Com 205 erros de tradução, Brasil atrasa acordo comercial com 5 países africanos
Com 205 erros de tradução, Brasil atrasa acordo comercial com 5 países africanos
Por Daniel Rittner | Valor Econômico
Azeite em vez de óleo, feriado no lugar de dia não útil, outros brinquedos onde se deveria ler especificamente triciclos e patinetes. Em meio à pressão do empresariado para abrir novos mercados aos produtos brasileiros, um dos poucos tratados comerciais firmados recentemente pelo Mercosul está parado não por protecionismo ou divergências internas, mas por razões bem mais prosaicas: houve 205 erros de tradução, do inglês para a língua portuguesa, que impedem a entrada em vigência do acordo entre o bloco sul-americano e um conjunto de cinco países africanos liderados pela África do Sul.
Não é um acordo de se jogar fora. Juntos, os países da União Aduaneira da África Austral – formada também por Botswana, Namíbia, Suazilândia e Lesoto – têm um PIB de US$ 430 bilhões, que deve crescer quase 4% nos próximos dois anos. “É um mercado equivalente ao da Argentina”, compara a gerente-executiva da unidade de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Soraya Rosar. E tem mais: 80% das mercadorias vendidas pelo Brasil à Sacu, como esse bloco de países africanos é conhecido, são industrializadas e contribuem para um superávit que alcançou US$ 524 milhões no ano passado.
Assinado em 2008, o tratado garante descontos nas tarifas de importação aplicadas a nada menos que 1.064 produtos e já foi ratificado integralmente por todos os seus signatários, à exceção do Brasil. Por aqui, o Congresso Nacional aprovou o acordo em 2010, mas um decreto presidencial para promulgá-lo jamais foi publicado porque diplomatas identificaram os erros de tradução – cometidos por uma empresa contratada pelo próprio Itamaraty – no meio do caminho.
O que se segue é um retrato da burocracia e da lentidão da máquina estatal. A correção do texto precisava ser feita em Assunção, onde ficam depositados todos os acordos do Mercosul, mas havia um problema: o Paraguai encontrava-se suspenso do bloco devido à destituição do ex-presidente Fernando Lugo. Foi necessário discutir uma alternativa. O governo brasileiro resolveu, então, enviar a nova tradução para a secretaria administrativa do bloco, em Montevidéu. Enquanto isso, buscava – um a um – o aval dos países signatários às mudanças.
Todos os trâmites pareciam definitivamente resolvidos quando a versão corrigida do acordo chegou, em julho de 2013, à Casa Civil. Para decepção da iniciativa privada, no entanto, o tratado ficou mais dois anos repousando no quarto andar do Palácio do Planalto. A cada troca de ministros era preciso recolher as assinaturas dos novos titulares das pastas, como Relações Exteriores e Desenvolvimento, que haviam firmado o acordo. O novo texto, presumivelmente sem barbeiragens, só atravessou a praça dos Três Poderes para entrar no Congresso Nacional em 8 de julho de 2015.
Na mensagem encaminhada aos parlamentares, o chanceler Mauro Vieira lista todos os equívocos – a maioria termos extremamente técnicos que não mudam a essência das obrigações assumidas – e faz um apelo. Ele pede que, em vez de passar novamente por todas as comissões, o texto recém-enviado seja republicado por meio de um decreto legislativo. Na prática, seria uma espécie de errata. “A opção pela republicação evitaria que o Brasil ficasse em posição de causar atraso adicional à entrada em vigor do acordo e à sua implementação”, justifica Vieira na mensagem. “O procedimento da republicação permitiria, ainda, que as preferências negociadas pudessem ser mais rapidamente aproveitadas pelos exportadores.”
O chanceler cita um precedente: a Convenção de Istambul Relativa à Admissão Temporária, que teve erros de digitação e trechos sem a devida tradução para o português. Esse tratado isenta de tarifas de importação equipamentos que entram e saem do país, por exemplo, para concertos musicais ou em eventos esportivos.
Soraya Rosar, da CNI, endossa o apelo do Itamaraty e ressalta que a Sacu representa uma excelente oportunidade de negócio para a indústria brasileira. O bloco africano importa US$ 145 bilhões anualmente, dos quais 55% de bens manufaturados, e só tem acordos comerciais em vigência com a União Europeia e com a EFTA (Islândia, Noruega, Suíça e Liechtenstein). Por isso, segundo a especialista, os descontos nas alíquotas de importação oferecidos pelo tratado podem conferir aos países do Mercosul uma importante vantagem comparativa.
O acordo de preferências tarifárias prevê descontos de 10%, 25%, 50% e 100% aos produtos beneficiados. Das 1.064 categorias de produtos, conforme levantamento feito pela CNI, 470 terão isenção total de tarifas para entrar nos países africanos. Máquinas e materiais elétricos, aparelhos e instrumentos mecânicos, plásticos, ferramentas, obras de ferro e aço, alimentos, químicos e mobiliário estão entre os principais segmentos contemplados.
Fonte: ABECE