Olivença, na Espanha, quer o português como segunda “língua materna”

olivencaOlivença, na Espanha, quer o português como segunda “língua materna”

Idioma perdeu terreno desde a década de 1960 e ficou restrito aos mais idosos, mas começa a despertar interesse entre os jovens

José Venâncio de Resende, de Olivença/Lisboa

Território administrativo espanhol (cidade, para nós) de 12 mil habitantes, a 11 quilômetros do rio Guadiana, Olivença quer oficializar o bilinguismo castelhano e português como seu patrimônio cultural. Iniciativas neste sentido já foram adotadas pela Câmara Municipal por sugestão da associação cultural Além Guadiana, fundada há seis anos para recuperar, valorizar e promover aproximação com a herança lusófona do lugar.

Documentos oficiais e informações turísticas são apresentados em três línguas (castelhano, português e inglês). Nomes de ruas e de 70 praças na região histórica correspondente às antigas muralhas aparecem em duas versões: o nome atual em castelhano e o antigo em português.

Bilinguismo
A rua onde se localiza a Santa Casa de Misericórdia é denominada “Caridad”, mas o antigo nome era “Calçada do Espírito Santo”. Exemplo curioso é a atual rua “Reys Católicos” (referência aos reis espanhóis Fernando e Isabel) que era a antiga “Rua de D. Manuel I” (rei de Portugal).

Olivenca_location

Olivença, Espanha, fica na fronteira com Portugal.

O que faz a diferença em Olivença é a “biculturalidade”, enfatiza Joaquín Fuentes Becerra, presidente da Além Guadiana.

– A Associação respeita todas as posições políticas e territoriais, porque o nosso interesse é a cultura com o qual toda a gente concorda – afirma.

Para ele, as culturas somam-se, adicionam, não geram conflitos.

– É a única terra que pertenceu a dois países no contexto da Península Ibérica – afirma, procurando evitar a discussão das questões de soberania.

O bilinguismo, acrescido aos patrimônios cultural e arquitetônico, elevaria o patamar de Olivença, na visão de Eduardo Naharro Macias Machado, professor de português e membro da Além Guadiana.

– Para chegarmos ao bilinguismo puro, todas as escolas devem voltar ao português padrão. Hoje só as particulares fazem isso – diz Eduardo.

Eduardo acredita que o resultado desse processo seria traduzido em mais turismo, mais trabalho para as pessoas e em tornar Olivença referência cultural dos dois mundos, o lusófono e o castelhano.

A Igreja da Madalena – construída pelo bispo Frei Henrique de Coimbra, o mesmo que viajou ao Brasil com Pedro Álvares Cabral – é considerada o segundo templo manuelino (mesclagem do gótico final com elementos renascentistas, entre outras influências) do mundo, depois do Mosteiro dos Jerônimos, de Lisboa.

Ensino
Até a década de 1960, o português continuava vivo no meio do povo oliventino, apesar da falta de apoio (escola, meios de comunicação etc.), observa Joaquín Becerra. A língua era transmitida oralmente de pai para filho, numa população na maior parte analfabeta. O idioma perdeu terreno e, hoje, está restrito às pessoas mais idosas, embora muitas pessoas de meia-idade percebam e falem a língua. Agora, começa a surgir entre os jovens grande interesse pela aprendizagem do português.

– Há o sentimento de que a língua faz parte da nossa cultura. O interesse vem do fato de vivermos na fronteira dos dois países, o que torna o português uma língua estratégica (relações comerciais, laborais etc.) – constata Joaquín Becerra.

O evento mais importante da cidade é denominado “Lusofonias” – um ou dois dias do ano dedicados ao mundo lusófono, com artesanato, literatura, música, teatro, cinema e animações de rua, entre outras atividades.

– É uma maneira de reivindicar que nós desejamos continuar a pertencer ao mundo lusófono – resume Joaquín.

Uma atividade simbólica nesses encontros é a “leitura pública”, uma hora de leitura de textos em português de diferentes autores. O evento luta contra a óbvia falta de estímulo financeiro espanhol.

A situação atual do português de Olivença é a de um “subdialeto do alentejano oriental, com superestrato espanhol”, como define Eduardo Machado. A intenção da Além Guardiana é que o português seja considerado “língua materna” como o castelhano, e não estrangeira, como hoje.

Pela atual lei da educação, as escolas são livres para escolher a 2ª língua com valor acadêmico. Das duas escolas primárias de Olivença, a particular optou pelo português. Já a pública viu-se obrigada a optar pelo inglês, por não contar com professor de português com as características definidas na lei. Mas há grande vontade por parte dessa escola em ter português como disciplina, no mesmo grau de importância do espanhol.

