional é dependente da existência de uma só língua nacional e que há uma correlação entre a heterogeneidade linguística e o subdesenvolvimento.” Porém, “o passado colonial de África (incluindo o apartheid na África do Sul) conduziu a uma auto-estima extremamente baixa entre os seus povos, com muitos deles lutando para se tornarem ocidentais, desejando ser como os senhores coloniais e associando as línguas autóctones às pessoas idosas do meio rural, menos letradas.” As questões culturais e linguísticas são vistas, em toda a parte, como prioridades nacionais. Todavia, quase nenhum Estado africano fez uso das oportunidades surgidas do pós-independência para efectivamente promover as línguas ou culturas autóctones dos seus Estados.
Vic Weeb refere também que, apesar das decisões tomadas pelos Chefes de Estado africanos e seus ministros da Educação de promover as suas línguas e culturas, quase nenhum Estado o fez. Língua e cultura nunca foram uma prioridade em nenhum plano africano quinquenal. Pontualiza o facto de parecer haver uma forte oposição de importantes agências internacionais, como o Banco Mundial, à ‘excessiva’ promoção das línguas e culturas autóctones. Similarmente existem grandes forças a favor da assimilação linguística e cultural como a urbanização, a industrialização, a comunicação internacional e a quase total dominação de África pelas potências ocidentais e por uma atitude colonial.
Sobre a posição de algumas agências internacionais, como o Banco Mundial, em relação aos princípios do plurilinguismo, Vic Weeb começa por alertar, para aquilo que ele chama de política de bilinguismo subtractivo. Esta política fere os princípios do multiculturalismo e do plurilinguismo e encontra-se muito generalizada em Estados africanos em que o inglês, o francês ou o português são meios exclusivos de comunicação na instrução. “Espera-se que a língua estrangeira substitua gradualmente a primeira língua da criança.”
Kathleen Heugh salienta que o Banco Mundial prefere a utilização de um Ensino da Segunda Língua (ESL) transitório, ou seja, um bilinguismo subtractivo nos programas escolares. Para ele, as razões para essa preferência estão ligadas à dependência das economias de mercado livre no mundo ocidental, assim como à necessidade de aquisição de mão-de-obra barata que, com frequência, é recolhida nas sociedades multilingues de populações marginalizadas migrantes, que não usam o sistema da língua dominante. À partida, o Banco Mundial tem plena consciência que os programas do ESL de transição estão condenados ao fracasso. Também para Kathleen Heugh, na perspectiva do multiculturalismo e do plurilinguismo, conclui que a política sobre o meio de comunicação para a instrução escolar da criança deve corresponder à institucionalização do bilinguismo aditivo (a língua materna para além de uma outra língua) em vez do bilinguismo subtractivo ou de transição.

*Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

Fonte: Jornal de Angola

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