Opinião: “Assim (não) se vê a influência da língua portuguesa”
Opinião
Assim (não) se vê a influência da língua portuguesa
Renato Epifânio
Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono
Muito poucas línguas deveriam estar acima da língua portuguesa, desde logo pela sua geográfica difusão.
Num interessante artigo publicado no dia 22 de Dezembro (“Influência de uma língua mede-se pela capacidade de ligar línguas diferentes”, [republicado no e-Ipol aqui]), o jornal Público reproduz os dados essenciais de um estudo saído na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Neste, defende-se que “ao contrário do que se poderia pensar, a influência global de uma língua mede-se principalmente pelo seu nível de ligação com outras línguas, e, em particular, pela sua capacidade de mediar a comunicação entre línguas que de outra forma não conseguiriam ‘falar’ entre si”.
Surpreendentemente, porém, à luz dessa premissa, a língua portuguesa aparece numa posição “intermédia”, quando deveria aparecer numa posição mais cimeira. Se a premissa é, como no artigo se enfatiza, a “capacidade de estabelecer pontes entre línguas associadas a culturas por vezes muito diferentes e afastadas do ponto de vista geográfico”, então muito poucas línguas deveriam estar acima da língua portuguesa, desde logo pela sua geográfica difusão: falando só dos países de língua oficial portuguesa, estamos a falar de uma língua com difusão na Europa, nas Américas, em África e na Ásia. Se contarmos, como devemos contar, com as várias diásporas lusófonas e com outras regiões que, historicamente, mantiveram laços com o espaço de língua portuguesa, essa difusão geográfica alarga-se ainda mais.
Manifestamente, contudo, isso não foi tido em conta neste estudo – o seu co-autor português, Bruno Gonçalves, chega mesmo a manifestar a sua “surpresa” pela “ligação [da língua portuguesa] à língua malaia”. Como se na Malásia não existisse, ainda hoje, uma significativa comunidade lusófona, em grande parte residente no chamado “Bairro Português de Malaca”, que tem preservado essa ligação à Lusofonia, mesmo com poucos ou nenhuns apoios oficiais. A este respeito, não pode deixar de ser referida a Associação Coração em Malaca, sediada em Portugal, que, através dos seus membros – desde logo, da sua Presidente, Luísa Timóteo – não se tem cansado de manter essa ponte, que já levou, inclusive, a que alguns membros dessa comunidade tivessem estado recentemente em Portugal.
Este exemplo é, de resto, multiplicável a muitos outros países, sendo que o mais importante nem é sequer isso: o mais importante é essa capacidade pontifícia (“construtora de pontes”) que a língua e cultura portuguesa historicamente tiveram e que ainda hoje é reconhecida – nomeadamente, no mundo árabe. Daí o papel que a Lusofonia poderia hoje ter à escala global na resolução de alguns conflitos, inclusive de cariz religioso. Enquanto cultura em que desde sempre conviveram as “três religiões do Livro” – judaísmo, cristianismo e islamismo –, a cultura lusófona poderia dar um importante contributo para a paz mundial. Infelizmente, contudo, importa reconhecê-lo, são os lusófonos os primeiros a não valorizar devidamente a sua cultura histórica. Não surpreende, por isso, que muitos não lusófonos não a conheçam e que surjam mesmo estudos internacionais que façam tábua rasa dessa nossa cultura. Assim (não) se vê a “influência da língua portuguesa”.
Fonte: publico.pt