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Aproveitando as proximidades do Dia Internacional do Imigrante, celebrado neste domingo (18/12), a cidade de São Paulo passa a contar com um acervo digital voltado às expressões midiáticas voltadas à temática migratória e/ou produzidas por imigrantes que vivem na capital paulista.

O projeto, chamado Mídias Imigrantes de São Paulo, é uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo (PPGCOM) da ESPM (Escola Superior de Propaganda de Marketing) e do Museu da Imigração de São Paulo, com apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

A plataforma conta inicialmente com 119 mídias cadastradas, entre sites, blogs, publicações em PDF, links de documentários e páginas no Facebook, entre outros registros criados a partir de 1990 – o MigraMundo está entre as ações disponíveis para consulta. Uma equipe de pós-graduandos da ESPM ficará responsável pela atualização e manutenção desse acervo.

“A partir das pesquisas desenvolvidas pelo nosso grupo Interculturalidade, Cidadania, Migração e Consumo do PPGCOM-ESPM, percebemos que os pesquisadores do Museu da Imigração também têm se preocupado em ampliar sua atuação junto aos grupos migratórios contemporâneos de São Paulo. Nesse sentido, as duas equipes entenderam que seria importante ampliar o acervo digital de mídias de migrantes do Museu (com edições entre os anos de 1886 e 1987), especialmente no sentido de recolher e registrar a memória de um amplo universo de mídias produzidas e difundidas pelos grupos migratórios contemporâneos” explica a professora Denise Cogo, coordenadora do grupo. Ela é também uma das autoras do Guia das Migrações Transnacionais e Diversidade Cultural para Comunicadores: Migrantes no Brasil, publicação referência em comunicação e migrações.

Em entrevista ao MigraMundo, Denise conta sobre descobertas feitas a partir da pesquisa para montar a plataforma e cita o aprendizado gerado por meio desse tipo de expressão cultural e social dos imigrantes residentes em São Paulo.

MigraMundo: Como exatamente surgiu a ideia de fazer a plataforma?

Denise Cogo: A ideia foi construir um acervo digital que reunisse e disponibilizasse para consulta pública produções midiáticas, em diferentes formatos (fotos, cartazes, panfletos, websites, blogs, perfis e grupos em redes sociais, vídeos, programas de rádios), dos novos grupos migratórios internacionais que se estabeleceram no estado de São Paulo a partir da década de 90, utilizando critérios de busca como nacionalidade, data, tipo de mídia,  idioma. Dentre os grupos representados na Plataforma, estão angolanos, bolivianos, chineses, coreanos, espanhóis, haitianos, italianos, japoneses, moçambicanos, paraguaios, peruanos, portugueses, senegaleses, sírios, dentre outros. Do ponto de vista da produção, estão contempladas mídias produzidas por migrantes, coletivos e redes migratórias, ONGs e organizações de apoio às migrações em São Paulo.  A partir das pesquisas desenvolvidas pelo nosso grupo Interculturalidade, Cidadania, Migração e Consumo do PPGCOM-ESPM, percebemos que os pesquisadores do Museu da Imigração também têm se preocupado em ampliar sua atuação junto aos grupos migratórios contemporâneos de São Paulo. Nesse sentido, as duas equipes entenderam que seria importante ampliar o acervo digital de mídias de migrantes do Museu (com edições entre os anos de 1886 e 1987), especialmente no sentido de recolher e registrar a memória de um amplo universo de mídias produzidas e difundidas pelos grupos migratórios contemporâneos

Quantas mídias estão cadastradas hoje no portal? Haverá espaço para novas inserções?
Temos, atualmente, 119 mídias cadastradas na Plataforma, e o projeto prevê a coleta e inserção permanente de mídias, até porque temos observado que os migrantes têm, nesses últimos anos,  ampliado suas experiências e práticas de atuação no contexto das mídias ao mesmo tempo em que a relativa facilidade de acesso e o barateamento dos custos das tecnologias  digitais têm favorecido a ampliação e intensificação da produção midiática em contextos migratórios

Como será a manutenção desse acervo?
A manutenção ficará a cargo dos alunos de mestrado e doutorado integrantes grupo de pesquisa Interculturalidade, Cidadania, Migração e Consumo do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, sempre em diálogo com a equipe do Museu da Imigração na perspectiva de assegurarmos a qualidade do material registrado e a ética na publicização desses materiais do acervo. Também continuaremos contando com recursos do CNPq, agência de fomento à pesquisa, para manutenção técnica da Plataforma que é feita pela empresa Pluralweb.

Teve alguma coisa que te surpreendeu, positiva e/ou negativamente, durante a construção dessa iniciativa?
Poderia dizer que surpreendeu positivamente a rapidez com que vão surgindo e se multiplicando projetos de mídias entre os diferentes grupos migrantes em São Paulo e ao mesmo tempo a criatividade que esses grupos vão, de modo coletivo, se apropriando da comunicação digital para criar gêneros, linguagens e estéticas próprias. Ou, ainda, como esses grupos vão construindo alternativas de sustentabilidade para seus projetos de mídia já que essas mídias são produzidas e mantidas, em sua grande maioria, a partir de trabalho voluntário.