Retomada
Eduardo é professor de português na Universidade Popular (municipal), frequentada por crianças (a partir de seis anos) e por adultos. Além dos cursos formais, Eduardo criou um clube de cinema, leitura, teatro, visitas e passeios culturais a Portugal. Também promove exposições, como uma de Camões inaugurada em 14 de novembro no Museu de Olivença.

A iniciativa é parte do projeto “raízes portuguesas”, aprovado pela Câmara Municipal para o ano letivo de 2014, e que termina em maio de 2015 caso não seja renovado pelas autoridades públicas.

Olivença foi retomada dos mouros logo após a reconquista de Badajoz, e sua existência é documentada pelo menos desde o século 13. Terras de fronteira, foi entregue por Alfonso IX de Leão às ordens militares. Com isso, o vizinho castelo de Alconchel passou à Ordem do Templo. Em 1278, os templários são obrigados a deixar Olivença por pressão do bispado de Badajoz. Com a morte do rei Sancho IV, de Castela, guerras civis disputaram a sucessão ao trono.

Paisagem lusa
Diante da situação, o rei português D. Dinis forçou a retificação na fronteira, começando o período luso da história de Olivença, que duraria 504 anos. Em 1801, a França napoleônica – aliada à Espanha – declarou guerra a Portugal, que não aceitara fechar seus portos à armada inglesa.

Napoleão pediu às forças espanholas que marchassem para o Alentejo. O resultado foi a breve “Guerra das Laranjas”, em maio e junho de 1801. As forças espanholas ocuparam várias cidades portuguesas, incluindo Olivença, em 24 de maio.

Em 1815, o governo espanhol comprometeu-se a devolver a região a Portugal. Nunca o fez. De quebra, promoveu uma sistemática política de apagamento da influência cultural portuguesa na cidade.

Mas quem chega a Olivença logo nota a marcante presença da cultura e da arquitetura portuguesa.

De imediato, sobressai o Alcácer, “o castelo”, construído em 1334 pelo rei D. Afonso IV, vindo a ser ampliado com a edificação da Torre de Menagem, ao lado da porta de São Sebastião.

Em 1488, o rei D. João II fez obras de melhoramento nessa torre, que tem 37 metros de altura e 17 rampas de acesso ao seu terraço. Em 1716, foi visitada pelo rei D. João V em sua passagem por Olivença. O castelo está no interior da cidadela medieval do rei D. Dinis, construída no início do século 14. Segundo uma lápide de 1306, essa primitiva cidadela foi levantada sobre os restos de outra fortificação templária.

Relíquias
Outra relíquia é a Capela do Espírito Santo ou da Santa Casa de Misericórdia. Iniciada em 1501, foi reformada no século 18 e embelezada de azulejaria, que representa as obras de misericórdia, e três retábulos barrocos.

A igreja matriz de Santa Maria do Castelo teve a sua construção iniciada em 1584 no reinado de D. Filipe I (neto de D. Manuel), substituindo uma igreja primitiva templária do século 13. Tem estilo renascentista, com naves, altar-mor em estilo barroco e azulejaria.

Quem atravessa a ponte sobre o rio Guadiana – que liga Olivença a Elvas em Portugal – avista bem perto as ruínas da antiga Ponte da Ajuda, construída no reinado de D. Manuel I, em 19 de dezembro de 1510. Em 1597, alguns arcos centrais desabaram com as cheias que aumentaram o caudal do rio. Em 1641, ela foi reparada e incrementada por pontes levadiças. Só em 1967, já em ruínas, a ponte foi declarada monumento de interesse nacional pelo Estado português. Em 1994, o governo português assumiu os encargos financeiros e a responsabilidade de construir sozinho a nova ponte, inaugurada em 2000.

Fonte: Revista Língua

IPOL Pesquisa
Receba o Boletim
Facebook
Revista Platô

Revistas – SIPLE

Revista Njinga & Sepé

REVISTA NJINGA & SEPÉ

Visite nossos blogs
Forlibi

Forlibi - Fórum Permanente das Línguas Brasileiras de Imigração

Forlibi – Fórum Permanente das Línguas Brasileiras de Imigração

GELF

I Seminário de Gestão em Educação Linguística da Fronteira do MERCOSUL

I Seminário de Gestão em Educação Linguística da Fronteira do MERCOSUL

Clique na imagem
Arquivo
Visitantes