Manifesto da APEERJ sobre a situação do ensino de espanhol no Rio de Janeiro
Na qualidade de diretores da Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro (APEERJ), manifestamos a nossa preocupação decorrente do recebimento de notícias referentes ao ensino de espanhol nos sistemas públicos de ensino do nosso Estado, especialmente, na rede estadual e na rede municipal da cidade do Rio de Janeiro.
Em primeiro lugar, é importante recordar o pioneirismo do Rio de Janeiro no que diz respeito ao ensino de espanhol, inclusive no plano legal. Após o processo de redemocratização do país, o nosso estado foi o primeiro a incluir a língua espanhola na grade curricular das escolas da rede, ainda em 1984. A partir de então, foram aprovadas algumas leis sobre a obrigatoriedade do ensino de espanhol na Educação Básica. Em 1989, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou a Proposta Popular de Emenda ao Projeto de Constituição do Estado do Rio de Janeiro que determina o ensino obrigatório de língua espanhola na Rede Estadual. Tal determinação foi reforçada pela Lei nº. 2447/1995, que tornou obrigatório o espanhol em todas as escolas públicas de ensino fundamental e médio do estado, ou seja, ficou configurado que tanto as escolas públicas municipais quanto as estaduais, seja de ensino médio ou fundamental, deveriam incluir na grade referida disciplina.
No âmbito da Cidade do Rio de Janeiro, em atitude pioneira da administração municipal, o espanhol é uma das línguas estrangeiras oferecidas pela rede da capital, nos anos finais do Ensino Fundamental, desde 1998. No ano seguinte, foi aprovada a lei n. 2.939/1999, que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da língua espanhola em toda a Educação Básica na rede municipal de ensino.
Além da legislação de caráter estadual e municipal, desde 2005 vigora a Lei Federal nº. 11.161/2005, que dispõe sobre a oferta obrigatória do espanhol no Ensino Médio. Segundo a lei, o processo de implantação da disciplina deveria cumprir-se, no máximo, até o ano de 2010.
Em segundo lugar, a língua espanhola é uma forte aliada da formação cidadã, que no ambiente escolar encontra espaço mais do que propício ao seu desenvolvimento. Conforme explicitam as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL/SEB, 2006, p.133): “Nesse espaço [o escolar], a língua estrangeira não é simplesmente matéria escolar a ser aprendida, mas tem função educacional, e um dos seus papéis mais importantes, o de expor os alunos a outra língua a partir de uma óptica menos instrumental, poderá ajudar, entre outras coisas, a interferir positivamente na relação que os estudantes brasileiros guardam com a própria língua, em especial com a escrita. No caso específico da Língua Espanhola, esta pode contribuir significativamente para isso, dada a especial relação que mantém com a Língua Portuguesa”. Ressalte-se, ainda, que por meio da aprendizagem da língua espanhola reforçam-se os laços de solidariedade entre os povos latino-americanos e apresenta-se ao alunado uma possibilidade de acesso a bens culturais oriundos dessa parcela importante da população mundial, que historicamente possui tantas afinidades com o Brasil e que está, habitualmente, fora da mídia, dado seu caráter não hegemônico.
Em terceiro lugar, convém mencionar que a presença da língua espanhola na Educação Básica está pautada em diversos fatores político-econômicos, dentre os quais, destacam-se a expansão do interesse pela língua e pela cultura hispânicas a partir do advento do MERCOSUL em 1991.
Considera-se igualmente como fator relevante o estabelecimento de empresas de origem hispânica em nosso país, sobretudo a partir da década de 1990, o que cria uma demanda importante para os estudos de língua espanhola. Além disso, não há como esquecer o setor do turismo: dados do Ministério do Turismo demonstram que a Argentina é o país de onde sai o maior número de turistas que chegam ao Brasil e que os turistas originários dos demais países da América do Sul compõem aproximadamente 46% do fluxo de turistas em nosso país.
