“O Estado tem avançado em algumas políticas sociais, porém, não tem sido suficiente para atender a todos”, avalia professora Teodora
No ano em que a Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa comemora 100 anos, a professora indígena Guarani Ñandeva, Teodora de Souza, conta um pouco sobre os objetivos do governo ao criar a Reserva, bem como, as dificuldades e necessidades do povo indígena, na atualidade.
O início da escolarização e os avanços nesta área são destacadas pela educadora, que acredita na educação escolar como mecanismo de valorização e revitalização da cultura indígena, dando lugar aos Saberes Indígenas na Escola no mesmo nível de importância de outros conhecimentos ocidentais.
Nascida na Reserva Indígena, filha de Antônia Brites e Agavito de Souza, fez o Ensino Fundamental na Escola Francisco Meireles ( Missão Caiuá), cursou o Ensino Médio/Magistério, na Escola Estadual Menodora Fialho de Figueiredo e Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), na extensão do Centro Universitário de Dourados (CEUD/UFGD).
É Mestre em Educação Escolar Indígena e Políticas Públicas no Município de Dourados, pela Universidade Católica D. Bosco. Atualmente, é coordenadora local do Programa de Formação Específica de Professores “Saberes Indígenas na escola”, na Faind/UFGD pelo Município de Dourados.
A Reserva Indígena completou 100 anos, em setembro deste ano. O que os indígenas tem a comemorar? As Aldeias Jaguapiru e Bororó fazem parte da Reserva Indígena de Dourados habitada pelos povos Guarani Ñandeva,Guarani Kaiowá e Terena.
A criação das reservas pelo Estado brasileiro foi uma forma de garantir um espaço mínimo de sobrevivência, mas que se tornou, com o passar dos anos, uma armadilha, porque o espaço se tornou uma opressão territorial e confinamento cultural.
O Estado brasileiro tem avançado muito na garantia dos direitos indígenas nas bases legais, porém, na prática, não tem garantido esses direitos fundamentais para a sobrevivência nos seus territórios tradicionais.
O Estado tem avançado em algumas políticas sociais, porém, não tem sido suficiente para atender a todos. Por isso, nos cem anos da reserva, não tem muito o que comemorar, pois a comunidade Jaguapiru e Bororó perdeu parte do seu território demarcado com o aumento populacional de 150 pessoas por ano, em média, nestes cem anos.
Quais as dificuldades vivenciadas pela população indígena e o que fazer para superar esses obstáculos? A pouca Terra aumentou os conflitos internos interétnicas e aumenta a complexidade da situação populacional indígena em diferentes aspectos Sociais, Étnicas, Organizacionais, Culturais, Linguísticas e Territoriais dos povos que antes não tinham limites territoriais.
Hoje, sem condições de sobrevivência digna por falta de Terra para viver da produção e garantir alimentação e saúde adequada. Outros problemas são o aumento considerável da prática de violência, consumo de bebida alcóolica e uso indiscriminado de drogas; Falta de segurança específica para atender a população indígena; Falta de água potável para toda comunidade; Falta de atendimento adequado à saúde indígena e falta de moradia digna para a maioria.
O Estado brasileiro tem dado pouca atenção a situação dos Povos Indígenas de Dourados no sentido de garantir a proteção territorial, cultural e física. Apesar do governo oferecer algumas políticas assistenciais e emergenciais, nem sempre essas políticas são contínuas. Variam muito do compromisso de cada governo.
O governo municipal precisa reconhecer a Reserva Indígena como um lugar onde residem cidadãos de direitos, porém, com um olhar diferenciado e garantir recursos financeiros para investir na estrutura da Reserva Indígena como se investe em qualquer bairro da cidade.
Necessita colocar as demandas indígenas no Plano de trabalho Anual e articular as demandas das comunidades junto ao governo Estadual e Federal, pois a questão indígena é responsabilidade das três esferas.
No que se refere à educação escolar, nos últimos 10 anos, foram construídas 05 escolas e as existentes foram ampliadas. Com uma população crescente a cada ano, consequentemente, os avanços que teve na educação escolar indígena, não tem sido suficiente para atender a demanda.
