Motorola inclui línguas indígenas em celulares
É a primeira fabricante de telefones celulares a oferecer suporte a uma língua indígena falada na Amazônia.
A Motorola é a primeira fabricante de telefones celulares a oferecer suporte a uma língua indígena falada na Amazônia. A multinacional estadunidense olhou para além de preconceitos enraizados de que indígenas são alheios às ferramentas tecnológicas e visualizou o que chama de “valiosa base de consumidores”.
Em 2010, virou notícia em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, um grupo de índios Terena que se perdeu na mata e usou o celular para acionar a Polícia. Ali, dois pontos foram questionados: o mito de que todos os povos indígenas são exímios conhecedores da floresta e a surpresa pelo uso do celular como meio para pedir socorro. Já há muito tempo matérias jornalísticas salientam que os povos indígenas estão sim conectados à internet, porém, em pleno de 2021, é a primeira vez que uma marca de celular olha para este mercado.
Com o mote “Tecnologia mais inteligente para todos”, a Motorola adicionou duas línguas indígenas, ameaçadas de extinção, na configuração de um smartphone: Kaingang e Nheengatu. Kaingang é falada em São Paulo e nos três estados da região sul do Brasil, enquanto a Nheengatu é uma língua amazônica falada no Brasil, Colômbia e Venezuela.
Os dois idiomas se somam a outros 80 já disponíveis nos aparelhos e podem ser acessadas nos modelos novos (moto g10, moto g30 e moto g100) ou com suporte para atualização para o Android 11 (moto g8 power, moto g8, moto g 5G+, motorola edge e edge+, razr, motorola one hyper, motorola one fusion e fusion+).
No projeto foram envolvidos linguistas e acadêmicos indígenas, liderados pelo professor Wilmar D’Angelis da Unicamp – que já trabalhava no sentido de fortalecer e garantir a sobrevivência das línguas minoritárias. Em seu blog de ciência, Angelis contou que treinou duas equipes de tradutores indígenas, sendo 4 Kaingang e 4 falantes de Nheengatu. Foram mais de 20 mil strings (expressões, frases, títulos e comandos), passando de 80 mil palavras, que eles traduziram em três meses. Mais dois revisores, além do próprio professor, atuaram na iniciativa.
O projeto prevê a inclusão do idioma no teclado do Google. “Como a integração de idiomas nativos na forma escrita é crucial para sua preservação, estamos trabalhando em estreita colaboração com o Google para disponibilizar esses idiomas no AOSP e no Google Gboard”, afirma a empresa em comunicado.
A Motorola também abrirá o código-fonte dos dados de idioma, o que pode acarretar na inclusão das línguas por parte de outras marcas. “Ao compartilhar nossa inovação com outros OEMs e outros profissionais de globalização, esperamos ampliar o impacto deste projeto e preparar o caminho para que mais línguas indígenas sejam adicionadas ao Android no futuro”, afirma Janine Oliveira, diretora executiva de software de globalização da Motorola Mobility.
Preservação das línguas nativas
Muitas línguas indígenas ainda estão vivas pelas gerações mais velhas, mas correm risco quando falantes nativos perdem a proficiência em línguas tradicionais e as crianças não as aprendem mais como sua língua materna. “Quando uma língua deixa de existir, a história, a cultura e a identidade daqueles que a falam também deixam de existir, e um patrimônio mundial morre”, salienta a Motorola.
A multinacional ressaltou ainda que “antes da chegada dos portugueses cerca de 1.215 línguas eram faladas no Brasil, mas, 500 anos depois, apenas cerca de 200 deles permanecem, e em menos de um século esse número pode cair para zero”.
Em entrevista ao site Kamuri, associação sem fins lucrativos, o professor Angelis compartilhou mais detalhes sobre as duas línguas incluídas nos smartphones. “Os falantes da língua Kaingang giram em torno de 20 mil pessoas, pelo menos, sendo a terceira língua com maior número de falantes no Brasil. Já o Nheengatu é uma língua amazônica, surgida a partir do século 17 e que se espalhou por grande parte da região Amazônica, sendo falada hoje por várias comunidades do Alto Rio Negro, no médio e baixo Amazonas, e no baixo Tapajós”.
O projeto realizado na Unicamp em parceria com a Motorola está rendendo frutos que vão além do celular. Os falantes de Nheengatu, de diferentes regiões, agora estão trabalhando no projeto de um dicionário unificado e na constituição de uma Academia (indígena) da Língua Nheengatu.
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