Em quarto lugar, é um dado de relevo o fato de o espanhol ser considerado a segunda língua internacional, além de ser língua oficial em fóruns políticos da ONU, UNESCO, UE, MERCOSUL e, também, de eventos internacionais como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol, que terão sede proximamente na capital do nosso Estado. Dessa forma, parece-nos um contrassenso que o país esteja em preparação para tais eventos e presenciemos, neste momento, um lamentável esvaziamento do ensino da língua exatamente no Estado que, de forma pioneira, incluiu o espanhol nas grades curriculares das redes públicas.
Passemos, a seguir, aos problemas que o ensino e os docentes de língua espanhola vêm enfrentando, primeiramente na Rede Municipal do Rio de Janeiro e, em seguida, na Rede Estadual.
1. A SITUAÇÃO DO ENSINO DE ESPANHOL NA REDE MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
O ensino de espanhol na Rede Municipal do Rio de Janeiro tem sofrido uma grande restrição imposta pela Secretaria de Educação (SME-Rio), que vem favorecendo exclusivamente, após a criação do programa Rio Criança Global, em 2009, o ensino da Língua Inglesa, em convênio com a Cultura Inglesa, inclusive para fornecimento de material didático não licitado e não avaliado por especialistas.
Sem desconsiderar a importância do ensino de inglês, embora a sua entrega nas mãos de uma empresa alheia ao sistema educativo brasileiro nos cause espécie, ratificamos a relevância do plurilinguismo na formação crítico-reflexiva e a sua imprescindível contribuição no letramento do alunado conforme se expõem nos Parâmetros curriculares Nacionais – Língua Estrangeira Moderna (BRASIL, 1998). Hoje, o ensino de espanhol, que antes era oferecido, em algumas escolas, em todo o Fundamental II, vê-se restrito ao 9o ano, com previsão de retirada da grade curricular regular em 2014. Tal fato tem provocado grande insatisfação dos professores que, com isso, se veem obrigados a atuar em outras disciplinas, não naquela à qual dedicaram a maior parte de sua formação acadêmica e profissional e para a qual foram concursados, ou seja, encontram-se desviados de função, seja na docência de língua portuguesa ou ainda em salas de leitura e laboratórios de informática. Cumpre ressaltar que, muitos deles, precisam cumprir sua carga horária em mais de uma escola, na mesma matrícula, ou seja, dividem suas 16h de trabalho em duas, três escolas diferentes, em uma situação que precariza ainda mais a docência, em função de inúmeros deslocamentos e realidades com as quais o professor tem de lidar. Além do descontentamento e desmotivação por parte desses docentes, parece-nos um contrassenso a retirada dessa disciplina da grade curricular em favorecimento do inglês, levando-se em consideração a crescente expansão do ensino de espanhol em nosso país nos últimos anos, sendo a única língua cuja oferta obrigatória na Educação Básica é prevista em lei federal (11.161/2005).
Acrescentamos ainda que há pouco tempo atrás, a SME-RJ organizou um rigoroso concurso com 100 vagas para professores de Espanhol, cujos aprovados foram convocados e assumiram seus cargos ainda no segundo semestre de 2012. Atualmente, a maior parte deles está trabalhando com outras disciplinas ou projetos, por conta das novas diretrizes da própria secretaria para o ensino de línguas estrangeiras, o que reforça a contradição que vem se apresentando em relação ao tratamento dado à Língua Espanhola na rede.
2. A SITUAÇÃO DO ENSINO DE ESPANHOL NA REDE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO
O problema do espanhol não se restringe à rede municipal de ensino. A situação na rede estadual, pioneira na inclusão da disciplina na grade curricular é, também, extremamente precária.