Muitas crianças em idade escolar do Ensino Fundamental precisam sair da Reserva para ter acesso à educação escolar e passa a estudar no Município vizinho ou mesmo nas escolas da cidade de Dourados.
Como era o ensino nas escolas indígenas?
A escolarização dos Povos que moram nesta Reserva existe desde 1938, inicialmente, desenvolvida pelos missionários da Missão Caiuá. A educação escolar até a Constituição de 1988, era pautada no processo da Colonização do Saber, inclusive a formação dos Professores, indígenas com orientação do mesmo modelo de educação pautada pelo princípio da homogeneidade, que não respeitava e não valorizava as diferenças Culturais, Étnica e Linguísticas dos Povos existentes nas comunidades indígenas de Dourados.
Depois, a educação escolar passou a ser responsabilidade da FUNAI e, em 1990, passou a ser responsabilidade do Ministério da Educação (MEC). Em 1992, o Município de Dourados assumiu a educação escolar e construiu a primeira escola “Centro Educacional Unificada” Tengatui Marangatu.
Havia duas salas de aulas considerada extensões para atender as áreas Bororó e Região Agustinho. No ano de 2004 iniciou a ampliação dessas extensões e transformadas em escolas próprias com autonomia administrativas e pedagógicas. Até 2008, foram construídas mais duas escolas, sendo a Lacu’i Roque Isnard na região Bororó e a escola Ramão Martins, na região Jaguapiru.
Foi construída também uma escola na Aldeia Panambizinho, localizada a 25 km da cidade de Dourados. A Reserva também conta com uma escola do Ensino Médio na aldeia Jaguapiru.
Na área educacional, o que melhorou? O que precisa ser implementado para ter maior qualidade no ensino?
Desde 2008, não houve mais construções de novas escolas nas duas Aldeias e com aumento populacional, a demanda aumenta a cada ano.
Atualmente, faz se necessário a construção de mais escolas do Ensino Fundamental e Médio na área Bororó.
No campo administrativo e pedagógico, há duas décadas, busca-se implementar a educação escolar indígena pautada nos princípios da Diferença, Bi/Multilíngue, Específica e Intercultural conforme assegurada nas legislações nacionais, estaduais e municipal e de acordo com a necessidade das comunidades.
Isto requer a formação inicial específica no âmbito do Magistério e Ensino Superior dos professores indígenas, ampliação do quadro de professores indígenas nas escolas, formação continuada específica dos mesmos e uma Política Educacional permanente respaldada pelo Sistema Municipal de Educação e em parceria com as instituições formadoras.
Os professores tem formação universitária para lecionarem na Aldeia? Quantos professores atuam nas escolas indígenas?
A formação específica dos professores tem contribuído para melhorar o atendimento às crianças nas suas necessidades específicas. Muitos professores indígenas já possuem formação no Ensino Superior, outros estão em processo de formação em nível superior e, ainda, alguns cursando Ensino Médio/Magistério. Alguns são professores efetivos, em sua maioria são contratados.
O número de professores indígenas e não indígenas é de 160. Do total,115 são professores indígenas. Outro avanço são dois concursos específicos realizados. Os professores dos anos iniciais são todos indígenas. Há alguns professores não indígenas atuando principalmente, nos anos finais.
De que forma a população da Aldeia preserva a cultura indígena?
A escola que, por muitos anos, contribuiu para silenciar a cultura indígena, hoje, é um dos instrumentos importantes para preservação da cultura, pois possibilita o registrar através da escrita, desenhos, vídeos, produção de material didático, de literatura, livros.
A outra forma de preservar a cultura é fortalecer as Línguas indígenas na escola, incluir na matriz curricular conteúdos que contemplam os saberes indígenas, contação de história pelos mais velhos sobre a origem, da cosmologia, da arte, da história, a literatura. Na comunidade, a cultura e fortalecida através das práticas de danças, da pintura, das vestimentas.
Faz-se necessário que o governo municipal promova atividades culturais que incentive o fortalecimentos das diversidades culturais dos povos indígenas de Dourados como uma riqueza nacional e não como algo inferior frente a outras culturas .
Fonte: O Progresso
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