Quais as maiores dificuldades encontradas nesse processo?
A velocidade no surgimento e transformação dessas mídias; a transitoriedade da existências muitas delas; a dispersão que marca a presença dessas mídias na internet, a mistura de gêneros e linguagens favorecidas pelas tecnologias digitais que rompem com classificações que estamos familiarizados em acervos de museus (como os jornais, por exemplo);  a produção coletiva e colaborativa que desloca a ideia de individualização da propriedade e gestão; os limites da organização do acervo por nacionalidade tendo em vista a plurinacionalidade que demarca algumas produções, são alguns dos desafios que foram se impondo. Outra dificuldade refere-se a como registrar e preservar registros de imagens de algumas mídias como, por exemplo, as dos sites redes sociais que sofrem atualização permanente ou às vezes param de ser atualizadas. Optamos por inserir não apenas os links que levam às mídias porque muitos links tendem a ser descontinuados, e disponibilizarmos um print da primeira tela de um  grupo do Facebook, por exemplo, para que se preserve no tempo pelos menos uma mínima referência da existência e memória desse grupo. Infelizmente no caso de audiovisuais (como documentários, etc.) tivemos que por usar apenas um link em função dos limites de hospedagem do servidor.

No caso de jornais que já possuem versão em pdf, procuramos cadastrar toda a edição e também os vários números que forem disponibilizados Outra questão refere-se, ainda, à dificuldade de obtermos com agilidade, autorizações  dos produtores para uso público dos materiais. Embora as autorizações tenham sido enviadas, muitos não responderam. Temos um formulário disponível no site e um e-mail de contato (midiasimigrantes@gmail.com) para que os produtores possam fazer isso e também possam indicar novas mídias a serem inseridas na Plataforma.

Falando em mídia, qual sua análise sobre os grandes veículos atuais a respeito da cobertura sobre a temática migratória?
Pesquisas acadêmicas em distintos países, incluindo o Brasil, vêm alertando para o predomínio de representações midiáticas, muitas vezes pautadas por espetacularização e sensacionalismo, em que, em muitos veículos da grandes mídias, migrações aparecem associadas predominantemente à criminalidade, conflito, ameaça, vulnerabilidade ou pobreza ou, ainda, de imaginários de idealização de determinadas culturas sobre outras, como a das europeias em detrimento das latino-americanas ou africanas. Mas claro que não podemos generalizar quando constatamos que também, há, no universo das mídias, veículos e profissionais que têm proposto imagens e leituras diferenciadas das migrações contemporâneas pautadas pela sensibilidade, escuta atenta e preocupação ética com a realidade das migrações. Nesse sentido, muitas mídias produzidas pelos migrantes vêm concorrendo no contexto midiático atual para oferecer representações alternativas ou contra-hegemônicas do universo das migrações transnacionais pautadas no cotidiano e nas contribuições socioculturais das migrações e nas demandas e lutas específicas dos migrantes no campo da cidadania.

O que as mídias migrantes ou direcionadas ao tema têm a nós ensinar, na sua opinião?
A partir de uso das mídias digitais, os migrantes têm nos ensinado como pautar, organizar, mobilizar, politizar e humanizar o debate público sobre as migrações, construindo, registrando e dando visibilidade às suas experiências e trajetórias migratórias, assim como às suas lutas específicas por cidadania em suas diferentes perspectivas – econômica, política, social, intercultural e universal. As histórias e lutas migratórias que aparecem “narradas” nessas mídias revelam muito daquilo que os migrantes enfrentam, em seu cotidiano, no Brasil,  no que se refere, dentre outros, aos processos de regularização jurídica, o acesso à moradia, saúde, educação, cultura, busca de trabalho, envio de remessas aos países de origem, vivências de situações de violência e  racismo. Nesse sentido, mesmo na sua dispersão, essas mídias se tornam fontes importantes de conhecimento, informação e referência para a formulação das próprias políticas migratórias em âmbito nacional e transnacional. E podemos dizer, ainda, que  migrantes contribuem, com suas mídias, para o exercício do direito à comunicação ou de uma cidadania comunicativa, assim com insumos para o debate em torno dos processos e políticas de democratização da comunicação.

Na sua opinião, que legado deixa esse projeto? E qual o legado que fica para você, como uma das idealizadoras?
O legado, a meu ver, seria a possibilidade do projeto contribuir para a constituição de uma memória e ampliação da presença pública nacional e transnacional das migrações contemporâneas no contexto do acervo mantido por uma instituição da relevância como é o Museu da Imigração de São Paulo, tendo em vista que são poucos os museus da imigração no mundo que tem se preocupado em constituir acervos que contemplem a realidade das migrações contemporâneas, priorizando, em seus acervos, as chamadas migrações histórias.  E no meu caso específico e do grupo de pesquisa que coordeno no PPGCOM-ESPM, o projeto da Plataforma permite que o conhecimento acadêmico que temos produzido sobre mídias e migrações se converta em uma ação ou produto concreto de caráter público que busca contribuir efetivamente para a valorização, o reconhecimento, a  visibilidade e a memória do legado sociocultural, político e econômico, muitas vezes, ainda pouco conhecido,  que as novas migrações que chegaram ao Brasil nas últimas décadas  vem deixando para a sociedade brasileira.