Até 2009, o espanhol era uma das línguas estrangeiras, junto com inglês e francês, oferecidas aos estudantes do anos finais do Fundamental e do Médio, com dois tempos de aulas semanais. A partir de 2010, com a nova matriz curricular da Educação Básica da rede estadual, estipulou-se que haveria, no Ensino Médio, uma língua estrangeira obrigatória, com dois tempos semanais de aulas, e uma optativa, com apenas um tempo. A distribuição de qual seria a obrigatória e a optativa decorreria dos “recursos humanos existentes na instituição”. Tendo em vista a incontestável superioridade quantitativa de docentes de inglês, o espanhol acabou relegado, na maioria das escolas, à condição de disciplina optativa.
Segundo relatos de muitos de nossos associados, após a aprovação nos concursos públicos promovidos pela Secretaria Estadual de Educação-RJ e, principalmente, após a convocação de todos os aprovados nos concursos de 2007 e 2008 e alguns de 2009/2010, a situação vem se tornando cada vez mais instável. Com a sua condição de disciplina optativa, os docentes de língua espanhola aprovados nos concursos elencados acima foram convocados para atuar com apenas um tempo em cada turma. Dessa forma, cada professor possui 12 turmas, enquanto os docentes de língua inglesa permanecem com seis turmas, dois tempos de aula por turma. Além disso, esse panorama agravou-se ainda mais em 2012, pois a SEEDUC-RJ, de forma arbitrária, determinou que os professores de espanhol tivessem 36 turmas, ou seja, a cada três turmas regulares, seria formada somente uma de língua espanhola. Acrescentamos que o professor de espanhol também tem enfrentado elevada dificuldade para encontrar escolas nas quais possa lecionar, sendo-lhe muitas vezes sugerido assumir a disciplina Língua Portuguesa ou ainda, sendo obrigado a cumprir sua carga horária em duas ou três escolas diferentes. Temos o relato de muitos professores que, inclusive, já pediram oficialmente a mudança para língua portuguesa, tendo em vista as dificuldades encontradas ao lecionar o espanhol.
A nosso ver, encontramo-nos, portanto, em uma situação que nos leva minimamente a duas hipóteses: (1) não existiria, de fato, significativa demanda pelo ensino de espanhol no Estado do Rio de Janeiro, justificando a ausência desse idioma nas grades escolares. Nesse caso, nos encontraríamos diante de um impasse, pois todos os recentes estudos científicos, dados de diversas naturezas e a legislação a respeito da obrigatoriedade do ensino estariam infundados; (2) as comunidades escolares não estariam suficientemente informadas acerca da relevância do estudo da língua espanhola na atualidade e tampouco estariam a par das leis que dispõem sobre a obrigatoriedade do ensino desse idioma. A segunda hipótese parece-nos ser a mais provável. Assim sendo, nos últimos anos temos solicitado, embora nem sempre sejamos atendidos, aos representantes das redes de ensino público do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro (1) o levantamento das escolas que oferecem o espanhol como disciplina; (2) o encaminhamento de um documento às direções escolares no sentido de coibir a recusa de professores de espanhol quando existir concretamente a vaga de Língua Estrangeira na escola em questão; (3) a abertura de um debate, dentro das redes municipal e estadual de educação, sobre o papel e o lugar da disciplina Língua Espanhola, na grade curricular e nos currículos previstos para cada ano letivo.
Entendemos que à desvalorização do trabalho do professor de espanhol subjaz uma política educacional, em desacordo com os principais documentos nacionais orientadores do currículo, que desconsidera o papel formador do ensino de língua estrangeira na Educação Básica e assume frequentemente o discurso favorável à hegemonia do ensino de inglês.
Diante do exposto, solicitamos que as esferas municipal e estadual assumam medidas em prol da manutenção do espanhol como disciplina da grade curricular, medidas essas condizentes a educação linguística plural concebida na atualidade como indispensável ao letramento crítico e à formação dos cidadãos deste país.
Rio de Janeiro, 11 de março de 2013.
APEERJ
Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro
Mais sobre o trabalho da APEERJ pode ser visto no blog da instituição.